Por Gustavo Gindre* | Blog do Intervozes na Carta Capital
No dia 11 de setembro, o presidente da Comissão Européia, José Manoel Durão Barroso, anunciou um conjunto de propostas que, se aprovadas, representarão um passo decisivo na adoção de um mercado único europeu de telecomunicações. Há pontos positivos na proposta, como o fim do roaming internacional dentro da União Européia e o reforço da neutralidade de rede. Mas também há uma aposta liberal de que o mercado será capaz de fixar melhor os preços para contratação das redes de banda larga.
A proposta é a mais ousada iniciativa para concretizar o Pilar I (“mercado único digital”) da Agenda Digital para a Europa que, por sua vez, integra o Europa 2020, um plano de dez anos, definido pela União Européia, para recolocar o continente no rumo do crescimento econômico, depois da crise de 2008.
Embora anunciada com estardaçalho por Durão Barroso, a iniciativa, na verdade, é um recúo frente à proposta inicial, defendida pela comissária para Agenda Digital, Neelie Kroes. Diante da pressão de alguns estados-membro, a Comissão Européia deixou claro que não se trata de criar um órgão regulador único ou uma licença pan-européia para uso do espectro, conforme defendia Kroes.
Principais ações
A proposta fala em regras de gestão do tráfego de dados que sejam não discriminatórias, proporcionais e transparentes e proíbe a degradação de serviços concorrentes (como o Skype, por exemplo). Mas, permite que sejam vendidos serviços com qualidade superior ao acesso comum.
A União Européia também propõe aumentar os direitos do consumidor, com a disponibilização de informações sobre velocidade real de acesso (inclusive em momentos de pico de consumo) e práticas de gestão de tráfico adotadas. Os reguladores nacionais devem passar a monitorar a qualidade do serviço e podem impor requisitos mínimos de qualidade para o acesso a banda larga.
Mas, o mercado único começaria mesmo pela adoção de uma única licença que permitiria a operadora de telecomunicações atuar nos 28 estados-membro. Também haveria uma harmonização das regras para licenciamento de espectro, que embora continue ocorrendo em nível nacional, passaria a ser padronizado em todo continente, facilitando que operadoras atuem fora de seus países de origem.
A partir de julho de 2014 não haverá mais a cobrança de roaming para receber ligações. E, em 2016, o consumidor, quando em deslocamento, poderá optar por uma operadora que ofereça planos mais baratos, sem precisar trocar seu SIMcard.
A Comissão Européia optou por não impor a regulação dos preços no atacado para o acesso às redes de “nova geração” de alta velocidade. Sob o argumento de que o mercado europeu convive com diferentes regras que acabam se tornando uma barreira à concorrência, a Comissão Européia optou pelo caminho liberal da auto-regulação através do mercado.
Estratégia norte-americana
Embora o documento em vários momentos cite os benefícios para o cidadão comum, no fundo sua motivação é econômica e política e se assemelha muito àquela adotada pelos Estados Unidos, quando da aprovação do Telecommunications Act, de 1996.
Em 1981, a justiça norte-americana decretou o desmembramento da AT&T em várias operadoras regionais, que ficavam impedidas de avançar sobre as áreas de suas rivais. Já no começo dos anos 90 nascia a percepção de que tais empresas regionais eram pequenas demais para resistir ao avanço de suas concorrentes européias e japonesas. A estratégia norte-americana, então, foi derrubar barreiras e permitir o surgimento de grandes operadoras nacionais que pudessem constituir uma barreira a entrada de grupos estrangeiros.
Com a crise européia, as empresas de telecomunicações dos pequenos países da região passaram a ter preços atrativos. O mexicano Carlos Slim Helu, dono no Brasil da Embratel, da Claro e da NET, comprou 24% da Telekom Austria e deve assumir o controle total da holandesa KPN. Comenta-se que a AT&T e a chinesa Hutchison Whampoa estariam de olho na Italia Telecom.
A esperança da Comissão Européia é diminuir barreiras para ver surgir três ou quatro empresas de perfil continental. O grande problema é que todos os estados-membro esperam que suas empresas estejam no lado comprador dessa história e não será fácil compatibilizar tantos interesses. Os próximos passos dessa iniciativa prometem ser ainda mais polêmicos.
* Gustavo Gindre é especialista em regulação da atividade audiovisual na Ancine e membro do Intervozes.