Por Ívina Costa
A “cumplicidade da imprensa e dos empresários com a ditadura” foi um dos temas debatidos na quinta-feira (06.11), na 20ª edição do Curso Anual do NPC. A mesa foi composta por três doutores em História Social: Pedro Campos e Beatriz Kushnir e Aloysio Castelo de Carvalho.
Pedro Campos abriu o debate, destacando o apoio de empresários, sobretudo do ramo da construção civil, a ditadura. A apresentação foi baseada na tese de doutorado defendida por ele em 2012, na UFF: “A ditadura dos empreiteiros: as empresas nacionais de construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro, de 1964-1985”. Segundo revelou a pesquisa feita pelo historiador, ao longo do regime, houve uma grande intervenção do Estado no setor de construção civil e também em sindicatos de trabalhares. Enquanto os empresários eram beneficiados e ampliavam suas formas de organização, os trabalhadores eram duramente explorados e reprimidos.
Ele lembrou que, os empresários foram bastante ativos, não apenas após o golpe 1964, mas também antes dele. Como exemplo, citou a fundação do Ipês (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), em 1962, por empresários do ramo da construção. Criado para dar suporte ideológico ao golpe, o Ipês fazia uma campanha nos meios de comunicação e produzia filmes cinematográficos, que eram exibidos nas sessões de cinema, antes do filme principal, a fim de transferir para o públicos os valores defendidos pelo regime.
De acordo com o historiador, de 1964 à 1985, diversos empreiteiros ocuparam postos importantes no aparelho do Estado. “Por exemplo, o empreiteiro Figueiredo Ferraz foi prefeito da capital paulista durante a década de 70. Octávio Marcondes Ferraz, proprietário de uma empreiteira, foi presidente da Eletrobrás no governo de Castello Branco. Antônio Carlos Magalhães, já falecido, indiretamente, foi proprietário de uma empreiteira fundada no período ditadura. Em 1971, foi indicado pelo governo Médici para ser governador da Bahia”.
Pedro ressaltou que, além de ocupar posições de destaque no governo, muitos empresários aderiram as práticas nefastas da ditadura. “Em São Paulo, no final da década de 60 e início da década de 70, alguns deles financiaram a repressão por meio da Oban (Operação Bandeirantes). Dentro da Oban havia empresários estrangeiros e também empreiteiros de obras públicas como, por exemplo, Sebastião Camargo, que foi dono da maior empreiteira na época, a Camargo Corrêa. Ele tanto financiava a Oban, que acabou se tornando um dos alvos do justiçamento praticado pela ALN (Ação Libertadora Nacional). Quando soube disso, ele acabou tentando um aparato de segurança, a fim de coibir esse tipo de ação”
Pedro disse que hoje esses empresários tem saudade da período da ditadura. “Por exemplo, na Camargo Corrêa tinha um sujeito chamado Wilson Quintella, que publicou um livro chamado “Memórias do Brasil Grande”. O próprio título já indica que ele tem muita saudade daquela época”. Grande parte da saudade se deve ao fato dos empresários do ramo da construção terem sido fartamente beneficiados pelas políticas públicas do regime. “Ao longo da ditadura, os empreiteiros, em particular, ganharam reserva de mercado. A partir de 1969, houve uma redução na participação de empreiteiros estrangeiros em obras públicas no Brasil. Isso se deve a um decreto expedido por Delfim Netto, na época Ministro da Fazenda. Esse decreto criava uma reserva de mercado e facilitava uma prática que ainda é muito comum no setor: a prática do cartel (quando as empresas, embora conservando a autonomia, estabelecem monopólio, distribuindo entre si os mercados e determinando os preços).
