Em entrevista ao Boletim NPC, Mano Teko, presidente da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk fala do processo de construção constante da organização e dos questionamentos e respostas que tem encontrado nesses quase cinco anos de instituição. Segundo ele, a relação com a comunicação popular abre uma nova perspectiva para quem é da favela e do funk e que sempre questionou as manchetes dos veículos comerciais que criminalizam o movimento. “Quando a gente começa a se organizar e colocar o pé na rua a gente vê que existe um outro lado na parte da comunicação também. Como a gente se apropria disso? Pra gente está sendo um aprendizado muito grande colar com a galera da comunicação popular, que é fundamental”, aponta.
Para Teko, o Sarau da Apafunk, realizado no Centro do Rio toda segunda quinta-feira do mês é “uma ferramenta criada para levar informações aos nossos e juntar os amigos que acreditam que é possível uma mudança”. Ele vê o sarau como um instrumento de reflexão sobre a negritude e diversos outros temas, como a mulher no funk. “A gente precisa debater essas questões. E o sarau está proporcionando essa troca. Reforçando a questão na negritude, de ocupar as ruas, que é um espaço nosso, e trazendo mais uma vez um debate que até então era só um ponto de interrogação”, explica.
Boletim NPC – O que é a Apafunk?
Mano Teko – Apafunk quer dizer Associação dos Profissionais e Amigos do Funk. Inicialmente, os profissionais se organizaram junto a alguns amigos para lutar pelos direitos do movimento funk porque, até então, sempre foram colocados os deveres. Mas além dos deveres nós também temos muitos direitos, que nunca foram apresentados aos profissionais. Então, num primeiro momento [o objetivo] é levar informações aos profissionais para a gente se organizar e buscar um diálogo não só entre a gente, mas também com o Estado e a sociedade, mostrar que o funk é muito mais do que a mídia tem apresentado. Mas vai além disso.
Boletim NPC – Talvez o Sarau da Apafunk seja uma atividade que é esse “além”. O que é o Sarau da Apafunk e há quanto tempo ele acontece?
Mano Teko – Começou em dezembro [de 2012] e é mais uma ferramenta criada para levar informações aos nossos e juntar os amigos que acreditam que é possível uma mudança. Eu falei que a gente, inicialmente, defende os direitos do funkeiro. Mas a gente luta por direitos, o que vai além do funk. Quando a gente começa o diálogo sobre o funk a gente vê que a discussão é bem maior, traz outros temas.
A gente tinha criado primeiro a roda de funk, para os profissionais cantarem e, entre uma música e outra, existiam as falas sobre os nossos problemas e o que a gente estava reivindicando. E foi importantíssimo no processo da lei. Na revogação [da Resolução 013*, que inviabilizou bailes funk e outras atividades culturais em favelas do Rio] e na produção da lei que reconhece o funk como cultura.
Tentando criar mais ferramentas para mobilizar, ter uma base – porque a roda não tem um lugar fixo – nós esbarramos com os saraus periféricos. Esbarramos com Nelson Maca e outros poetas que também se posicionavam e que a gente não tinha tido contato até então. Conheci ele no “Poesia Favela”, que aconteceu na Uerj, organizado pela professora Adriana Facina. E nos identificamos muito com a fala desse poeta, (que é de Curitiba, mas a base dele hoje é a Bahia), que é o Nelson Maca, do coletivo Blackitude e que realiza toda quarta-feira o Sarau Bem Black.
A gente tinha sempre pontos de interrogação e fomos encontrando respostas nesse processo da Apafunk. Um tema que até então a gente não tinha debatido era negritude. E a gente se deparou com a poesia do Nelson Maca e dali, articulamos, procuramos saber mais sobre os saraus periféricos, porque há essa identificação, parece muito com a roda de funk. Conhecemos o Sérgio Vaz, da Cooperifa, Berimba, do pessoal dos Maloqueiristas, em São Paulo, Zinho Trindade, Vera Lopes e os próprios nossos aqui do Rio de Janeiro que estavam meio soltos e com quem a gente conseguiu esbarrar nesse processo. Dali saiu o interesse de a gente fazer o sarau. Estávamos na dúvida de fazer ou não, porque a Apafunk não tem sede e, procurando o espaço – a rua sempre foi a nossa a casa – conhecemos o pessoal da ocupação Manoel Congo. A gente tinha o interesse de fazer lá dentro, mas infelizmente eles estão em obra e não dá para ser lá. Mas eles disseram que havia a possibilidade de fazer na parte da frente. Imediatamente eu achei “duca”, levei ao coletivo a ideia e a galera abraçou. Ocupamos e felizmente o Nelson Maca pôde vir no primeiro e no segundo sarau para dar essa bola pra gente. E foi muito gostoso ocupar esse espaço da rua. A gente viu que, diferente das rodas, por exemplo, teve uma chegada muito grande das mulheres, que até então nas rodas de funk não estavam acontecendo e as mulheres ocuparam esse espaço junto com a gente. Elas estão tomando de assalto o sarau (risos) que é mais uma discussão que é só ponto de interrogação pra gente, profissionais do funk. A mulher dentro do funk. A gente precisa debater essas questões. E o sarau está proporcionando essa troca. Reforçando a questão na negritude, de ocupar as ruas, que é um espaço nosso, e trazendo mais uma vez um debate que até então era só um ponto de interrogação. Agora se criou um coletivo feminino na Apafuk, as amigas que se achegaram e fizeram apresentações no mês de março, estão fazendo várias intervenções durante o sarau.
