Entrevista com o Jornalista Fernando Morais

Entrevista com o Jornalista Fernando Morais

Retirado do Jornal Brasil de Fato RJ 

Fernando Morais é um dos jornalistas mais engajados politicamente no Brasil. Nascido em 1948, na cidade mineira de Mariana, fez carreira em São Paulo atuando nas redações do Jornal da Tarde, Veja, Folha de S. Paulo e TV Cultura. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril de Jornalismo. Foi ainda deputado, secretário de Cultura, secretário de Educação e ainda candidato ao governo do estado. Na condição de escritor ficou conhecido nacionalmente ao escrever livros como A Ilha, Olga, Chatô, o rei do Brasil (Premio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa de 1994), Cem quilos de ouro, Corações sujos (Prêmio Jabuti – Livro do Ano de 2001), Toca dos Leões e Montenegro. Seu livro O Mago, biografia do escritor Paulo Coelho, foi traduzido em dezenas de países.

Em entrevista ao Bafafá, Fernando Morais confirma que não vai mais escrever biografias. “Dá muito trabalho e pouco dinheiro. Assim que terminar o livro que estou escrevendo sobre o ex-presidente Lula, penduro as chuteiras”, assegura. Fernando fala ainda sobre vários temas: política, governo Dilma, regulação da mídia, marco civil da Internet, espionagem americana e utopias. Filiado ao PMDB, ele garante que a grande imprensa virou um partido político: “Meio envergonhada, porque não tem coragem de assumir isso, mas age como partido político. De direita”, fulmina.

Como você está vendo o início da campanha eleitoral?
Pelo andar da carruagem tudo indica que o nível vai baixar de novo, como em 2010. A parcela da população que se opõe ao governo sabe que se a Dilma vencer as eleições de outubro – como afirmam todas as pesquisas – estarão abertas as portas para que Lula volte em 2018, quando ele terá a idade que o Serra tem hoje, e, inschallah!, se reeleja em 2022. Claro, esse é um cenário otimista, mas para essa gente será insuportável ter que conviver durante mais de vinte anos com o que eles chamam de “lulopetismo”.

Você acha que Dilma fez um bom  governo?
Fez, sim, um ótimo governo. Tenho objeções pontuais com relação à descontinuidade de políticas importantes implantadas por Lula, como a política externa e a democratização da aplicação dos recursos de publicidade das empresas estatais. Não dá para estar junto em tudo. No Rio, por exemplo, o candidato da presidenta é o Pezão, do meu partido, o PMDB. O meu candidato é o Lindbergh, do partido dela, o PT. No mais, foi bem. Por isso vou votar nela de novo.

A mídia conservadora é desonesta?
Toda generalização é perigosa. Eu diria que muitos veículos da mídia conservadora se converteram em partidos políticos. Disfarçados, mas partidos políticos. Mas acho que devemos tratar de maneira diferente os veículos de papel, digamos, daqueles que são fruto de concessão pública. Não devemos perder de vista que a imprensa está sempre a serviço dos interesses e da ideologia de quem paga as contas no final do mês. Seja em Washington, em Havana, no Rio ou em Beijing. No caso dos meios eletrônicos de comunicação, como o rádio e a TV, no entanto, é preciso ressaltar que se trata de uma propriedade social, uma concessão pública que não pode, por exemplo, ser colocada a serviço de interesses antinacionais.

O que pensa sobre a regulação da mídia?
Sou e sempre fui a favor. Jornais, revistas e TVs vêm envenenando e confundindo a opinião pública ao associar regulação a censura. Regulação, como existe no mundo civilizado, é impedir propriedade cruzada: quem é dono de concessão de TV não pode ser concessionário de rádio nem dono de jornal e revista; é proibir parlamentares e seus parentes de enésimo grau de serem concessionários de rádio e TV; é discutir com a sociedade a renovação das concessões de rádio e TV. Nada de censura.

As concessões não deveriam ter prazo de validade?
As concessões têm prazo de validade. São todas concessões a título precário. O problema é que os governos renovam essas concessões ad nutum – ou seja, com um aceno de cabeça. Esse processo tem que ser público, transparente. Você já ouviu falar da não renovação de alguma concessão importante de rádio o TV no Brasil? Onde? Quando?

Como vê a regulação da mídia na Argentina?
O modelo da Argentina foi muito bem sucedido. Lá a Ley de Medios atacou fundo a propriedade cruzada. O império encabeçado pelo jornal Clarín foi obrigado a se desfazer de ativos para continuar sendo concessionário de meios eletrônicos.

A grande imprensa age como quarto poder?
Não. Age como partido político. Meio envergonhada, porque não tem coragem de assumir isso, mas age como partido político. De direita.

E o papel da Internet?
Minha geração acreditava que a democratização dos meios de comunicação – especialmente os eletrônicos – se daria nas tribunas, nas barricadas. A tecnologia, no entanto, andou mais depressa que a ideologia. A internet virou o mundo de pernas para o ar. Hoje você compra um notebook pagando R$ 60 reais por mês, espeta uma linha telefônica nele e pronto. Você é o seu próprio Roberto Marinho. Se tiver o que dizer, vai ter público. Os jornais e revistas, tal como os conhecemos, estão com os dias contados. Isso lembra um verso profético de Gilberto Gil, parte da canção “Domingou”, dos anos 70: “O jornal de manhã chega cedo/Mas não traz o que eu quero saber/As notícias que leio, conheço/Já sabia antes mesmo de ler”.