Segundo o historiador outro benefício era o incentivo fiscal. Além disso, ele observou que grande parte dos recursos financeiros do país eram investidos em obras públicas. “Há estudos que mostram que a saúde e a educação perderam participação no orçamento. Houve uma centralização muito forte do capital, fazendo com que a Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht tivessem o oligopólio das empreiteiras no país. Até hoje essas empresas dominam o mercado de obras públicas no Brasil. Ao longo do regime, se ramificaram e se internacionalizaram. Os incentivos do Estado para atuarem no exterior incluíam a ajuda da diplomacia brasileira”.
A política dos trabalhadores também ficou nas mãos dos empresários. “Houve uma política de repressão aos trabalhadores, de arrocho salarial e perseguição a sindicatos, principalmente aos sindicalistas mais combativos. Isso possibilitava margens de lucros maiores”. Segundo Pedro, outro aspecto bastante perverso da ditadura foi a não fiscalização das denúncias dos trabalhadores. “No período da ditadura, o Brasil foi recordista em acidentes de trabalho e a construção civil tinha uma participação expressiva nisso. Para se ter uma idéia, na década de 70, morriam, em média, em acidentes de trabalho, 5 mil trabalhadores por ano”.
Depois, Pedro lembrou as grandes obras realizadas naquele período: a ponte Presidente Costa e Silva, mas conhecida como ponte Rio-Niterói; metrôs do Rio de Janeiro e São Paulo, hidrelétrica de Itaipu, etc. “O setor da construção civil cresceu muito, porque houve uma grande transferência de recursos para o setor. Ele ainda acrescentou que: “não dá para dizer que esses empresários estavam apenas numa relação de favorecimento com a ditadura. Eles compuseram a ditadura. Ocuparam papéis de destaque. Isso faz com que a gente defina a ditadura não apenas como regime militar tão somente. Ele foi também civil e, predominantemente, empresarial. Então, acho que o ideal seria chamar ditadura civil-militar, empregando como sinônimo ditadura empresarial-militar.
Para concluir, Pedro disse que a ditadura, “criou uma política para beneficiar o capital monopolista internacional e também acabou gestando um certo capital monopolista doméstico em alguns setores chaves da economia brasileira”. Como exemplo, ele citou o setor bancário. “A ditadura criou e favoreceu a representação da atividade de empresas centrais e de alguns grandes grupos, como Itaú, Bradesco e Unibanco. Da mesma forma, setores da construção pesada e grupo Votorantin também lucraram com a ditadura”. Ele ainda voltou a destacar as empreiteiras Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Odebrecht, que eram bem menores no início da ditadura e se tornaram grandes no final, com atuação no território brasileiro e no exterior, e poder econômico e político. “Esses grupos tiveram uma participação decisiva no processo de transição política e mantiveram seu poder no novo regime instaurado no final da década de 80 a partir da nova Constituição. E continuam aí até hoje”.
Relações entre o jornalismo e a ditadura civil-militar
historiadora Beatriz Kushnir falou sobre o tema que deu origem ao livro “Cães de guarda: jornalistas e censores”, 5º lugar em Ciências Humanas no Prêmio Jabuti, em 2004. A obra, de autoria dela, apresenta a relação, entre jornalistas e militares após o golpe de 1964. Na tentativa de romper o silêncio da mídia em relação ao trabalho, que foi fruto de uma tese de doutorado, Beatriz criou o blog: http://caesdeguarda-jornalistasecensores.blogspot.com.br/, onde divulga informações sobre o livro.
No início da palestra, a escritora ressaltou que sempre houve censura no Brasil. Ela contou que pesquisou documentos do Departamento de Censura de Divisões Públicas (DCDP), na sede do Arquivo Nacional, em Brasília. “A documentação mostrava que eu poderia conhecer a censura por dentro. Ou seja, saber quem eram os censores e que formação tinham. O que mais me surpreendeu é que os dez primeiros censores, na época da transferência da censura do Rio para Brasília, com a inauguração da nova capital, eles tinham por profissão o jornalismo. Muitos dividiam importantes redações do O Globo e Jornal do Brasil”.
