bia barbosa

Foto: ArquivoNPC

[Por Luna Sassara, Marcia Rangel Candido e Patricia Bandeira de Melo] Bia Barbosa é jornalista, coordenadora do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e foi Secretária Geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Especialista em Direitos Humanos pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre em Gestão e Políticas Públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), construiu uma trajetória profundamente comprometida com a defesa do direito à comunicação. É coautora de livros e artigos e foi colaboradora de grandes veículos da imprensa como a Al Jazira e a Agência Carta Maior. Referência pública fundamental no país na discussão sobre regulação da mídia, atualmente publica colunas na Carta Capital e é presença constante em debates públicos sobre comunicação popular.

Equipe Manchetômetro: A regulação da propriedade dos meios de comunicação é uma proposta de combate às relações espúrias e às consequências nefastas que o monopólio da produção de informações ocasiona. No entanto, frequentemente as grandes empresas de mídia buscam retratar esse projeto de forma negativa.  Quando a Lei de Meios foi aprovada na Argentina, por exemplo, parte da imprensa brasileira noticiou o ocorrido como “censura”, associou o processo à consolidação de uma “ditadura” ou acusou a ex-presidenta Cristina Kirchner de querer “calar” a imprensa do país. Assim que assumiu o poder, uma das primeiras iniciativas do candidato vitorioso da oposição, Mauricio Macri, foi justamente promover o desmonte da legislação.  O que você acha da Lei de Meios da Argentina? Seria ela um bom modelo para regular a mídia no Brasil?

Bia Barbosa:

A lei continua valendo. O que aconteceu foi que principalmente os mecanismos de fiscalização do cumprimento da lei passaram a ser desmontados pelo governo Mauricio Macri. Mas a população da Argentina e os movimentos pela democratização da comunicação de lá seguem fazendo esse enfrentamento. O Intervozes lançou um documentário, que se chama Julio quer saber, que conta justamente um pouco essa história e faz um paralelo entre a história do Brasil e a história da Argentina a partir da lei de meios, contando um pouquinho o que que aconteceu nesse processo lá na Argentina antes da chegada do Macri ao poder.

 A lei de meios na Argentina foi uma medida extremamente importante para combater uma característica da comunicação daquele país, que se repete na América Latina como um todo, que é justamente a concentração dos meios em pouquíssimos grupos econômicos. Ao contrário do que foi dito pela imprensa local e também pela brasileira, não foi uma lei para combater o Clarín; ela foi uma lei para enfrentar os monopólios, os oligopólios, e o monopólio que o Clarín tinha especificamente no setor da radiodifusão e garantir a distribuição dessas outorgas para outras vozes de outros grupos poderem explorar também o serviço de radiodifusão no país. Lá, como aqui também, onde temos o caso das Organizações Globo, essa concentração se dava no grupo econômico específico e foi esse grupo que foi responsável por fazer esse enfrentamento grande contra a lei.

Mas aí não é uma avaliação do Intervozes ou do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação no Brasil de que a lei foi extremamente positiva, essa avaliação veio de organismos internacionais, da relatoria da OEA para liberdade de expressão, que apontou os princípios que a lei atacava como importantes para garantir a liberdade de expressão na Argentina. Infelizmente, a imprensa, quando tem seus privilégios atingidos por alguma medida de regulação, usa o seu poder de tentar formar opinião pública para desconstruir e atacar essas medidas. Mas a gente entende que foi uma medida bastante democrática, que, infelizmente, em função do comprometimento que o governo Mauricio Macri tem com esses grupos econômicos da Argentina, foi um dos principais alvos logo que ele tomou posse.

Equipe Manchetômetro: O Intervozes tem uma proposta de regulação da mídia no Brasil? Você acha que devemos almejar avançar para além da regulação da propriedade dos meios?

Bia Barbosa: O movimento pela democratização da comunicação no Brasil, organizado principalmente pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), do qual o Intervozes é membro,  tem proposta para um novo marco regulatório das Comunicações no Brasil. Essa proposta foi elaborada por milhares de mãos e cabeças, construída a partir do processo da Conferência Nacional de Comunicação, que aconteceu em 2009 no Brasil, e que mobilizou mais de 30 mil pessoas em todos os estados da Federação.

Essa conferência teve um caderno de mais de 600 propostas de resolução aprovadas. E, em um processo de consulta pública e de muita mobilização e participação, essas propostas acabaram levando a um projeto de lei de iniciativa popular da mídia democrática, que o FNDC lançou em 2013, e para o qual ainda são coletadas assinaturas visando a apresentação desse novo projeto de lei.

