Relatório anual aponta novos atores na violência contra a mídia
No hall de entrada do Sindicato dos Jornalistas do Rio, logo na parede de frente para a porta está uma placa dedicada à João Saldanha – o “João Sem Medo”. O jornalista e ícone do futebol brasileiro usava seu espaço e popularidade para criticar o autoritarismo e expôr os crimes dos anos de chumbo na mídia. Suas atitudes lhe rendiam represálias e punições do governo. Em 2019, o relatório “Violência contra jornalistas e profissionais de imprensa no Brasil” revela que políticos e o presidente da república representam, novamente, risco a profissão.
O documento produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas incluiu a categoria “Presidente da República” como origem de agressões por conta dos recorrentes casos envolvendo Jair Bolsonaro (atualmente sem partido) no ano passado. “A ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República afetou significativamente a liberdade de imprensa no Brasil”, considera a Fenaj logo na apresentação do trabalho.
Em 2019, foram registrado 208 ataques, contra 135 no ano anterior – um aumento de 54,07%. Destes, só Bolsonaro foi responsável por 121 agressões (58,17% do total) a veículos de comunicação e a jornalistas. Foram 114 ofensivas genéricas mais sete casos de agressões diretas a profissionais da imprensa. “Essa é uma violência institucionalizada, por que não dá para separar a pessoa que ocupa o cargo de presidência da instituição governo. Então é a presidência do país fomentando a violência contra os jornalistas” considera Virgínia Berriel, dirigente do Sindicato, que sediou o lançamento do relatório.
Ataques por região
A região do país com maior registro de casos de agressão é o Sudeste: foram 44 ocorrências (46,81% do total nacional). “O estado de São Paulo continua sendo o estado com mais casos e se dá, em nossa análise, devido às manifestações.” destacou Maria José Braga, presidenta da Fenaj. A região Centro-Oeste apareceu pela primeira vez como segunda região mais violenta, com 18 casos (19,15%). Só no Distrito Federal foram 13 (13,83%) ocorrências – a maior parte vindas de Bolsonaro.
O Sul aparece em terceiro, com 15 casos (15,96%); Nordeste registrou onze (11,70%). O Norte aparece em última colocação com seis denúncias (6,38%). “Não temos com saber se esse número é em vista de um menor número de ataques ou de subnotificação”, reitera Braga.
As agressões em números
Dois jornalistas foram mortos ano passado em Maricá, na região dos lagos do estado do Rio (contra uma morte em 2018 e nenhuma em 2017). Os assassinatos ocorreram com um intervalo de menos de um mês entre um crime e outro e ainda estão sendo investigados. Estes integram os casos sem um agressor identificado (onze no país todo).
Ocorreram 15 agressões físicas e 20 verbais. Houve ainda duas injúrias raciais contabilizadas. Vinte e oito profissionais foram ameaçados ou intimidados. Houve cinco prisões ilegais (contra nenhuma em 2018). Sindicatos foram agredidos em duas ocasiões, e por dez vezes ocorreram censura – seja de conteúdo, seja de acesso a documentos públicos.
Uma novidade assustadora
Pela primeira vez, o relatório considerou as vezes em que a imprensa tradicional sofrera tentativas de descredibilização. O número assusta: foram 114 as oportunidades de questionar a credibilidade seja do jornalismo como instituição, seja de profissionais específicos. É importante avaliar esse dado como o retrato de uma realidade que a imprensa precisa encarar e enfrentar. O relatório lançado hoje está disponível gratuitamente no site da FENAJ.
Por Amanda Soares