Além de pesquisar documentos, Beatriz entrevistou treze censores, de gerações diferentes. De acordo com a historiadora, o primeiro curso de censores foi criado por Ernesto Geisel, presidente militar que determinou o fim da censura. “Nas matérias de jornais, descobri que a Faculdade Estácio de Sá ministrava cursos para preparar os candidatos a censores, que fariam a prova da Polícia Federal. O último concurso foi realizado em 1986, depois do processo das Diretas Já. Ainda havia pessoas se candidatando porque queriam um emprego mais seguro”.
A historiadora contou que, após o fim da ditadura, os censores fundaram Associação Nacional dos Censores da Polícia Federal (ANACEN). Segundo ela, porque havia uma medida do governo para retirá-los da Polícia Federal e transferi-los para o Ministério de Educação e Cultura. “Eles não queriam essa transferência. Quando fui fazer parte da pesquisa na Academia Nacional de Polícia, estava acontecendo um curso. Um dos últimos atos do então deputado Wellington Moreira Franco foi estabelecer que os censores deveriam continuar no departamento de Polícia Federal. Então, eles estavam se preparando para se tornarem delegados de Polícia Federal, cuja a aposentadoria é de 20 mil reais”.
Tentando entender o porquê de jornalistas terem optado em se tornarem censores, Beatriz começou a pesquisar o jornal paulista Folha da Tarde. De acordo com ela, esse jornal era ligado ao grupo Folha da Manhã, que hoje pertence a Folha de São Paulo. Ele e outros da época serviam para legalizar mortes ocorridas sob tortura. “Quando você lia a Folha da Tarde, tinha a impressão de que o jornalista estava narrando um acontecimento vivênciado por ele. Ou seja, as mortes que tinham ocorrido na sede da OBAN (Operação Bandeirante) ou no DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) eram apresentadas pelos organismos da repressão como mortes acontecidas em atropelamentos, tiroteios, etc. E o Folha da Tarde divulgava as notas oficiais das câmaras de tortura como se fossem fatos verdadeiros”.
Ela ressaltou que o golpe civil-militar foi amplamente maquiado. “Não foi a toa que o jornal Correio da Manhã, às vésperas do golpe, publicou matérias com os títulos “Basta” e “Fora”, pedindo a cassação do presidente João Goulart. E também não foi a toa que esse mesmo jornal construiu a narrativa de que tinha sido quebrado pelas forças de repressão, quando sabemos que ele quebrou por má gestão”.
Depois ela se referiu ao palestrante anterior, Pedro Campos, e ressaltou que, na opinião dela, a ditadura foi civil-militar. “Os empresários não foram os únicos a financiar a ditadura. É preciso lembrar o papel preponderante que a igreja e a sociedade civil tiveram. Nos trabalhos clássicos do professor Daniel Aarão Reis Filho, da UFF, ele demonstra como as forças de combate a ditadura não caíram nas graças do povo. E como a história do pós 64 é difícil de ser incorporada pela sociedade brasileira. Parece que é um hiato e que aquelas pessoas não fazem parte da nossa história. Então, há um papel muito importante de uma sociedade civil que vai para além desses grupos de empresários”.
Beatriz contou que tentou entrevistar Otavio Frias Filho, diretor editorial do jornal Folha de São Paulo, e também o pai dele, mas ambos se recusam a falar com ela. “Olhando a documentação em Brasília, pude mapear perceber que o grupo Folha não foi o único a estar envolvido nisso. Havia também uma longa correspondência do grupo Abril com o então delegado da Polícia Federal Moacyr Coelho. Este agradecia a um jornalista do grupo Abril que, tinha ido a Brasília, espontaneamente, para ensinar aos censores como censurar cinema, porque achava que esta óptica estava pouco clara, deixando passar muita coisa”.
