Por Camila Araújo
Breno Altman é jornalista, diretor editorial da revista Samuel e do site Opera Mundi, meio de comunicação independente que oferece uma análise crítica sobre os principais acontecimentos do mundo. Nesta entrevista, Breno nos convida a refletir sobre a atual conjuntura política do país pós-eleições, os principais dilemas da esquerda brasileira e a urgência de uma reforma política que garanta participação popular. Ele também destaca a importância da regulamentação dos meios de comunicação para acabar com os monopólios da mídia, atuais obstáculos da democracia.
Qual é a importância da comunicação contra-hegemônica para a luta dos trabalhadores?
No processo de luta dos trabalhadores é fundamental que eles tenham dois elementos: informação sobre as condições pelas quais a sociedade se organiza tanto do ponto de vista da economia, quanto da política. Essas informações hoje são monopolizadas pelos meios de comunicação corporativos, que buscam sempre vender uma determinada visão de classe sobre a sociedade. Essa visão corresponde aos interesses dos grandes grupos capitalistas. É fundamental para os trabalhadores conhecer o que se passa na sociedade. Portanto, a comunicação deve investigar e buscar traduzir junto aos trabalhadores os processos econômicos, culturais, políticos e sociais em curso.
Um segundo elemento importante é entender que a comunicação é arregimentadora, além de informativa. Isso significa que a comunicação é um instrumento pelo qual os trabalhadores se unificam para se mobilizar. Nenhuma força política consegue se colocar em movimento sem ter informação e um discurso de aglutinação. Isso ocorre em qualquer fenômeno humano. Por exemplo, as pessoas participam de um jogo de futebol porque houve uma publicidade que causou encanto esportivo ou emocional entre os torcedores. As pessoas só se mobilizam para além dos interesses concretos que elas são capazes de identificar, se elas forem induzidas, se forem convocadas a se mobilizar. E a comunicação tem também este papel arregimentador e informativo.
Em um artigo especial publicado no Brasil 247 sobre o futuro governo Dilma, você afirmou que o PT teria uma oportunidade única para aprofundar a democracia brasileira. No entanto, o plebiscito sobre a constituinte já tem vetos expressos no Congresso. Como você avalia a atual situação da política no Brasil?
O projeto legislativo que convoca oficialmente um plebiscito sobre a constituinte ainda terá que ser votado, tanto na comissão de constituição de justiça quanto no plenário da câmara dos deputados e ele ainda não foi vetado. Setores conservadores do congresso são contrários a ele. Essa é uma batalha em curso e a vitória ou derrota desse projeto dependerá da capacidade de mobilização da esquerda, dos partidos e dos movimentos sociais.
Na minha opinião, esse projeto é uma oportunidade para as forças democráticas no Brasil, porque nós temos uma herança autoritária no nosso país que vem desde o período da ditadura.
O sistema político eleitoral brasileiro foi concebido para limitar a participação e para que o sistema econômico tenha um papel hegemônico. Há poucos instrumentos para participação popular. Com exceção das eleições majoritárias (para presidente, governador, senador…), as eleições para o parlamento são baseadas num sistema único do voto nominal: você não vota em partidos políticos, você vota em pessoas que podem arrecadar dinheiro junto às empresas. Isso permite constituir um parlamento que é muito menos a expressão de projetos de sociedade e muito mais a expressão de grupos de interesse. Para resumir, há um sistema político eleitoral atrofiado, antipopular e oligárquico. Se você não consegue romper esse sistema, é muito difícil avançar nas demais reformas, porque a constituição brasileira faz com que quase todas passem pelo parlamento. É preciso resolver esse estrangulamento para seguir adiante.
E qual seria a saída para o governo?
Nesse momento, é fundamental a convocação de uma assembleia constituinte sobre o sistema político e não é só o sistema eleitoral; ela deve atuar sobre a instituição de mecanismos de democracia direta no sistema político e sobre a democratização dos meios de comunicação. Hoje só pode ser convocado um plebiscito pelo próprio congresso, não pode ser convocado pela população. Por exemplo, deveria haver um mecanismo pelo qual certo percentual de eleitores subscrevesse um projeto de lei que fosse a plebiscito com caráter impositivo, sem depender do congresso nacional. Nós precisamos reformar o Estado, no sistema eleitoral, com participação popular e democracia dos meios de comunicação. Sobre isso deveria atuar essa constituinte que é nosso principal objetivo tático.
Diante da permanente ofensiva da direita, feita principalmente através da imprensa, você acha que esquerda está organizada o suficiente para se impor e reagir?
