“Em resumo: o povo é também porta-voz das nossas ações e isso é comunicação. Isso é política.” | Créditos da foto: Reprodução.

[Por Joana Tavares e Monyse Ravena | Consulta Popular] Todo mundo que se interessou por este artigo deve concordar com a premissa de que é preciso democratizar a comunicação no Brasil. É difícil ser contra essa ideia, afinal, temos uma das mídias mais concentradas do mundo, com pouquíssimos mecanismos de participação social e uma baixa cultura de pluralidade.

Estamos quase acostumados com a pouca opção de veículos massivos de comunicação, mesmo no cenário aparentemente mais aberto da internet. Estamos habituados com o discurso da regulação “pelo controle remoto” e parece quase natural que seja assim. Mas também sabemos: não há nada de natural nisso.

A perversidade da concentração da mídia faz parte de um complexo jogo político e ideológico. E é preciso colocar esse tema na pauta das organizações populares, com a centralidade que ele merece. A pandemia e as condições impostas pelo isolamento social tornaram essa centralidade ainda mais evidente.

Precisamos falar sobre audiência

Concordamos que somente atitudes individuais não serão capazes de romper o monopólio da comunicação estabelecido no Brasil. No entanto, essa afirmação não pode nos eximir de atitudes que caminhem em direção ao consumo de conteúdos produzidos por veículos populares e sua consequente divulgação. Esses veículos nos ajudam a ver a realidade a partir de outra ótica, que não a do mercado e a desconstruir a “história única” contada pela mídia comercial sobre diversos temas.

É importante frisar o que aqui chamamos de “mídia comercial”

São empresas com interesses corporativos que maximizam a busca pelo lucro e pela rentabilidade. Aliado a isso, elas têm interesses políticos e ideológicos, o que faz com que sua produção de informação não seja necessariamente guiada pelo interesse público. Outra observação que julgamos importante é que os meios de comunicação comerciais existem também na internet, onde se reproduz o cenário de monopólio.

Estamos caracterizando assim “mídia comercial”, porque muitas vezes as organizações populares, movimentos e instituições vacilam sobre a caracterização desses veículos como antagônicos a um projeto popular para o Brasil e seguem disputando uma suposta “visibilidade favorável”. Às vezes até sem perceber, apostam nesses veículos como um caminho central.

Aparecer no Jornal Nacional não é um grande favor

Não estamos dizendo com isso que temos que abandonar nossa ações de assessoria de imprensa, por exemplo. Mas precisamos fazer isso com muita consciência de que os veículos da mídia comercial não são nossos aliados e que a cobertura das nossas pautas não é um grande favor. Se eles nos dão esse espaço é porque nossa ação gera interesse público e poderia gerar muito mais se não tivéssemos uma mídia tão concentrada.

Reforçamos aqui que entendemos a diferença entre o trabalho de jornalistas, trabalhadores das redações, e os interesses dos donos desses veículos. Prestigiar o trabalho de bons profissionais não precisa ser sinônimo de priorizar os veículos para os quais eles vendem sua força de trabalho.

Outro ponto importante a valorizar são os veículos comunitários, públicos e populares que cobrem nossa ação no cotidiano, circular o link, postar nas redes, parabenizar e não fazer isso só quando aparece na Globo e seus pares. Esse tipo de atitude gera muita desmotivação entre aquelas dezenas, centenas de comunicadores populares que estão no dia a dia das lutas, fazendo junto, e se esforçando para cobrir as ações com respeito, agilidade e qualidade.

Por que se informar e divulgar a partir de meios de comunicação populares é importante? Porque esses veículos criam narrativas que se contrapõem a outras criadas e alimentadas pela mídia comercial – e seus aliados de classe – por muitos anos e que são aos poucos assimiladas e dadas como verdade e realidade por grande parte da população, tornando-se estereótipos de pessoas, lugares e causas.

Um dos melhores exemplos disso é como foi construída e sedimentada a narrativa da criminalização dos movimentos populares e sua caracterização como criminosos e baderneiros.

Podemos criar nossa própria agenda

Em contrapartida, a comunicação feita a partir dos movimentos e organizações populares também precisa ser de reflexão e planejamento constante para dar visibilidade aos seus porta-vozes e dirigentes políticos, mas também aos sujeitos e protagonistas das ações, como os camponeses, mulheres, sindicalistas, negros e negras, sem-terra, sem-teto, jovens, moradores de periferias. Em resumo: o povo é também porta-voz das nossas ações e isso é comunicação. Isso é política.

A comunicação e os veículos construídos a partir de movimentos e organizações políticas com objetivo de transformação social também têm como tarefa se organizar, articular e fortalecer ações conjuntas com o objetivo de disputar a consciência e a audiência da sociedade.

[Publicado originalmente em Brasil de Fato/MG]