Ela lembrou que, semelhante ao que acontece no ramo da construção civil, hoje em dia, apenas cinco famílias dominam o setor de imprensa no Brasil. “Essas mesmas pessoas continuam no jogo do poder até hoje. Eles souberam se adaptar muito bem a 64 e ao pós 88, depois da Constituição”. Em seguida, a historiadora ressaltou que faz parte de uma geração que não foi olhar a imprensa como fonte, mas como objeto de estudo. “Não estamos usando os jornais para corroborar com as idéias e hipóteses que porventura tenhamos. Mas, estudamos a imprensa como um objeto, uma empresa que vende um serviço e tem lucro. Só é publicado aquilo que o dono quer. Talvez o mais chocante para mim, ao perceber tudo isso, foi constatar que a auto-censura não era e não é uma atividade desconhecida dos jornalistas que atuam na grande imprensa. Eles sabiam muito bem o que podiam e o que não podiam falar pra manter seus empregos”.
Sobre a imprensa alternativa do período da ditadura, a historiadora disse que havia uma quantidade gigantesca de pequenos jornais, de circulação grande ou restrita, que tentavam, de alguma maneira, apresentar ao público leitor um outro Brasil. Entretanto, havia vários exemplos de ações de órgãos vinculados a repressão do governo, que tentavam entrar na seara dos jornais alternativos. “No Rio de Janeiro, teve um jornal chamado “Expresso” e, em São Paulo, um jornal que era vinculado a um jornalista chamado Claudio Marques. Ele teve uma atuação bastante complicada na época da prisão do jornalista Vladimir Herzog. Porque publicou nesse jornal de imprensa alternativa que o Tutóia Hilton estava passando por um momento de abrigar personagens ilustres. Lá, para ele, era onde a OBAN estava, na rua Tutóia. Naquele momento, não tinha só o Vladimir, mas outros 10 jornalistas, juntamente a militância do PCB foram presos”.
Depois, a historiadora lembrou o assassinato do empresário dinamarquês, naturalizado brasileiro, Henning Albert Boilesen, em 1971. Boilesen foi um dos financiadores da OBAN e, por isso, foi justiçado por militantes da ALN (Ação Libertadora Nacional) e MRT (Movimento Revolucionário Tiradentes). “Os justiçamentos da esquerda armada serviam para eliminar empresários que financiavam a tortura e também pessoas que haviam sido julgadas como infiltradas dentro de um movimento. Até hoje esta é uma temática delicada de ser enfrentada”.
A historiadora acrescentou que um dos acusados pelo assassinato de Boilesen se tornou personagem central do livro que ela escreveu. O personagem, no caso, é Ivan Seixas, um dos integrantes da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo. “Logo após o assassinato do Boilesen, ele e o pai foram presos. Ivan tinha menos de 18 anos e foi torturado na frente do pai. Os policiais levaram ele para fazer um passeio pela cidade de São Paulo, para assassiná-lo. Pararam num café e ele leu numa manchete da Folha da Tarde que o pai dele estava morto. Quando voltou para o Tutóia, o pai continua vivo. Mas, apenas por horas, porque a morte dele já havia sido decretada pelo jornal Folha da Tarde. Esse é um dos exemplos de como esse jornal atuou durante nesse momento de intensa colaboração com a repressão”.
Não eram apenas as empresas jornalísticas que colaboravam com a ditadura. Beatriz contou que havia jornalistas que também atuavam como policiais. Muitos trabalharam no jornal Folha da Tarde. “Um deles foi o Antonio Aggio Júnior, que tem carteira policial da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Depois de ser aposentado pelo grupo Folha da Manhã, ele se tornou assessor de imprensa do senador Romeu Tuma. Quando o meu trabalho saiu, Aggio entrou com um processo junto a reitoria da Unicamp para cassar o meu título de doutora, dizendo a tese era fantasiosa. Aí, criou um blog chamado “O Jornal”, onde tentava desqualificar minha pesquisa”. Ela ainda acrescentou que o jornalista-policial se tornou conhecido porque costumava levar uma carabina para a redação. Depois, citou outro exemplo relacionado à Folha da Tarde: “a pessoa que fazia a editoria internacional era um delegado do DOPS. Ele disse que não via problema algum em conciliar as duas profissões”.
