Por Comissão Pastoral da Terra
São Paulo – O indígena Gilmar Alves da Silva, 40 anos, se dirigia à aldeia Pambú, povo Tumbalalá, município de Abaré (BA), quando a moto que pilotava foi interceptada à força por um automóvel. Com o impacto, o corpo de Gilmar foi lançado ao chão de terra batida e, em seguida, alvejado por uma sequência de tiros. O assassinato ocorreu no final da tarde do último domingo (3), e parte dessa história foi contada pelo próprio Gilmar, que ainda teve forças para chegar com sua motocicleta à aldeia, e lá morrer.
A Polícia Militar conseguiu apreender o carro usado pelo que até o momento é o único homem apontado como autor do crime, e que está foragido e não teve o nome revelado pelas autoridades. No veículo, os policiais encontraram um carregador, balas e cápsulas, um revólver 38 e uma luneta para tiros de precisão. O carro e os armamentos foram entregues para a Polícia Civil.
Gilmar Tumbalalá tinha 40 anos, mulher e quatro filhos. O corpo do indígena foi enterrado na própria aldeia, na tarde da segunda-feira, depois de passar pelo Instituo Médico Legal (IML) de Paulo Afonso (BA). Até o fechamento desta nota, o laudo ainda não havia sido concluído, e o número de tiros que atingiu o indígena era desconhecido. O Tumbalalá trabalhava como motorista da Saúde Indígena de seu povo, portanto era bastante conhecido entre os integrantes da comunidade, no sertão baiano.
O local em que o Alves da Silva foi emboscado fica dentro da terra indígena identificada como tradicional pela Funai. Porém, o processo de demarcação está paralisado. “Quando aconteceu, à tardinha, Gilmar vinha voltando do campeonato de futebol que a Prefeitura (de Abaré) tinha promovido. A família e aldeia estão abaladas”, afirma Socorro Tumbalalá, prima de Gilmar.
Ainda não é possível afirmar que o assassinato tenha como motivação o conflito agrário, mas o fato de ele ter ocorrido dentro da terra indígena espantou a comunidade Tumbalalá. O contexto da região é de tensão. Isso porque o projeto de uma pequena barragem que faz parte do grande empreendimento da Transposição do Rio São Francisco poderá colocar debaixo d´água parte do território Tumbalalá, já identificado pela Funai. Com isso, os indígenas serão empurrados da margem do rio para o centro do território.
Como os indígenas praticam um modo de agricultura onde a terra é irrigada pelas cheias do rio, a atividade será inviabilizada caso o povo seja obrigado a se deslocar para o interior – área ritual, de terreiros e coletas de materiais tradicionais.
No entanto, não apenas a terra seca e sagrada espera a enxada dos indígenas. Dezenas de agrovilas do Incra foram instaladas dentro do território Tumbalalá. São famílias de pequenos agricultores expulsos de suas terras originais pelas construções das barragens de Sobradinho e Itaparica, durante a ditadura militar. Esses homens e mulheres sertanejos foram reassentados dentro do território indígena pelas mãos do Estado.
“Os Tumbalalá vivem numa área difícil, de conflitos fundiários instalados. Com o projeto da transposição, tudo ficou pior. Se essas barragens saírem, os Tumbalalá terão profundas dificuldades alimentares, por exemplo. A outra parte agriculturável do território tradicional está ocupado justamente pelas agrovilas. Os indígenas, então, passam a ser uma ‘ameaça’ permanente a esses agricultores, estando dentro do próprio território tradicional”, pontua o professor de Direito e ex-assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Sandro Henrique Calheiros Lôbo.
Ele também alerta para a necessidade de que crimes como o que vitimou o Tumbalalá devam ser levados à União, que tem o dever de garantir a segurança das comunidades vulneráveis e promover políticas públicas que preservem o direito à terra e à liberdade. “A morte de Gilmar precisa ser investigada pela Polícia Federal, o contexto exige isso.”