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O Brasil precisa enfrentar o oligopólio da mídia. Mais que isso, precisa remodelar a sociedade. O jornalista José Arbex Jr. diz que só será possível democratizar o sistema de comunicação no Brasil, quando houver uma democratização da sociedade brasileira. Ele também explica como o discurso utilizado por grandes veículos da imprensa legitima a violência do Estado nas periferias e mostra os desafios a serem enfrentados pela esquerda na luta pela comunicação contra hegemônica.

Por Camila Araújo / NPC

 Como você vê a imprensa brasileira hoje?

 A grande imprensa, a mídia dos patrões, é muito perigosa. Do ponto de vista técnico ela é uma das melhores do mundo. O Jornal Nacional da Rede Globo não tem nada a dever para nenhum telejornal de nenhuma empresa do mundo, inclusive dos Estados Unidos. A qualidade gráfica da Folha, do O Globo do Estadão também é excelente, portanto, é uma imprensa muito sedutora. Ela apresenta as notícias de uma forma muito cativante, com cores e técnicas de sedução e isso é muito perigoso porque o conteúdo é muito reacionário, de extrema direita – criminaliza movimentos sociais, naturaliza o extermínio da juventude nas periferias etc. Tudo isso embalado como se fosse um presente de luxo, muito bonito. Isso faz com que os telespectadores e leitores acabem incorporando aquilo que está sendo transmitido como se fosse algo natural, por causa desse processo de sedução.

Qual é o discurso utilizado pela mídia para construir a opinião pública?

 Ela utiliza o discurso da guerra contra o outro. Quem é o outro? É tudo que não somos nós. Quem somos nós? Nós somos as pessoas de classe média que temos um padrão de vida mediano: temos carros, viagens, cartões de crédito, frequentamos boas escolas entre outras coisas. E tem o outro: um negro, um jovem de periferia, que é tratado como um ser violento, o bandido, o ladrão, o traficante de droga. Esse discurso da exclusão acaba desumanizando a humanidade do outro. Nós vivemos num país em que ser pobre é crime. É assim que a mídia cria seu discurso.

 No seu livro showrnalismo você fala sobre a cobertura jornalística das guerras. Esses conceitos da notícia como espetáculo se aplicam hoje?

 Mais do que nunca. O conceito de espetáculo não é colocado na sua acepção comum, como se fosse um grande show. O espetáculo é uma maneira de apresentar a realidade de uma forma falsificada, falseada, mas com uma narrativa coerente, com início meio e fim. Ela é aceita porque é muito bem enquadrada, é “bonitinha”, como um enredo de novela.

Por exemplo, como se apresenta um morticínio feito pela polícia no morro? A grande imprensa não diz “a polícia está fazendo um morticínio no morro”. Ela diz o seguinte: “existem narcotraficantes e bandidos no morro, a polícia vai lá para proteger nossa sociedade, nossos interesses e para punir os bandidos; fazer a guerra ao tráfico. De vez em quando morre um inocente, que pena! A gente lamenta muito, mas é um efeito colateral.”

 Quer dizer, essa é uma maneira de apresentar o assunto como se fosse uma novela, do bem contra o mal, onde o enredo é conhecido. Os malvados são conhecidos, os bonzinhos são conhecidos, todo mundo sabe tudo, só que não tem nada a ver com a realidade. O que a polícia está fazendo de fato é um terror contra a população negra e pobre das periferias, a matança de inocentes não é um efeito colateral, ela é o objetivo, é para produzir o terror. A realidade não tem nada a ver com a que foi apresentada.  É isso que eu chamo de espetáculo. E a notícia está cada vez mais sendo apresentada como show.

 Isso pôde ser observado também nas últimas eleições presidenciais. Como você analisa a cobertura da mídia durante o período eleitoral?

 É incrível. Vendo a narrativa da mídia, a economia está um desastre, a inflação está fora do controle, os bancos internacionais estão desconfiando do Brasil, tudo está uma porcaria. Mas, pera aí! Chegamos a 5% de desemprego e nunca esteve tão baixo esse índice no Brasil. Teve ganho real de salário mínimo, aumento real da expectativa de vida da população. Ora, os indicadores sociais mostram exatamente o contrário do discurso que a mídia vende. Então ela está falando em nome de quem?  Não é do povo. Porque a vida do povo melhorou, não piorou.

 A mídia está falando em nome dos bancos e do sistema financeiro mundial que não estão contentes com aquilo que estão ganhando. Eles querem ganhar mais. Eles estão querendo acabar com o ganho real do salário mínimo, acabar com as mínimas conquistas sociais. O discurso das eleições foi o de iluminar determinada análise da realidade que diz respeito aos interesses dos bancos, no entanto, apresentaram essa realidade como se fosse a realidade do Brasil. Aí você tem a falsificação completa dos dados.

 O que temos hoje de comunicação alternativa, independente, popular?

 Nós temos vários veículos que tentam de uma forma ou de outra oferecer uma perspectiva alternativa, como a Carta Maior, a Caros Amigos, blogs e outros. Mas por outro lado, o Jornal Nacional tem uma audiência de 60 milhões de pessoas. A grande fonte de informação do brasileiro hoje ainda é a televisão. Isso cria um problema porque é muito difícil competir com as tecnologias avançadas e as produções bilionárias utilizadas pelos grandes meios de comunicação. Eu acho que a nossa imprensa tenta produzir uma comunicação alternativa, mas não dá conta. Além do mais, o Brasil é um país que tem um alto índice de analfabetismo.

 Então, [a comunicação alternativa] está muito longe de ser o suficiente para lutar contra a competência dessa mídia burguesa. A Rede Globo é muito sedutora, possui uma linguagem cinematográfica nos jornais, as telenovelas e as minisséries passam valores morais, culturais e sociais todos os dias e competir com isso é muito difícil. Eu acredito que só através de um processo político que reúna pessoas para produzir discussões e uma interlocução forte, é que a gente vai poder construir algo alternativo. Sem isso vai ser impossível.

Como os sindicatos e movimentos sociais poderiam entrar numa disputa hegemônica com a mídia para sensibilizar as pessoas e provocar uma discussão em relação a isso?

 Não podem. Não no sentido de mídia contra mídia. O que estou querendo dizer é o seguinte, vamos fazer três mapas: o primeiro com os donos da terra no Brasil; segundo mapa com os caras que controlam o congresso nacional, e o terceiro mapa com os donos da mídia. Se você colocar um mapa em cima do outro, é o mesmo. Isso quer dizer que aqueles que controlam a mídia são aqueles que controlam o congresso nacional e aqueles que controlam as terras do Brasil. Se você não transformar a propriedade da terra e as relações políticas que estão configuradas no congresso nacional, você não vai conseguir mudar a mídia.

 É importante a luta pela democratização dos meios de comunicação, as leis para limitar o poder dos monopólios, isso é muito importante. Mas não tenha a ilusão de que só isso vá resolver. Não há como democratizar a Rede Globo, não há como democratizar o Estadão ou a Folha de São Paulo. São propriedades de famílias que tem uma determinada posição política e social na sociedade brasileira – conservadora, tradicional, reacionária etc. – e isso é muito difícil de transformar. O que estamos tratando aqui vai além. Para realmente haver uma democratização da comunicação tem que haver uma democratização da sociedade brasileira. E isso só através de movimentos sociais muito fortes e um embate profundo. O sindicato contribui quando ele ajuda a organizar a luta de classe.

 Qual a perspectiva para a comunicação nos próximos quatro anos?

 Terrível. Porque só vai haver mudança na comunicação no Brasil enquanto você não mudar tudo. Substancialmente. Pode haver pequenos ganhos democráticos? Sim, pode. Mas mudar mesmo, na substância, não vai. O governo Dilma e o governo Lula já demonstraram que não pretendem estimular, sustentar e dar apoio à mídia popular. O governo continua dando milhões e milhões de publicidade paga para a Veja, para o Estadão, para a Folha, para a Rede Globo, Record etc. Me parece que eles [governantes] acham que se ele derem bastante dinheiro para os meios de comunicação eles vão conseguir acalmar os veículos. Mas não é assim que funciona.

 Em uma breve análise: o que mudou na luta de classes no mundo de hoje?

 Existe uma elite global e uma classe trabalhadora global. Hoje as empresas estão espalhadas pelo planeta, embora o nome e a sede sejam nacionais. A Apple, por exemplo, é dos Estados Unidos, mas possui plantas em vários países. Inclusive na China, onde recentemente 17 trabalhadores tentaram suicídio. Eles entraram num quadro de depressão por causa das condições de quase escravidão em que trabalhavam. Assim como existe a globalização das empresas, existe também a globalização da classe trabalhadora e isso é um dado novo que muda a forma da luta de classes. Ao fazer uma greve contra uma empresa multinacional, hoje temos que levar em conta quais relações internacionais que essa empresa estabelece.

 Apesar disso, eu acredito que no seu conteúdo, a globalização não mudou essencialmente o fato de que de um lado tem exploradores e de outro lado, os explorados. Isso permanece. O que nós temos que fazer agora é entender esse novo mundo, esse novo proletariado. Temos que entender essa nova classe patronal, entender como ela se comporta em escala mundial para encontrar os meios de enfrentá-la.

 *José Arbex Jr. é editor especial da revista Caros Amigos, doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de jornalismo na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Possui formação política de esquerda e é autor de mais de 20 livros, entre eles Showrnalismo – A Notícia Como Espetáculo (2001, 2002, 2005) e O Jornalismo Canalha (2003). Durante os anos de 1980 e 1990, trabalhou no jornal Folha de S. Paulo e, em 2003, foi editor-chefe do Brasil de Fato.