[Por Isabella Andrade – Correio Braziliense – 27.03.2017] Escrito entre histórias, memórias e fatos históricos, a obra de Betty Almeida, intitulada como Paixão de Honestino, reúne vivências da própria escritora, amiga de um dos mais importantes líderes estudantis do país. Trazendo à tona a biografia permeada por discussões de elementos retirados de suas lembranças e experiências, o livro mostra o cotidiano do estudante em seu período resistência à repressão na Universidade de Brasília (UnB).
O passado histórico é levantado para mostrar as ideologias e lutas que despertaram entre os jovens no período que se estendeu de 1964 a 1985. A autora recupera as conquistas do militante, que não viveu para ver o fim do regime que combateu. O livro foi lançado nesta terça-feira (28.03), quando, Honestino completaria 70 anos se estivesse vivo.
Betty Almeida coloca uma importante reflexão para os dias atuais ao longo das páginas de seu livro e mostra que a luta do estudante de geologia da UnB pode trazer significado e impulso para aqueles que ainda lutam por uma sociedade menos injusta e desigual. Tendo se aposentado do cargo de professora na Universidade Federal da Paraíba, a autora decidiu escrever sobre o período da ditadura, tendo como mote, a figura de uma das principais lideranças estudantis formadas na UnB. “A partir da decisão de escrever, minhas memórias brotaram, procurei pessoas, registros, documentos e o texto foi crescendo. Basicamente, o livro é escrito em terceira pessoa. Utilizo memória e relatos pessoais e saudades”.
O jovem estudante desapareceu em 10 de outubro de 1973, até hoje não se sabe como. Honestino sempre se manteve fiel aos seus princípios, nunca quis a violência, mas foi uma de suas principais vítimas. Foi por sua crença nos ideais universalizantes, como democracia, verdade e dignidade humana que ele lutou. O lançamento junta-se às comemorações de 55 anos da Universidade de Brasília, uma das mais perseguidas pelo governo militar, justamente por ter grandes lideranças políticas entre seus estudantes.
A escritora faz parte do Comitê pela Memória, Verdade e Justiça, formado por ex-presos políticos, familiares de mortos e desaparecidos da ditadura de 1964 e militantes por direitos humanos. “Aquele período e o de agora são momentos particulares da luta de classes entre patrões e trabalhadores. Hoje os objetivos da classe dominante são os mesmos, mas a tática mudou. E como a violência física não funcionou, agora a sociedade é minada por dentro, com o estímulo à ideologia individualista, que incentiva a competição e a agressividade”.
Em seu livro, Betty coloca suas memórias a serviço da possibilidade de transformação. A autora lembra que, em 1964, as classes dominantes não queriam reforma agrária, direitos trabalhistas, serviços públicos de qualidade, democracia livre de poder econômico, liberdade de expressão para os trabalhadores. “Acharam que poderiam acabar com as reivindicações populares pela força e exterminar até o último militante socialista. Não conseguiram nem uma coisa nem outra”. Enquanto isso, Betty destaca que, atualmente, querem impor a máxima de que o capitalismo é o sistema ideal porque dá oportunidades a todos, basta saber aproveitá-las.
Informação e luta
A autora acredita que é importante que a sociedade conheça de perto os fatos e relatos daquele tempo, já que boa parte dos acontecimentos de 1964 não foi esclarecida. “É preciso que a verdade apareça e que haja justiça e reparação. Se prisão ilegal, tortura, execução extrajudicial e ocultação de despojos mortais nunca forem punidos, continuarão a acontecer”, afirma.
Betty afirma que, naquela época, o cotidiano militante era ativo e tenso, com a presença de um medo constante e justificado. Lembra ainda que as notícias sobre prisões e mortes eram quase diárias, mas isso gerava uma solidariedade e uma fraternidade que traziam coragem, confiança e acirravam a disposição para a luta. “Quem militou naquela época, em geral, se mantém fiel aos ideais socialistas libertários que defendia”.