Beatriz disse que, quando o país passou pelo processo de abertura, o grupo Folha de São Paulo não aderiu a campanha pelas Diretas, como talvez tenha parecido. “Quem lê o projeto Folha, entende muito bem que eles estavam preocupados com os leitores que, naquele momento, queriam notícias mais à esquerda. Então, eles precisavam virar o jornal mais à esquerda. Não houve nenhum comprometimento ideológico com essa virada. Depois disso, os jornalistas que estavam na Folha da Tarde foram, de alguma maneira, desaparecendo. Eles vão sendo aposentados pelo jornal”.
Um fato curioso, segundo ela, é que a Rede Globo, na tentativa de se proteger de ações da censura, contratou censores aposentados no final da década de 70, num esquema que chamou de controle de qualidade. “Esses censores faziam a auto-censura de todas as novelas e minisséries. Segundo a emissora, porque a televisão é um veículo muito caro, que não poderia passar por um processo de censura, o que lhe daria grandes prejuízos”.
Para concluir, Beatriz Kushnir ressaltou que os jornais, por mais que virassem embrulho de peixe na feira do dia seguinte, marcaram a vida de muitas pessoas. “Se, por acaso, todos os jornais do país desaparecerem e ficasse apenas a Folha da Tarde, iríamos considerar que a missa ecumênica na Praça da Sé, uma semana depois do assassinato do Vladimir Herzog dentro das dependências do Tutóia, jamais aconteceu. Isso jamais foi noticiado pela Folha da Tarde. Esse tipo de desserviço que a imprensa fez e a colaboração entre censores, de policiais a jornalistas, me levaram a tentar entender essa relação. Talvez esse seja um livro difícil para os profissionais da imprensa digerirem porque ele fala do que o jornalista mais tem dificuldade de enfrentar: o fato de que trabalhar na grande imprensa significa assumir a auto-censura”.
Civis colaboram, mas apenas os militares tem o poder de decisão
O professor Aloysio Castelo de Carvalho baseou a apresentação no livro “A Rede da Democracia”, de autoria dele. Em seguida, explicou que a rede foi uma articulação política organizada no campo da imprensa, reunindo rádios e jornais das empresas O Globo, Jornal do Brasil e Diários Associados em torno do mesmo objetivo: apoiar o golpe militar de 1964. “Era um programa radiofônico diário, em que militares, estudantes, empresários, jornalistas, sindicalistas, que se opunham ao governo Goulart, divulgavam seus pronunciamentos. No dia seguinte, os discursos eram publicados, sobretudo, no ‘O Jornal’, de Assis Chateaubriand”.
De acordo com o professor, a rede foi criada em 1963 e durou até meados do ano seguinte. Para ele, o que ocorreu naquela época não foi muito diferente do que aconteceu, este ano, no Brasil, durante a campanha eleitoral. “Houve uma articulação política, entre a revista Veja e os jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo. Essa associação editorial com fins políticos quase conseguiu modificar o resultado da eleição. Trata-se de uma associação entre empresas jornalísticas, que passam a compartilhar uma mesma linha editorial com o objetivo de desestabilizar ou depor o governo”, esclareceu.
Ele lembrou que, na década de 50, também foi organizada uma articulação política semelhante. “Carlos Lacerda, através da Tribuna da Imprensa ou O Jornal, de Chateaubriand, e O Globo, de Roberto Marinho, se colocaram contra o governo de Getúlio Vargas. Esses veículos colocaram a corrupção como tema central, para desestabilizar o governo. A idéia também era acabar como o jornal Última Hora, que estava ameaçando a concorrência”.