O marco regulatório da mídia no Brasil está bastante defasado, tanto do ponto de vista tecnológico quanto no que toca colocar em prática e tirar do papel os princípios que a Constituição de 1988 aprovou. A base desse marco regulatório hoje é o Código Brasileiro de Telecomunicações, que é de 1962 e 63. Então, estamos bastante atrasados com relação a isso.

A proposta que temos hoje está sintetizada nesse projeto de lei de iniciativa popular da mídia democrática e ele vai bastante além da questão da regulação da propriedade dos meios. Além da da concentração, ele enfrenta a agenda de fomento à diversidade e à pluralidade com o fortalecimento do sistema público, com o fomento aos meios comunitários. Mas, antes disso, ele entra na regulação de conteúdo para desmistificar essa ideia de que regular conteúdo é praticar censura, ao defender a classificação indicativa dos programas para a proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

Ele fala sobre o tempo de publicidade na programação, que também é uma questão de regulação de conteúdo. Fala sobre o arrendamento das grades de programação, que é uma prática muito recorrente das igrejas hoje e que, conforme entendemos, viola princípio constitucional e isso também é regulação de conteúdo. Então, o projeto é bastante amplo com relação a isso e cria o Conselho Nacional de Comunicação para garantir justamente a participação social na definição das políticas públicas do setor. É essa, em princípio, a proposta que seria base para discussão com a sociedade brasileira sobre o novo marco regulatório para o setor.

Equipe Manchetômetro: Há alguma proposta de regulação da mídia brasileira em tramitação no Congresso Nacional? Quais as chances de avançarmos nessa agenda em um curto ou médio prazo no Legislativo?

Bia Barbosa: Do ponto de vista macro, não existe nenhuma proposta de regulação da mídia hoje tramitando no Congresso Nacional. Há projetos de lei que enfrentam algumas questões específicas.  Há um projeto de lei do deputado federal Ivan Valente, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) de São Paulo, que proíbe a propriedade cruzada dos meios de comunicação. Então, empresas que controlam jornais e revistas, por exemplo, não poderiam controlar emissoras de rádio e de televisão. Como já existe nos Estados Unidos.

Há um projeto de lei da deputada Luciana Santos, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) de Pernambuco, que prevê a Constituição de fundos para fomento da mídia alternativa e comunitária e que ataca uma outra perna importante da regulação da comunicação, que é pensar em políticas públicas para fomentar a diversidade e a pluralidade. Na verdade, há uma série de textos tramitando no Congresso Nacional, mas muitas vezes parados em comissões, não avançando com a celeridade necessária, atacando algumas partes da questão mais ampla.

Seria importante termos esses projetos aprovados, mas, justamente como saímos de um processo de Conferência Nacional de Comunicação, em 2009, e elaboramos esse projeto de lei de iniciativa popular da mídia democrática, achamos que esse é um debate que seria, do ponto de vista dos resultados, muito mais interessante se enfrentado de maneira macro. Para tal precisávamos olhar para o todo e como é organizada a regulação das comunicações no Brasil e trabalhar com esses conceitos, enfrentando todos os aspectos disso num projeto mais amplo, como fizeram a Argentina e o Uruguai, por exemplo, que são outros países da América Latina que enfrentaram essa questão.

No entanto, a conjuntura de hoje mostra uma dificuldade muito grande de avançarmos com relação a isso. Não só pelo momento político que o país vive e pela gravidade dos ataques à democracia que temos vivenciado nos últimos dois anos, mas por outros dois motivos importantes que precisam ser colocados na balança antes de enfrentarmos essa questão. Um deles é que o próprio Congresso Nacional – a forma como ele é eleito – e a composição da Câmara e do Senado trazem uma série de obstáculos para enfrentar essa questão de uma maneira efetiva.

Temos hoje mais de 40 deputados e senadores que são controladores diretos de meios de comunicação no Brasil. Isso é um impeditivo para regular de uma maneira democrática esse setor, porque esses próprios parlamentares estariam barrando esse tipo de questão. Um outro aspecto, que não tem a ver só com a Legislativo, mas tem a ver com a conjuntura nacional, é que ainda enfrentamos, do ponto de vista da opinião pública, uma baixa percepção da sociedade com relação a entender a comunicação como um direito seu, a entender que essa é uma área importante dela participar, dela reivindicar direitos. (….)

