Por Tatiana Lima
O jornalista José Arbex Jr. participou da mesa “A construção social das ideias”, realizada no dia 6 de novembro, segundo dia do 20º Curso do NPC. O escritor fez uma análise da cobertura jornalística dos maiores veículos de imprensa do Brasil, especialmente o das Organizações O Globo. “A forma cotidiana de combater essa avalanche de conteúdos de formação hegemônica é a constante reflexão e análise, pois estamos acostumados a construir a ideia pela colonização do nosso cérebro”, avaliou.
Ele chamou a atenção para o poder de intelectuais orgânicos, a serviço de uma estrutura hegemônica, exercido atualmente por alguns apresentadores de televisão, repórteres e âncoras de telejornais. Eles diariamente, por meio de opiniões, comentários e notícias veiculadas nos telejornais, estariam construindo socialmente as ideias e o conhecimento da população, em beneficio da manutenção de um Estado elitista.
Arbex avalia que a mídia apresenta a ordem dos acontecimentos de forma invertida a partir da fala de jornalistas que propagam uma visão de mundo que põe trabalhadores contra trabalhadores. Principalmente, na dimensão política do enfrentamento da violência e dos preconceitos sociais e raciais. Como exemplo, citou os jornalistas Datena e Sherazade e o apresentador Faustão. “Eles não devem ser tratados como repórteres folclóricos à procura somente de dinheiro, porque esses jornalistas atuam como intelectuais orgânicos pagos para a população brasileira não enxergar o terrorismo de Estado presente no cotidiano”.
Mídia tradicional caracteriza como ‘danos colaterais’ genocídio da população negra
Em análise sobre a política pública de segurança e a forma de atuação do Estado e da mídia José Arbex, ressaltou que a tática da mídia estadunidense de classificar a morte de civis como “danos colaterais de guerra” é a mesma usada pelos jornais brasileiros quanto ao genocídio da população negra, principalmente pelo jornal O Globo e pelo Jornal Nacional. “Efeito colateral é o caralho! A morte de civis em incursões nos morros e periferias dos grandes centros é uma política feita para ser assim. A estratégia dessa política é o terror. Essa ideia de vida matável é construída diariamente a partir não só dos noticiários, mas de novelas, filmes de Hollywood e até da nossa educação, que é eurocêntrica e centrada na narrativa do colonizador”.
Para Arbex, o Estado enxerga a população que mora no morro como estrangeira. “Faustão disse que estranhou que não houve tiro nem derramamento de sangue. Eu achei que ia gerar uma repercussão, críticas à postura dele, mas muito pelo contrário”. Isso porque, segundo Arbex, a mídia trabalha com a dualidade da guerra de um “nós” contra um “eles”, que cria uma dualidade na opinião pública. Essa abordagem se transforma em um clamor para a população tomar a posição por um lado e se inflar contra o outro, banalizando e naturalizando a ação terrorista do Estado. Um movimento realizado desde a colonização.
“No Brasil morrem 50 mil pessoas por ano à bala numa estimativa aproximada. Existe no Brasil um processo de morticínio que impõe o terror à população pobre da periferia, vendido pela mídia como guerra ao tráfico, guerra aos bandidos para tranquilizar a família brasileira. É construída a ideia de que o inimigo está geograficamente localizado e deve ser exterminado. O Estado brasileiro deve responder por isso, mas sequer nos jornais ele é contestado”, critica Arbex.
Para ele, a falta de crítica da mídia a essa polícia de morticínio tem uma razão clara: “Esse inimigo tem cara e cor: são os negros e negras desse país que são mortos, principalmente a juventude”.
No discurso da colonização, negro é ameaça
O jornalista explicou que a razão dessa postura política de Estado, em segregar o negro da sociedade, é antiga. Passa pela omissão da narrativa da importância do negro e de suas lutas no processo histórico de construção do Brasil nas salas e livros escolares até o processo de especulação imobiliária, o racismo em si e a subtração de direitos sociais. “Como se fosse natural, desde a colonização é construído que esse negro, pobre e de periferia pode ameaçar a sociedade brasileira”, destacou José Arbex.
Ele também criticou o fato de juízes no Brasil expedirem à polícia mandado de busca coletiva em caso de incursões policiais nos morros cariocas. “Isso é proibido pela Constituição que diz que todo cidadão tem direito à inviolabilidade de sua residência. Essa prática é nazista: implica uma política de repressão coletiva. A polícia está entrando lá por conta da cor de pele. Lamento dizer que isso é nazismo. É terrorismo, como Israel faz”, concluiu.