Por Alberto Dines, setembro de 2005
Com o pomposo título de “Decisão histórica” [remissões abaixo], a matéria de abertura da edição corrente de Veja (nº 1920, de 31/8/2005), de responsabilidade do seu diretor, informou que o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, mandou arquivar um pedido de punição a seus jornalistas pelo conteúdo de “reportagens políticas” publicadas há três semanas.
Não é verdade: não foram reportagens políticas, muito menos reportagens. Foi um único artigo opinativo intitulado “Quero derrubar Lula”, assinado pelo colaborador Diogo Mainardi.
Veja comete erros e deslizes em suas edições, mas neste caso não foi involuntário. Foi manipulação, falseamento. Pretendeu-se qualificar como “reportagens políticas” um pequeno texto meramente indignado. Fingiu-se um demorado esforço de pesquisa jornalística para designar alguns parágrafos apenas retóricos (cujo teor não cabe discutir) que situam-se no pólo oposto do que se convencionou designar como reportagem.
O engodo não parou aí: o texto informa que o ministro Celso de Mello “rechaçou” o pedido de punição aos jornalistas. O verbo não é apenas exagerado, mas enganador. No seu parecer, o ministro estende-se ao longo de duas páginas para desqualificar tecnicamente e determinar arquivamento do pedido já que os jornalistas não têm direito a foro privilegiado e, portanto, não cabe ao Supremo examiná-lo. E em seguida, conforme a praxe daquela corte, o ministro Mello aproveitou para reafirmar princípios pétreos da Carta Magna no tocante à liberdade de expressão.
Não se tratou absolutamente de “decisão histórica”, mas apenas de um ridículo esforço promocional para converter um caso de rotina na vida de qualquer veículo jornalístico numa cruzada pelo sagrado direito de opinar.
Não fosse a minuciosa matéria publicada no Estado de S.Paulo na terça-feira (31/8, pág. A-16), que coloca o episódio na sua devida dimensão, os leitores da Veja continuariam a imaginar que a heróica publicação estava prestes a ser castigada pelo governo. O impetrante, advogado Celso Marques de Araújo, conseguiu apenas os seus 15 minutos de fama. Veja, fantasiada de mártir da causa da liberdade, converteu-se em símbolo da empulhação.
- Publicado originalmente no Observatório da Imprensa.