Equipe Manchetômetro: Qual seria um sistema de mídia ideal para o bom funcionamento democrático? Se possível, comente o papel que a mídia pública e o setor privado teriam nele.

Bia Barbosa: Acho que é difícil falar no que seria um sistema ideal de mídia. Mas acho que seria, se a gente pudesse falar de um ponto de vista mais amplo, algo que combinasse de alguma maneira uma regulação democrática desses setores, desse segmento econômico, com políticas públicas que dessem ao estado um papel mais ativo e propositivo para a garantia do exercício do direito à comunicação do cidadão. Acho que, do ponto de vista da regulação, essas políticas precisariam regulamentar e tirar do papel os princípios constitucionais que já existem, como barreiras à concentração da propriedade; complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal; estabelecimentos de parâmetros para os conteúdos da programação das emissoras; algo que defendesse os direitos humanos e responsabilizasse os canais por suas violações, algo que acontece de maneira reiterada hoje.

Tudo isso combinado, numa outra ponta, com políticas públicas não só federais, mas municipais e estaduais, que por um lado fomentassem a diversidade e a pluralidade no sistema midiático. Não estamos falando só de canais de rádio e televisão, mas de uma mídia alternativa, de mídia comunitária, de jornais de bairro, de imprensa alternativa, não só pela internet. Pensar em fundos públicos, por exemplo, que permitissem maior circulação de uma diversidade de formatos de comunicação para que esse sistema fosse mais plural e mais diverso. Outro exemplo de política pública que podemos pensar e precisamos considerar são políticas públicas para universalizar o acesso à internet no Brasil. Hoje temos pouco mais de 60% da população brasileira conectada. Portanto, há uma parcela que não está tendo acesso a toda a diversidade de informações, de acesso à cultura, educação e à própria possibilidade de exercer a liberdade de expressão na internet que a maioria da sociedade já tem. E os setores que não têm esse acesso são exatamente os mais excluídos economicamente na nossa sociedade.

Então, complementando a ideia do que seria um sistema de comunicação ideal para o país, eu não falo só um sistema de mídia, porque acho que quando se está falando da comunicação enquanto um direito, é fundamental pensar no exercício desse direito pelo cidadão comum, não só porque ele se organiza em torno de veículos, de fato, de comunicação. Esse sistema precisa contar com mecanismos, de fato, de fomento à diversidade e à pluralidade e precisa ter a sua estrutura baseada, do ponto de vista de regulação e de políticas públicas, nos princípios constitucionais que estão estabelecidos nossa Carta maior. E que não se limitam, portanto, a uma regulação da propriedade desses meios, mas atacam também o dever do Estado brasileiro de fomentar uma mídia que respeite os direitos humanos e dê espaço para nossa diversidade, inclusive regional e cultural. É importante um terceiro elemento: que seja um sistema de comunicação que conte com participação social, que entenda a escuta do cidadão e a opinião do cidadão não como um favor, mas como um direito para que ele possa o tempo todo opinar sobre o serviço de radiodifusão no caso das concessões de rádio e televisão que ele está recebendo, mas também sobre as políticas públicas para esses setores que estão sendo desenhadas. Infelizmente isso é algo muito distante da realidade brasileira. Hoje não temos nenhum espaço institucional de participação da sociedade com relação à agenda da comunicação como temos na área de saúde, de moradia, de educação.

Equipe Manchetômetro: Enormes protestos sociais eclodiram ao redor do mundo nos últimos anos. Em grande medida, tais episódios mostraram o potencial das redes sociais de funcionar como instrumento de comunicação alternativa e organização de mobilizações. Por outro lado, a tese de que a internet e as mídias sociais iriam destruir a oligopolização da produção de informação, sustentada por alguns acadêmicos e militantes, parece estar longe de ser efetivada. Qual a sua avaliação do papel presente e potencial da internet e das mídias sociais na democratização da comunicação?

