TV vende os olhos da sociedade para o anunciante

Por Rosângela Gil

Boletim NPC – A televisão dá o que a sociedade quer?

Laurindo Leal Filho – Não. A TV dá o que o anunciante quer. A TV vende para o anunciante os olhos da população. Ela diz quantos olhos estão ligados naquele momento e partir dali ela estipula um preço que é cobrado do anunciante para colocar o seu produto lá. A televisão dá para a população apenas aquilo que é estabelecido pelo mercado. Inclusive os índices de audiência que são divulgados pelas emissoras são índices confinados aquela parte da produção cultural da sociedade que é transmitida pela televisão. E há muito mais coisas além do que é transmitido pela televisão, além do que o mercado exige, que tem qualidade, que tem conteúdo social e cultural importante e que não trafega pela televisão. Então, a sociedade é privada pela televisão de conhecer o que a própria sociedade produz. A televisão não socializa o conhecimento, a arte, a cultura produzido pela sociedade brasileira.

 Boletim NPC – A televisão da “venda do sabonete” está desviada da sua verdadeira função?

Laurindo Leal Filho – A função está regulamentada pela Constituição. Basta obedecer a Constituição que diz que a televisão deve atender aos objetivos culturais, educacionais e informativos. Hoje ela não faz isso. E o pouco que faz, faz muito mal. Porque ela coloca sobre esses objetivos, objetivos comerciais. O objetivo primeiro da televisão é vender anúncio, ter faturamento. O resto é conseqüência disso. Isso influencia na qualidade do drama, da novela, do espetáculo musical e até na qualidade do jornalismo, porque transforma o jornalismo em espetáculo. Dá ao jornalismo o mesmo ritmo e a mesma forma de produção que são dados à dramaturgia. Você não tem mais uma linha clara separando as coisas. Por que? Porque você tem de segurar audiência. Você não está interessado em informar ao telespectador, de uma maneira contextualizada, o que ocorreu. Você está interessado única e exclusivamente em segurar o olhar dele (do telespectador).  Para poder dizer ao anunciante que o olhar de 30 milhões de pessoas estão aqui neste momento. E isso custa tanto.

Boletim NPC – Não existe também a parte ideológica na maneira que é feita a televisão comercial no Brasil hoje?

Laurindo Leal Filho – A quem interessa essa venda que se dá na televisão? Aos grupos que controlam essas empresas. E quem são esses grupos? Esses grupos fazem parte da elite econômica e social brasileira. São os grandes grupos, as grandes famílias que controlam a comunicação se articulam com outros grupos empresariais de outros segmentos da economia, com os empreendimentos imobiliários, com os grupos financeiros. A todo um contexto econômico por trás dessas corporações. Quando não são os mesmos donos do banco ou da emissora há interesses tão próximos, que eles acabam tendo a mesma política. E qual é essa política? A política de classes. Você transformar as idéias da classe dominante, como dizia Marx, em idéias dominantes. Esse é o trabalho ideológico que sustenta o poder político, mas que tem a sustentação básica que é a econômica. Na verdade, a televisão é simplesmente um canal que conduz essa ideologia produzida pelas classes dominantes para toda a sociedade.

 

Boletim NPC – Hoje, no Brasil, existe algum instrumento que possa mudar ou influir na programação ou nas concessões das TV’s?

Laurindo Leal Filho – Olha, institucionalmente não. As concessões de televisão trafegam em espaços públicos, então, elas são outorgadas pelos governos para grupos ocuparem esse espaço público. Ora, isso tem de ter um tipo de controle público também! Na Europa e nos Estados Unidos, nós temos os chamados órgãos reguladores que fazem essa intermediação entre a sociedade e as emissoras, que permitem que a sociedade se dirija a esses órgãos para reivindicar ou até para elogiar ou até para comentar ou propor. Ou seja, existe espaço institucional de discussão da televisão.  Na Inglaterra, há três anos, existiam cinco órgãos: um cuidava do rádio, da televisão, do jornal, da publicidade, das telecomunicações. Hoje, com a convergência dos meios, eles resolveram juntar tudo num órgão só, o Office Comunication, que trata desde outorga de concessões até questões de conteúdo. Na França tem o Conselho Superior do Audiovisu

al. Em Portugal, tem a agência superior do audiovisual. Na Alemanha, você tem conselhos regionais em cada estado alemão formado por representantes da sociedade. Enfim é um jogo democrático.

No Brasil nós não temos esses órgãos e aí a sociedade, nos últimos anos, mal ou bem começou a criar alguns tipos de mecanismos. Foi a ONG TEVER. Depois foi a campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania.  E é muito curioso que, como não temos esses órgãos reguladores, quando você abre uma campanha dessas você não imagina o número de pessoas que correm para essas iniciativas para poder se manifestarem. Então, aí você vê a falta que faz o órgão regulador. Mas que tem de ser uma iniciativa impulsionada pelo governo.