Para Germana Henriques Pereira, diretora da Editora UnB, é imensa a importância de se lançar o livro em um momento histórico como o atual, em que estudantes de todo o país lutam por direitos básicos, como manter disciplinas no currículo do ensino médio; além das lutas por liberdade de expressão e contra a intolerância. Germana destaca que o testemunho de vida que Betty Almeida conta em sua obra mostra paixões como a do personagem histórico, mas também as da autora e as nossas de hoje: a paixão pela verdade, pela liberdade. “Conhecer a verdade histórica, conhecer os debates e as questões que levaram aqueles jovens, como Honestino, a não temer a morte é imprescindível para se entender o Brasil de hoje. Sobretudo indispensável para os jovens de hoje, que são, muitas vezes, cooptados por uma ideologia do consumo ou da diversão a todo custo”.
Duas Perguntas – Betty Almeida
Por que motivo ele foi tão perseguido se suas únicas armas eram as palavras?
Todos os que desejam uma sociedade justa sabem que sob o jugo dos grandes patrões a justiça social nunca será alcançada. Sabem também que esses grandes patrões nunca renunciarão pacificamente às suas riquezas e privilégios. O poder popular certamente só será conseguido pela força da luta armada. Honestino, dirigente de organização política, compreendia isso muito bem. A ele, como a qualquer pessoa normal, repugnava a ideia de matar. Mas sua capacidade de liderar e organizar eram perigosas demais para os opressores. Por isso foi perseguido e assassinado.
Este poder de transformação das palavras te impulsionou a escrever o livro?
Os militantes da luta armada achavam que suas ações serviriam de exemplo para levantar as massas populares. Honestino acreditava, como diz no Mandado de Segurança Popular, que ações armadas pontuais, sem respaldo popular, não seriam eficazes para tirar os patrões do poder. Paulo César Saraceni disse que para fazer cinema bastava uma câmera na mão e uma ideia na cabeça. Para fazer revolução social é preciso uma ideia na cabeça e organização política capaz de levar a uma organização militar que torne possível a transformação. Escrever livros, fazer filmes, compor música, criar obras de arte, contribuir com a cultura e o conhecimento humano, é necessário.
Lançamento do livro
Paixão de Honestino, de Betty Almeida, dia 28/03, a partir das 15h; no auditório Roberto Salmeron, Faculdade de Tecnologia, Campus Darcy Ribeiro, Asa Norte. Às 16h acontece a exibição do documentário Arquivo Honestino, de Paula Damasceno. A programação conta ainda com mesa de palestras e interpretação de poema.
Paixão de Honestino
De Betty Almeida. Editora UnB. Número de páginas: 414. Preço médio: R$ 42.
Memória
Honestino Guimarães nasceu em 28 de março de 1947 em Itaberaí, pequena cidade de Goiás, e mudou-se com a família para Brasília, em 1960, atraídos pelas novas oportunidades que a capital oferecia. Moraram na W3 Sul e depois na 405/406 Norte. Terminou o curso ginasial e começou o científico no Elefante Branco. Em 1964 transferiu-se para o Centro Integrado de Ensino Médio (Ciem), onde participava da política estudantil e ingressou na Ação Popular (AP). Em 1965, antes de completar 18 anos, foi o primeiro colocado no vestibular da UnB.
Ações como pichar muros, participar de manifestações e distribuir panfletos contra o governo resultaram em prisões — a primeira, em fevereiro de 1966, durante uma greve; em fevereiro de 1967, fazendo pichações; em abril de 1967, durante manifestação na Biblioteca Central da UnB. Em agosto daquele ano, na prisão pela quarta vez, foi eleito presidente da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (Feub). Em 29 agosto de 1968, a UnB foi invadida para que se cumprisse um mandado de prisão contra ele e outras lideranças estudantis. Em setembro, dois meses antes de concluir o curso de geólogo, foi excluído da universidade. Foi eleito vice-presidente da UNE em 1969 e em 1971 foi eleito presidente. Desapareceu em 1973.