Bia Barbosa: A internet, sem dúvida, hoje ainda é o meio de comunicação mais democrático que a gente tem, tanto do ponto de vista da diversidade de conteúdo que circula nesse espaço, quanto do ponto de vista da possibilidade do cidadão exercer sua liberdade de expressão nesses canais. Acho que não se trata só de uma ferramenta fundamental para a prática da comunicação, mas é algo que vai muito além disso e inclui, como vocês mencionaram na pergunta, a possibilidade de organização, de participação política. Isso vai além da própria prática da comunicação e envolve outros direitos fundamentais que a internet tem nos proporcionado o exercício. Por outro lado, vivemos numa sociedade capitalista e cada vez mais os grandes players desse mercado de internet também têm sido responsáveis por uma concentração da informação nas redes. E aí, não só nas redes sociais, mas na internet como um todo. O Intervozes lançou recentemente uma pesquisa, chamada Monopólios Digitais, que mapeia como se dá o fluxo de informação na chamada camada de conteúdo na internet e que mostra que, cada vez mais, a questão que precisa ser analisada, do ponto de vista da diversidade e da pluralidade, não é só o quanto há de informação em circulação, mas para onde estão sendo dirigidos a atenção e o fluxo de leitura e de acesso a essa informação na internet. Porque pode haver uma quantidade enorme de conteúdo circulando, mas somente os conteúdos que estão concentrados em determinadas páginas ou em determinadas plataformas de fato são acessadas por parte do conjunto da sociedade. Então, quando olhamos para plataformas como o Google, o YouTube, o Facebook ou o próprio Twitter, em uma medida menor, esses grandes atores da internet têm concentrado cada vez mais a informação na rede. Isso abre uma nova pergunta para a gente do ponto de vista da regulação do sistema, que era algo há 10 anos muito pouco aceito, mas que hoje já passa a ser vocalizado inclusive por figuras como Tim Berners-Lee, o cara que criou o www, que é a necessidade de pensar em mecanismos de regulação dessa camada de conteúdo justamente para que a diversidade e a pluralidade possam continuar existindo na internet. Acho que ela ainda é o espaço mais plural e diverso que temos, mas se, na tendência de um cenário capitalista, não pensarmos em mecanismos de fomento à diversidade e de proteção contra a concentração também nesse espaço, corremos o risco de, em pouco tempo, reproduzirmos na internet a concentração que a gente tem hoje na mídia tradicional.

Equipe Manchetômetro: Levantamentos mensais e semanais realizados pela seção MFacebook do Manchetômetro mostram que as notícias sobre política mais compartilhadas no Facebook são divulgadas por páginas de grupos conservadores e de direita. Algumas dessas páginas, inclusive, são dedicadas à produção e disseminação de fake news, ou seja, notícias falsas. Como você avalia esse fenômeno? Por que será que as páginas e websites de esquerda não conseguem a mesma visibilidade?

Bia Barbosa: Eu não sei por que a esquerda não consegue ter esse mesmo desempenho nas redes sociais. Mas arriscaria nomear um conjunto de fatores. Acho que não é uma resposta única. Em primeiro lugar, há um contexto social que a gente vivencia. A sociedade brasileira hoje tem dialogado, aceitado e compartilhado, não somente no âmbito das redes sociais, mas nos seus relacionamentos sociais diretos, valores mais conservadores do que os valores progressistas que a esquerda propaga.  A sociedade passou a vivenciar um processo de polarização nos últimos anos. Isso, obviamente, também tem impacto no comportamento das redes. Acho, inclusive, que as redes acabam reforçando esse tipo de comportamento num processo de retroalimentação entre o que existe no mundo offline e o que existe no mundo online. Esse é um elemento. Outro elemento que faz essas páginas terem maior desempenho é dinheiro. Alguns grupos políticos da direita têm recursos disponíveis para impulsionar compartilhamentos, impulsionar publicações, produzir robôs, mobilizar pessoas financeiramente para operarem e atuarem nas redes a fim de fazer essas páginas terem maior engajamento e um alcance maior. Então aí a gente entra numa lógica de quanto o poder econômico também dita os rumos desse debate que, supostamente, seria livre, na internet. E há um terceiro elemento, mencionado rapidamente na pergunta, que se relaciona de alguma forma com fake news, mas não se reduz a ele, que é o fato de que a direita, muito mais do que a esquerda, tem adotado uma prática de produção de determinados tipos de conteúdo na internet cuja finalidade é caçar “cliques”. A criação de títulos chamativos, uso de imagens, de conceitos gráficos, tudo em busca de alavancar o número de “cliques”, ou seja, de chamar atenção do usuário, fazendo com que vá até aquela página para clicar naquele determinado conteúdo ou compartilhar aquele determinado conteúdo. A direita faz isso melhor e faz isso com mais frequência do que a esquerda. Não acho que caberia à esquerda também usar esse tipo de prática para atrair atenção na internet. Acho que esse é um conjunto de fatores e arrisco a dar pitaco com relação a esses três, como fatores que explicam o desempenho ser tão mais significativo no campo da direita do que da esquerda.