O sarau é mais um espaço de troca, de posicionamento através da poesia. A gente vê muitas reuniões acontecendo, mas a gente não pode ficar só na reunião. É um espaço de prática também.
Boletim NPC – É um espaço de troca com a comunicação popular, a educação popular? Como funciona essa relação da comunicação e educação popular com a cultura popular?
Mano Teko – Pra gente tudo era um ponto de interrogação. A Apafunk vai fazer cinco anos agora. Então, a cada passo que a gente dá a gente encontra algumas respostas ou se aprofunda mais nesses questionamentos. Para a gente, de favela e do funk, nossa relação com comunicação era muito complicada porque as manchetes dos jornais eram sempre as piores possíveis, sempre criminalizando o movimento. E quando a gente começa a se organizar e colocar o pé na rua a gente vê que existe um outro lado na parte da comunicação também. Como a gente se apropria disso? Pra gente está sendo um aprendizado muito grande colar com a galera da comunicação popular, que é fundamental. Criar meios alternativos de a gente levar nossa mensagem. É muito diferente a gente falar com os nossos e a gente tem esbarrado com eles dentro da favela, que é nossa casa também. A grande maioria do funk é produzida
dentro da favela. Está sendo uma troca muito importante, fundamental, e como, falei, é uma troca. Como a gente pode ajudar eles nesse processo e como eles podem ajudar a gente nesse processo. Quando a gente vai ver é uma coisa só.
Boletim NPC – Quando você falar “ajudar no processo” é um processo de busca do quê?
Busca de melhorias. Nossa sociedade é desinformada ao máximo. A gente não tem informação. Eu não tenho esse espaço de troca sobre negritude, sobre feminismo, sobre homofobia, transporte, saúde, educação… sobre N coisas. Eu não tenho esse espaço de troca dentro de casa, não tenho na escola. E como a gente leva isso pros nossos? Quando a gente fala do sarau juntar as pessoas, e eu tenho batido muito nessa tecla, o nosso alvo é aquele trabalhador que está passando lá por trás e se identifica com a fala de um poeta ou de uma mulher que está falando de feminismo. Como a gente consegue levar essa informação aos trabalhadores comuns? E acho que a gente está num caminho bem legal e tem conseguido isso com o sarau. Felizmente, a cada sarau pelo menos um ou dois trabalhadores procuram alguém do sarau ou a mim e perguntam se aquilo é toda semana, como faz para participar, para trazer uma poesia. E no seguinte ele está lá com uma letrinha que ele fez falando sobre alguma coisa que ele viu e com a nossa linguagem. Uma coisa menos acadêmica. A Apafunk até hoje se comunicou muito bem com a academia e a gente está bem no meio dessa discussão, de como a gente mantém isso e como a gente se comunica com os nossos, com os trabalhadores e os profissionais do funk. A gente está nesse processo bem legal e o sarau tem sido o “encher dos pulmões” nesse processo.
Boletim NPC – Quando acontece o próximo?
Dia 11 de julho. É sempre toda segunda quinta-feira do mês, na rua Alcindo Guanabara, a partir das 19 horas. Quem é de somar, cola!
Boletim NPC – Vocês têm um programa na Rádio Nacional. Qual o papel dos veículos de comunicação populares e públicos para a resistência da manifestação cultural, no caso o funk?
O programa Funk Nacional acontece de segunda a sexta, de 15h às 16h, na Rádio Nacional. Foi mais uma vitória do coletivo. Os profissionais e amigos conquistaram mais esse espaço de troca também. Você não precisa assinar contratos abusivos, como acontece no nosso movimento, mas que não se prende só ao nosso movimento – porque a gente sabe que para tocar numa rádio, numa FM O Dia, numa Beat 98, você tem que pagar. No funk é um pouco pior porque você tem que ceder seu direito autoral para a editora A ou B. Então nós conquistamos esse espaço também, que além da música a gente tem um espaço para poder falar não só do movimento, mas sobre o que nos cerca. Sem ter que abaixar a cabeça, sem ter que medir palavras. Pelo menos até hoje tem sido assim e eu espero que seja mantido. É mais um espaço de troca e conquista do coletivo.
*A Resolução 013, assinada em 2007 pelo secretário estadual de segurança José Mariano Beltrame, proibia a realização de eventos de cunho cultural, esportivo e social sem a autorização prévia das autoridades responsáveis pelo policiamento de determinadas áreas. Em 2009, entrou em vigor a Lei 5543/2009, que define o funk como movimento cultural e musical de caráter popular. Desde então o funk tornou-se parte do patrimônio cultural oficial do Rio de Janeiro, mas os bailes continuam sendo reprimidos, principalmente em favelas com Unidades de Polícia Pacificadora.