Na opinião dele, por trás da temática da corrupção, há a interpretação, por parte desses jornais, de que existe um estado patrimonialista no Brasil. “O mal é o Estado. A corrupção está no Estado. Se o mal é o Estado, o lado bom é a sociedade. E, por extensão, o mercado. Ou seja, no mercado existem todas as virtudes e no Estado existem a corrupção, os privilégios, os favores… O Estado seria o responsável por todas as mazelas e pela imensa desigualdade social, já que os governantes não fazem uma gestão voltada para o interesse público, mas sim para interesses particulares. Essa é a ideologia que perpassa a temática da corrupção hoje, divulgada por esses representantes da imprensa”.
Em seguida, voltou a ressaltar que o padrão de articulação da imprensa com fins políticos esteve presente no governos Vargas e Goulart e continua existindo hoje. “Não dá para entender uma manifestação que pede o impeachment da presidente Dilma, após ela ter sido eleita pelo voto popular. Para compreender isso e também o pedido de intervenção militar feito nas ruas, é preciso levar em conta os valores que estão sendo divulgados pela imprensa. Existe a mesma tendência de depreciar e desqualificar o governo”. Ele acrescentou que a imprensa faz uma auto-propaganda, como se fosse o principal canal de expressão da opinião pública, disputando esta posição com a representação pública de caráter popular.
Continuando o debate, o professor discordou da palestrante Beatriz Kushnir em relação ao conceito de ditadura civil-militar. “Acho que a ditadura é militar. Quem tinha o poder de decisão eram os militares. Todos os presidentes, após 1964, foram escolhidos no âmbito militar e a força que tinha maior expressão era o Exército”. Ele acrescentou que, embora o poder estive nas mãos dos militares, muitos civis foram beneficiados, sobretudo dos setores empresariais e classe média. “Há uma grande diferença entre ser beneficiado e apoiar o regime. Apoiavam, mas não participaram das decisões ou participaram de forma secundarizada”.
Ele contou que, para escrever o livro, fez uma pesquisa em documentos da Escola Superior de Guerra. E descobriu que, durante o governo Médici (de 1969 à 1974) era realizado na escola um grande debate político interno ao regime. “Foram debatidos temas como, por exemplo: a segurança do Estado, conjuntura econômica, modelo político institucional e o tempo de intervenção dos militares. Já fica clara uma corrente, dentro do governo Médici, que aponta para retirada dos militares do poder político. Houve também um debate sobre o que fazer com o AI5, já que o regime tinha se afastado da sociedade no sentido de que fechou seus canais. Então, esses debates mostram como o regime era fechado. Quem tinha o poder de decisão eram os militares”.
Uma coisa interessante, segundo ele, é que os temas debatidos na Escola Superior de Guerra eram refletidos em editorias do Jornal do Brasil. “Isso mostra que, na época do governo Médici, o Jornal do Brasil, de alguma forma, se alinhou aos setores autoritários que queriam levar a diante a distensão e a abertura com Geisel e Figueiredo. Só para esclarecer, distensão e abertura foi um projeto de continuidade do regime autoritário, um projeto de modificação institucional para ganhar apoio da sociedade. Esse projeto foi sendo lentamente derrotado pela sociedade. Mas, já no final, o regime conseguiu fazer a passagem e as eleições foram realizadas de forma indireta. Entrou o Tancredo, entrou o Sarney. Tudo isso fazia parte do projeto do regime”.
Para concluir, o professor Aloísio Castelo explicou que, de alguma forma, em todo esse processo de transformação, os militares ficaram protegidos. “Por isso, existe hoje uma dificuldade para se recuperar todo esse processo e saber quem atuou na repressão. Ficamos sem saber porque tudo foi arquivado de forma secreta e não houve uma pressão mais intensa para desmontar o aparato repressivo. Hoje é complicado conseguir punir os responsáveis pelas torturas, mortes, desaparecimentos e uma série de outros crimes”.