Por Rogério Daflon, do Canal Ibase

Nascida em Santiago e formada em licenciatura em História na Universidade Católica de  Valparaíso, Natalia Urbina Castellón está no Rio de janeiro desde 2009. Historiadora, resolveu mudar de cidade, a fim de se especializar em planejamento urbano e regional, no Ippur/UFRJ. Seu tema de mestrado, em Geografia, concentrou-se nos atores e interesses na urbanização da Favela Santa Marta. Um ano depois de iniciado o curso, ela se deparou com uma novidade que iria enriquecer sua pesquisa: a fundação da Rádio Comunitária Santa Marta. Àquela altura, os conflitos em torno da urbanização e da então recém-inaugurada Unidade de Polícia Pacificadora estavam latentes. E a rádio surgia como uma proposta dos moradores com o intuito de fortalecer e defender as práticas culturais locais no novo contexto. A iniciativa, porém, foi interrompida no seu auge por uma ação de repressão da Polícia Federal.

– Foi uma grande proposta de discutir a memória do Morro Santa Marta e o desejo dos moradores em relação à favela e à cidade. Foi uma forma pacífica de posicionamento cidadão – diz Natalia, que contou a orientação dos professores William Ribeiro (PPGG-UFRJ) e Tamara Egler (IPPUR/UFRJ) na sua dissertação e, com isso, fez a associação entre comunicação, território e espaço urbano.

Natalia (à esquerda) na Rádio Santa Marta

Natalia (à esquerda) na Rádio Santa Marta

A rádio superou todas as expectativas. Além de se transformar numa ação de comunicação que envolveu boa parte dos moradores, ela ressaltou a diversidade da favela, suas alegrias e conflitos.

– A própria programação da rádio falava por si: nela, havia espaço para gospel, forró, hip-hop, musica latino-americana, funk. Os movimentos sociais da favela também passaram a ter uma grande representação. Um exemplo era o programa “Voz do Pico”, que tratava da resistência dos moradores contra a remoção da parte alta da favela. Outro exemplo era o programa do grupo Eco, que falava sobre memória, comunicação e cultura local. Natalia explica que a Rádio Santa Marta era literalmente uma rádio comunitária, porque tentava juntar a heterogeneidade da favela.

– A rádio passou a ter grande popularidade no Santa Marta justamente porque os moradores se sentiam representados e partícipes.

Mas ocorreu um grande revés. No dia 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, a Polícia Federal e a Anatel – sem qualquer mandado de busca e apreensão – levou o transmissor da Rádio Santa Marta. O Rapper Fiell e Antonio Carlos Peixe, diretores da emissora, foram tratados como criminosos por agentes que os conduziram à Polícia Federal, na Praça Mauá. Là, não adiantou a explicação de que a rádio foi criada de forma coletiva pelos moradores da comunidade, a partir de doações de equipamentos. A equipe da emissora preparava então toda a documentação para pedir autorização de funcionamento ao Ministério das Comunicações.

– Depois disso, a rádio continuou funcionando pela internet. Mas os locutores, programadores e amigos da rádio resolveram, numa assembleia, parar com as transmissão com web, porque o sentido da iniciativa era mesmo a transmissão pela rádio, que, no caso, estava em frequência modulada.

As lições que a Rádio Santa Marta trouxe são preciosas. Para Natalia, o período em que ela funcionou houve a criação de um rede ampla e forte de comunicação e cultura popular, que abarca a cidade do Rio, o país e o mundo.

– A rádio foi tão forte que, mesmo com suas transmissões impedidas, algumas atividades importantes tiveram continuidade. No ano passado, por exemplo, se realizou o primeiro curso de comunicação popular promovido pelo coletivo Visão da Favela Brasil na sede do Grupo Eco na Favela Santa Marta, em que se contou com a participação de professores e estudantes de universidades, de jornalistas do jornal O Cidadão, do Complexo da Maré, da Revista Vírus Planetário, do coletivo Favela Não se Cala, do Núcleo Piratininga de Comunicação  e do Bonde da Cultura. Sem falar da participação dos moradores do Morro Santa Marta. Isso revitalizou a troca de conhecimento e incentivou a produção e reprodução de mídias comunitárias em outras favelas do Rio, tais como a Favela Jorge Turco, na Zona Norte do Rio, onde há produção jornalística e audiovisual.

A Rádio Santa Marta traz outra lição, da qual é importantíssimo o aprendizado. Trata-se do poder cidadão silenciado pelo poder público. Que, tanto pelo lado da reurbanização como da dita pacificação, não quer promover a participação popular, a fim de que não haja questionamento sobre suas ações. O impedimento da Rádio Santa Marta é uma atitude antidemocrática que preocupa. E muito.

– Mas, mesmo fora do ar, a Rádio Santa Marta continua viva numa rede ativa de fluxos, de troca, de solidariedade, que, juntas, tentam erigir as vozes silenciadas nesse contexto de planejamento urbano visando aos grandes eventos esportivos. Isso nos indica que a comunicação popular é um instrumento poderoso pela luta do direto à cidade.