O Marco Civil da Internet é bom?
Não apenas é bom, mas tornou-se um exemplo para o mundo.

O que pode ser feito para incentivar a pequena imprensa?
Primeiro que ela seja boa, legível e que traga notícias que são escamoteadas pela grande imprensa. As medidas implantadas pelo ministro Franklin Martins, no governo Lula, pulverizando as verbas de publicidade estatais entre milhares e milhares de veículos – verbas que antes eram destinadas apenas à mídia conservadora, foram uma transformação importante na democratização das comunicações.

Como viu a espionagem americana revelada recentemente?
A bisbilhotice planetária por parte dos Estados Unidos é mais velha que a Sé de Braga. No final dos anos 90, quando o FBI prendeu cinco cubanos na Flórida, condenando-os a penas enormes (um deles pegou duas perpétuas), Fidel Castro reagiu: “É assombroso que os Estados Unidos, o país que mais espiona no mundo, acusem de espionagem justamente a Cuba, o país mais espionado do mundo. Não há chamada telefônica minha para qualquer dirigente político no exterior que não seja captada e gravada por satélites e sistemas de escuta dos Estados Unidos”.

O Brasil melhorou nos governos do PT?
Se o Brasil melhorou? Dê uma olhada nestes números: hoje o país é a 7ª economia mundial; é o 2º maior exportador de alimentos; é o 1º produtor e exportador de soja; é o 1º produtor e exportador de café, açúcar, suco de laranja, carne bovina e de frango; é o 3º maior produtor de frutas, o 1º fabricante de jatos regionais, o 3º fabricante de aviões, comerciais, o 4º mercado de veículos, o 7º produtor mundial de veículos, tem a 4ª maior indústria naval, é o 2º maior produtor de minério de ferro, o 9º maior produtor de aço, o 4º maior produtor de cimento, o 4º maior produtor de celulose, o 1º em celulose de eucalipto, é o 9º maior produtor de papel, o 7º maior fabricante de produtos químicos, o 8º maior produtor de alumínio primário, o 4º maior produtor de bauxite, o 3º maior produtor de alumina, o 5º maior produtor de têxteis, o 4º maior produtor de confecções, o 3º maior produtor de calçados, o 2º maior gerador de energia hidrelétrica, o 1º produtor de etanol e o 3º de biodiesel, é o 7º maior gerador e 9º maior consumidor de energia elétrica, o 3º maior mercado de computadores pessoais, o 5º em telefones celulares e o 5º em telefones fixos. É o 4º país em usuários de internet e o 3º em número de servidores. É o 4º país em extensão de rodovias, a 4ª maior força de trabalho (104 milhões), é o 7º maior mercado de consumo do mundo e o 5º em reservas internacionais (US$ 377 bilhões). Entre os países do G20 também não fazemos feio: tivemos o 9º maior crescimento do PIB em 2013 (2,3%), somos o 1º na proporção entre reservas e dívida de curto prazo (10 vezes), o 2º na proporção entre reservas e importações (18 meses). Tivemos o melhor resultado primário médio entre 2008 e 2013 (2,54%), temos a 6ª menor dívida pública bruta em relação ao PIB (57,2%), o 4º maior investimento Educação (5,8% do PIB), o 9º maior investimento em Saúde (8,9% do PIB). Isso, claro, para não falar dos 40 milhões de miseráveis que foram incorporados ao mundo dos que fazem três refeições por dia. Esse é o resultado de doze anos do chamado “lulopetismo”.

Você elogia o PT, mas continua no PMDB?
Continuo filiado ao PMDB, mas antes disso sou um brasileiro que quer o melhor para seu país e seu povo. Voto ou peço votos para os candidatos que considero os melhores. Já votei no PSOL, no PT, no PC do B, no PMDB. Fiz campanha para candidatos do PSB e até para um ilustríssimo tucano, meu amigo Roque Camelo, que anos atrás se elegeu prefeito de Mariana, em Minas Gerais, onde nasci. Se o Requião, que é do PMDB, por exemplo, for candidato no Paraná, faço campanha para ele sem pestanejar. No Rio, como já disse, apoio o Lindbergh Farias.

Qual será o papel de Lula nestas eleições?
A presença de Lula na campanha será importante não só porque ele se converteu na mais expressiva liderança popular do Brasil. O governo Dilma é a continuação do seu governo. Tenho acompanhado o ex-presidente em suas andanças pelo Brasil e pelo mundo, como parte do trabalho de campo de um livro que escreverei sobre ele e seu governo. Nas eleições municipais de 2012 a presença dele em palanques regionais arrebatava multidões e alterava as pesquisas de opinião locais. Ter o apoio de Lula é um handicap cobiçado por todo candidato de esquerda.

Confere que não vai mais escrever biografias?
Confere. Como dizem os tucanos, cansei. Dá muito trabalho e pouco dinheiro – ao contrário do que imagina o Roberto Carlos. Assim que terminar o livro que estou escrevendo sobre o ex-presidente Lula, penduro as chuteiras.

Quais são seus projetos?
Estou desenvolvendo com o cineasta Claudio Kahns um canal internacional de notícias para a internet. Vamos ver se dá certo.

Tem alguma utopia?
A de sempre: a construção do socialismo.

– Reproduzido do Jornal Bafafá