A rua, a praça, a sala de aula, o plenário, a assembléia, o mundo real. Os verdadeiros espaços possíveis de luta social no capitalismo avançado passam longe da internet, do virtual, ao contrário do que previam muitos filósofos otimistas com as possibilidades de democratização abertas pela nova tecnologia, a exemplo de Pierre Lévy.

Quem afirma é o professor titular da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, pesquisador do CNPq e escritor, Muniz Sodré, autor do clássico “A Comunicação do Grotesco” (na sua 14ª edição), e mais recentemente de “O Império do Grotesco” e “Antropologia do Espelho – uma teoria da comunicação linear e em rede”.

 

“Estamos imobilizados nas cadeiras, vendo o mundo passar na televisão e achando que, nos informando, vamos transformar o mundo. Essa é a nova mentira que a mídia nos vende”, defende ele. Para Sodré, a célebre frase de Karl Marx, proferida há 1,5 século, se transformou na metástase da informação na sociedade atual: “a liberdade só se dá quando a informação se transforma em ação”.

 

O professor defende que os sindicatos não são anacrônicos quando propõem que a disputa política se dê no mundo real. Muito pelo contrário. “A greve na França paralisa é a rua. A  rua ainda é o espaço que ameaça o Estado e, por conseqüência, o capital. É na rua que se dá a disputa política. Não é na internet”.

 

A natureza das comunicações

Mesmo considerando que a rua é o verdadeiro espaço de luta, os fluxos de informação que levam a sociedade à ação passam necessariamente pela influência da mídia. E, por isso, é tão importante entender a verdadeira natureza dos meios de comunicação na atualidade. “Nenhuma tecnologia é neutra. A sociedade ainda não entendeu a natureza do poder das comunicações”.

 

Para o professor, a nova face da imprensa no capitalismo avançado acarreta mudanças tão profundas que põe em risco a própria existência do jornalismo. Sodré lembra que, do ponto de vista clássico, o jornalismo é uma marcação temporal dos acontecimentos. Portanto, sem periodicidade definida é impossível falar em jornalismo.

 

A internet, entretanto, rompe com essa prerrogativa. Ele lembra que Pierre Lévy chega a questionar a importância do jornalismo no capitalismo avançado, já que a internet, para o autor, abre a possibilidade de que “todos sejam consumidores e geradores de notícias e informações”. Sodré se contrapõe frontalmente a tal análise.

 

“A internet é um suporte, assim como o papel. E suporte pode mudar sem alterar o conteúdo. É por isso que a Associação Nacional dos Jornais dos Estados Unidos lançou, em fevereiro deste ano, uma campanha para incutir no leitor a idéia de que o jornal do futuro será uma plataforma de informações, ou seja, utilizará a convergência de mídias. O slogan da campanha, não por acaso, é ‘a internet é a melhor coisa que poderia acontecer aos jornais’”, exemplifica.

 

Sodré analisa que, no Brasil, a imprensa segue a mesma tendência. “Há uma mestiçagem cada vez maior entre conteúdo de papel e internet. A Folha de são Paulo já trabalha com o slogan ‘pode-se ler em 5 ou 50 minutos’, em função das facilidades digitais”.

 

Economia da atenção

Para Sodré, a atenção do consumidor é a mercadoria mais valiosa desses novos tempos. E a mídia, claro, gira em torno dessa máxima. “A gratuidade corresponde à estratégia de mercado para disputar o coeficiente de atenção e, com isso, atrair investidores publicitários. Na internet, principalmente, as informações jornalísticas estão visceralmente associadas ao marketing”.

 

Nesse contexto, a relação entre verdade e mentira, própria do jornalismo clássico, é posta em segundo plano. “Cada vez mais, o jornalismo está associado ao entretenimento. A fronteira ainda existe, mas está cada vez mais dissimulada”.

 

Deslocamento do poder do Estado.

Um outro fator importante que precisa ser observado para a compreensão da natureza da mídia é o fato de o setor privado conseguir exercer uma hegemonia inédita sobre o setor público. “A aliança entre a mídia e o poder financeiro consegue deslocar o poder do Estado. As novas tecnologias e a mídia convergem para uma redefinição de Estado”, denuncia.

 

Para o autor, o problema é que a grande maioria da população ainda acha que o Estado é a esfera política que define as questões da vida. E as grandes corporações multimídias têm muito pouco a ver com o que se entendia – ou ainda se entende – por jornalismo.

 

“Na mídia tradicional, verificava-se uma aliança entre grupos familiares, grupos políticos de mesmo interesse, jornalistas que defendiam os interesses da classe dominante e patrocinadores aliados. O Estadão (O Estado de S. Paulo)sempre deu voz à oligarquia cafeeira enquanto o Diário Carioca representava os donos de grandes estaleiros”, lembra Sodré.

 

Conforme ele, o jornalismo era conotado como uma instituição quase pública, ou seja, instituição mediadora necessária para o funcionamento da democracia, para a garantia do direito da livre expressão. Até 1970, tanto a grande quanto a média imprensa seguiam esse parâmetro.

 

O professor ressalta que, hoje, ocorre uma despolitização enorme do jornalismo. Para ele, a nova mídia corporativa só tem interesse no lucro. Não tem vínculo com o poder político. Não tem mais ligações com questões locais de defesa da cidadania. Passou das mãos do capital patrimonial elitista para o capital financeiro. “Os donos da mídia não são seres humanos identificáveis. O capital tem muitas faces”.

 

O professor afirma que, mudando a natureza da propriedade da mídia, muda-se também seu objetivo. “O grande inimigo da imprensa hoje não é um ditadorzinho que aparece aí, mas as corporações. Nesse contexto, não é mais possível considerar a associação liberal entre jornalismo e liberdade de imprensa”.

 

Fato real ou público real?

Muniz Sodré acredita que, no contexto atual, reaviva-se o questionamento feito por Karl Marx em 1841: O jornalismo deve ser o relato do fato real ao público ou deve ser o relato do fato ao público real? Para o autor, se a imprensa cria seu público imaginário, qual é, então, o público real e vivo da imprensa hoje?

 

Sodré alerta para a sensível diferença entre público e audiência. O público é um sujeito coletivo, é capaz de falar, intervir. A audiência é passiva, é questão de estatística. “A imprensa alternativa tem que fazer essa distinção, revisar essas categorias e constituir seus públicos específicos”.