Equipe Manchetômetro: Alguns observadores da cena midiática acusam as mídias internacionais de reproduzirem enquadramentos da grande mídia brasileira quando noticiam coisas do Brasil. Há também aqueles que avaliam que o noticiário sobre o Brasil nas mídias internacionais é frequentemente mais equilibrado e mais plural que o produzido pelas grandes empresas de mídia nacionais. Qual é a sua posição no que toca esse assunto?

Bia Barbosa: Sobre a imprensa tradicional, eu acho que a gente tem as duas coisas que vocês mencionaram na pergunta. Temos sim uma série de veículos internacionais que reproduzem acriticamente o que a imprensa tradicional brasileira pauta, não só do ponto de vista político, mas econômico e cultural, e propaga uma determinada visão de Brasil para fora que é bem pouco diversa em relação à diversidade cultural e regional que a gente tem no nosso país. Isso é fruto de como esses temas são pautados na mídia tradicional. Isso acontece, principalmente, com quem não tem correspondentes aqui no Brasil e depende de fontes alheias. Essa prática não é só da imprensa brasileira. Em vários países, a referência para jornalistas que não estão in loco e não tem muitos meios de acessar a informação de uma maneira direta, a fonte primária de informação é o jornalismo local do país noticiado. Então, se temos um problema no sistema midiático brasileiro de ausência de diversidade, naturalmente isso vai se reproduzir na forma como a imprensa internacional trata a agenda brasileira no geral. Temos raras exceções que acabaram gerando um tipo de cobertura mais condizente com a nossa realidade e talvez um pouco mais distanciada dos interesses que os meios tradicionais encampam para tratar da agenda política e econômica essencialmente no Brasil. Isso só é possível de ser feito quando esses veículos estrangeiros têm correspondentes aqui no Brasil. Você vê esse tipo de cobertura na BBC de Londres, no The Guardian, no El País, no Le Monde, no próprio New York Times. Então são veículos que tem correspondência aqui no Brasil já há algum tempo e que conseguem ter um olhar diferenciado sobre a nossa realidade, não dependente única e exclusivamente da mídia local.

Equipe Manchetômetro: A grande imprensa brasileira defende abertamente posições marcadamente neoliberais no âmbito da economia, entre elas a liberalização comercial. Ironicamente, são protecionistas quando o assunto é a entrada e empresas estrangeiras no mercado de mídia nacional. Como você vê essa situação? É a favor da liberalização desse mercado ou tem uma posição protecionista?

Bia Barbosa: Eu acho que a agenda do protecionismo econômico para as empresas de comunicação não é uma agenda somente econômica. Há um princípio de soberania nacional que precisa ser considerado nesse debate. Quando a Constituição Federal previu a exclusividade da propriedade de empresas de comunicação no país para empresas brasileiras, isso foi fruto de lobby econômico dessas empresas, de caráter protecionista. Mas houve um componente também, que acho que continua válido, que vai no sentido de a gente entender que é importante para a soberania de um país que o conjunto dos meios de comunicação que operam nesse país não seja exclusivamente estrangeiro e controlado por interesses de outros países. Então, quando temos uma mudança na Constituição, para ter uma abertura de capital e permitir a entrada de 30% de capital estrangeiro, foi justamente porque as empresas brasileiras, naquele momento, estavam precisando de injeção de capital. O fato de se manter ainda uma maioria do controle dessas empresas por brasileiros natos ou naturalizados é importante do ponto de vista da nossa soberania e da nossa democracia. Isso não quer dizer que esses agentes econômicos que hoje controlam os meios de comunicação no Brasil estejam conduzindo ou tenham que conduzir os seus veículos baseados nos interesses mais genuínos da nação brasileira. A gente sabe que isso não acontece.

Afinal de contas, sabemos o quanto esses grandes meios de comunicação acabam, em grande aspecto, tendo vinculações com interesses na maioria das vezes muito pouco nacionalistas. Mas é importante ter uma salvaguarda para evitar o que acontece em vários países do mundo, que não têm nenhuma mídia local ou que todas as mídias que operam localmente são vinculadas ou pertencentes a grupos econômicos estrangeiros. Acho que isso tem um prejuízo para a democracia também. O que precisamos fazer é resolver do ponto de vista da nossa diversidade, da nossa Constituição, o aspecto democrático que não existe hoje no sistema de comunicação brasileiro. E isso não passa por essa abertura total para que os grupos estrangeiros controlem as comunicações no Brasil.

O Manchetômetro é produzido pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP), grupo de pesquisa com registro no CNPq, e sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP)