Para novos contratos, salário terá teto de R$ 1.558,50; medida precisa ser aprovada pelo Senado
Após um duro embate entre opositores e aliados do governo Bolsonaro, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, por 313 votos contra 21, na noite desta quarta-feira (15), a Medida Provisória (MP) 905, conhecida como “MP da Carteira Verde e Amarela”. Assinada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em novembro, a proposta amplia a reforma trabalhista e enfrenta divergências de especialistas do campo jurídico, de centrais sindicais e outras entidades populares.
“Eu estou há 16 anos na Câmara e não imaginava que um dia fosse participar de uma votação a distância para retirar direitos dos trabalhadores desse jeito”, disse o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS). O líder da bancada do PSDB, Carlos Sampaio (SP), disse que o partido “vê com muito bons olhos a aprovação da MP”.
A medida cria a chamada Carteira de Trabalho Verde e Amarela (CTVA), uma modalidade de contratação voltada para jovens com idade entre 18 e 29 anos e com redução de direitos trabalhistas em relação às regras atuais aplicadas pelo mercado.
No parecer aprovado pelos deputados, o relator da MP, Christino Aureo (PP-RJ), acrescentou que a medida valerá também para trabalhadores que têm acima de 55 anos, desempregados há pelo menos 12 meses e trabalhadores rurais.
Para os novos contratos, o pagamento mensal deverá seguir o teto de um salário mínimo e meio, o equivalente a R$ 1.558,50. A MP vale até 31 de dezembro de 2022, mas como os contratos devem ser de 24 meses, podem ultrapassar a validade da medida dependendo do momento em que for iniciado.
A proposta implementa ainda uma série de mudanças na relação entre patrão e empregado. Entre elas, está a isenção de contribuição previdenciária e das taxas pagas pelo empregador às entidades do Sistema S (Senai, Sesc, Sesi e Senac). O relator retirou a redução do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que iria para 2% do salário, mas agora permanece em 8%.
De acordo com texto aprovado, o trabalhador demitido sem justa causa não tem direito à metade do salário correspondente até o fim do contrato, como previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
As empresas poderão aplicar esse tipo de contrato a 25% dos trabalhadores. Aos empregadores que possuem até 10 trabalhadores, a restrição diminui para 20%. A MP veta esse modelo de contratação aos trabalhadores que já estão em atuação com outras formas de contrato em até pelo menos 180 dias antes de demissão.
Caso o empregado tenha sido contratado anteriormente como menor aprendiz ou por trabalho intermitente e avulso, no entanto, a contratação por meio da Carteira de Trabalho Verde e Amarela está liberada. O relator manteve o trecho que considera acidente de trabalho, no percurso casa-emprego, somente caso ocorra em veículo do empregador.
Fazendo as contas, ao empresariado haverá uma economia de 70% dos encargos, de 39,5% para 12,1% sobre a folha. “Fica evidente que isso é pra melhorar a situação patronal, enquanto, para o trabalhador, não vai gerar emprego nenhum. O que estamos assistindo, na verdade, é uma precarização”, bradou o deputado Ivan Valente (Psol-SP).
“Essa MP segue uma visão escravocrata da elite brasileira, que acha que ter emprego é trabalhar por um prato de comida”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Obstrução
O início das discussões oficiais sobre a MP no plenário não se deu sem contestações. Diferentes membros da oposição criticaram a agilidade que Rodrigo Maia, presidente da Câmara, e os governistas imprimiram à tramitação da matéria.
Um requerimento de retirada de pauta apresentado logo no início da sessão pela bancada do Psol foi rejeitado por 284 votos contra 35. “Esta MP vai piorar a situação do desemprego e criar uma nova modalidade de trabalho, que são os trabalhadores sem direitos”, criticou a líder do partido, Fernanda Melchiona (RS).
Além do Psol, PT, PSB, PDT, PCdoB e Rede defenderam o adiamento do debate. Do outro lado, as siglas PSL, PL, PP, PSD, MDB, PSDB, DEM, PTB, PV, Pros, Novo, Podemos, Solidariedade e Avante orientaram suas bancadas a votarem contra a retirada da MP da pauta.
O plenário também rejeitou, por exemplo, um conjunto de requerimentos que propunham o fatiamento da votação para que o texto fosse apreciado ponto a ponto. Os pedidos foram votados em bloco e vencidos por um placar de 262 votos contra 15. Apenas um parlamentar se absteve.
O líder do PSB, Alessandro Molon (RJ), por exemplo, apresentou uma questão de ordem contestando a votação da medida em meio ao contexto de pandemia, em que têm sido votadas propostas que se aproximam mais do consenso. Ele ressaltou que as dissidências em torno do texto assinado por Bolsonaro resultaram em cerca de 2 mil emendas (sugestões de alteração) apresentadas por deputados e senadores à MP.
“A inclusão na ordem do dia da MP 905 não parece adequada ao PSB para o momento em que vivemos por se tratar de matéria extremamente polêmica, portanto, muito distante do consenso necessário e que rendeu, inclusive, acalorados debates no âmbito da comissão mista”, afirmou o pessebista.
Ele apontou ainda que o processo de articulação política e participação dos deputados nas sessões passou a contar com dificuldades adicionais em meio à pandemia, já que agora o Congresso vota medidas de forma remota. Nas sessões presenciais, os parlamentares conseguem promover uma obstrução mais robusta porque os encontros facilitam a articulação entre eles.
“O sistema de deliberação remota limita muito a atuação porque não permite que todos tenham a mesma oportunidade de discutir e deliberar ou até mesmo de se opor às matérias”, disse.
Já o deputado Gastão Vieira (Pros-MA), por exemplo, disse considerar o novo modelo de votações “muito bom” porque teria ajudado “a unir a bancada”. “E eu não vejo nenhum problema em termos incluído essa matéria de hoje na pauta porque ela já está pronta e o relatório foi bastante melhorado. Por que não votar?”, questionou.
O líder do PT, Ênio Verri (PR), destacou que, caso o Legislativo dê uma chancela final à MP, o país estará caminhando na contramão do que têm feito as nações de referência no mundo, como a Inglaterra e os Estados Unidos, que aprovaram medidas de proteção ao trabalhador.
“Há um equívoco gigantesco no que nós estamos fazendo aqui hoje. Eu não sei de onde saiu a ideia do ministro Paulo Guedes, do Bolsonaro e dos economistas que o assessoram de que diminuir direitos e renda é algo que faz a economia crescer. Se tirar direitos e renda, não tem demanda e, se não tem demanda, a economia não cresce porque a ampla maioria da população vai ficar na miséria. É hora de garantir salários, demanda, justiça social”, contrapôs o petista. Agora, a MP segue para aprovação no Senado Federal.