Está em curso um jogo político no país. Hoje não é possível dizer com clareza qual dos dois grandes blocos tem mais organização. É verdade que a direita reúne poderes fáticos importantes – tem maioria no parlamento, influência importante no poder judiciário, o monopólio dos meios de comunicação, detém o poder econômico. Por outro lado, a esquerda possui um enraizamento em todo o país, tem forte hegemonia sobre o governo federal, tem partidos, movimentos e entidades enraizados e pode vir a constituir uma força social mais orgânica capaz de empurrar adiante as reformas. Na minha visão é um jogo que não está jogado. Ele está sendo armado a partir de uma conjuntura cujo ponto de partida é favorável à esquerda, que foi a vitória da presidente Dilma no segundo turno. Esse jogo pós-eleitoral começou com uma situação favorável à esquerda e não desfavorável. Agora, os blocos ainda não estão arrumados. Tanto a direita quanto a esquerda estão acumulando forças, organizando suas estratégias e estruturas para um embate entre dois grandes projetos.
Num panorama geral, quais são os dilemas da esquerda brasileira?
São muitos, mas vou citar os três maiores a serem enfrentados. Primeiro, a esquerda precisa saber combinar dois tipos de intervenção política: a intervenção institucional – aquela que se faz através do processo eleitoral, no interior do parlamento e das instituições – com a mobilização e organização das ruas. A esquerda hegemônica do Brasil, liderada pelo Partido dos Trabalhadores, possui um déficit de organização e participação social. Isso é produto da situação histórica em que foi eleito o presidente Lula, um presidente de esquerda com minoria parlamentar que teve muitas dificuldades pra garantir o desenvolvimento do governo. A transformação da sociedade numa força fundamental de governabilidade é um déficit da esquerda.
Segundo: a esquerda tem que resolver o problema da sua unidade. Tem que estabelecer um programa político e social de reformas que seja comum à esquerda para poder avançar a situação política do país.
Por último, a esquerda precisa resolver uma contradição seríssima entre sua alta influência eleitoral e sua irrisória influência na formação de corações e mentes. A esquerda tem um caminhão de votos e acho que não tem um carrinho de comunicação. Isso é algo vital. O Brasil é um país desproporcional porque a esquerda vai para o seu 4º governo, possui mais de 50% dos votos e a soma de todos os veículos de comunicação que se pode chamar de progressistas não deve chegar a 5% no país. Essa é desproporção que tem que ser resolvida.
O que significou o possível cancelamento da publicidade governamental para a revista Veja?
Eu acho que é um primeiro passo importante. A regra não deve ser “o governo só deve colocar publicidade em quem concorda com ele”, mas sim “o governo não pode colocar publicidade em organizações criminosas”. A Veja é um veículo de uma organização criminosa que é a editora Abril. Na verdade, não deveria ser cancelada apenas a publicidade da revista Veja. Na medida em que a empresa proprietária da revista é a editora, nenhuma publicidade governamental deveria ser concedida a nenhum veículo da editora Abril. Mais que isso, o governo deve adotar aquilo que todas as empresas adotam ao decidir por publicidade: um filtro qualitativo. Nós podíamos ter aqui no Brasil uma espécie de selo de qualidade que não diz respeito a apoiar ou não apoiar o governo. Mas assim, uma regra em que os veículos que claramente ofendem os princípios da democracia, da isenção jornalística, da boa fé e da legalidade não poderem receber publicidade governamental. Então, essa lógica é um avanço democrático.
Diante dessa situação, o que falta para uma regulamentação que impeça o monopólio midiático?
Falta muito. Primeiro que falta vontade política por parte do governo de enfrentar esse debate. O tema amadureceu na sociedade e na esquerda. Praticamente todas as mais relevantes organizações políticas e sociais progressistas do país amadureceram a decisão de regulamentar os meios de comunicação. Mas não há da parte do governo, até o presente momento, uma vontade estabelecida de fazer a regulamentação, porque ela significa um alto grau de conflito com os monopólios da mídia. Eles são hoje o principal problema da democracia brasileira, ao lado do sistema político. A existência de uma estrutura na qual seis famílias determinam tudo o que se lê, que se ouve ou que se vê, em termos de informação, é um bloqueio na democracia do país. O governo tem que avançar nessa questão, mas sem a vontade não vai acontecer. É claro que não bastará vontade, terá que ter maioria no congresso, terá também que mobilizar a sociedade para fazer um embate em torno dessa questão.
O que é o Opera Mundi? Como você classifica o papel dele na mídia atual?
O Opera Mundi é um site de informações especializado em assuntos internacionais (politica, economia e cultura internacionais). Em relação à editoria nacional, cobre a política internacional do Brasil. Desempenha um papel importante para ajudar a difundir e alargar os debates mundiais que hoje ocorrem. O Opera Mundi traduz muito material internacional e permite o acesso aos leitores brasileiros a essas discussões que se travam em outros países.
Você o considera um meio alternativo?
Eu prefiro dizer que o Opera Mundi é um meio independente, não necessariamente alternativo. Ninguém deixará de ler nenhum site geral de notícias para ler apenas o Opera Mundi. Portanto, ele não é alternativo a algo. É um meio de comunicação independente, não pertence a nenhum grande grupo de comunicação. É um meio especializado, ou seja, dedicado aos temas internacionais. Seu papel é construir uma informação progressista sobre os assuntos abordados.