Vivendo um clima político que faz lembrar os vexames do Administrador delegado Vittorio Valletta, na década de cinquenta, os operários da FIAT de Turim e de Pomigliano voltaram a ser as vitimas de um projeto industrial que para dar certo exige: 1) Destruir a representatividade sindical da FIOM e da CGIL ; 2) Flexibilizar todo o ciclo de trabalho em 100%; 3) Reverter e minimizar os direitos trabalhistas adquiridos com o Estatuto dos Trabalhadores, 4) Recuperar financeiramente o ônus da baixa competitividade qualitativa com o rebaixamento do custo de toda a força de trabalho empregada; 5) Impor a chantagem econômica para quebrar a autonomia politica da classe operaria; 6) Finalizar o processo de domesticação dos sindicatos e dos políticos da oposição de centro-esquerda
Achille Lollo (Roma ) — Durante quase um mê os italianos tiveram que conviver com a chantagem emocional do administrador geral da FIAT, Sergio Marchionne, que aos 15 de dezembro , no noticiário televisivo do TG3, afirmava que “..a FIAT , após o acordo com a estadunidense Chrysler, se tornou uma multinacional inserida na economia global, que estava perdendo dinheiro na Itália Por isso – sublinhava Marchionne – para não fechar as fabricas de Turim (Mirafiori e Lingoto) e de Napoles (Pomigliano) e, consequentemente, para não dever transferir no exterior as respetivas linhas de montagem era necessário fazer um investimento de 11 bilhões de Euros e operar um grande projeto de reestruturação chamado, Fabrica Itália”.
Porém o administrador geral da FIAT sublinhava que “…para ter um retorno financeiro capaz de satisfazer os investidores (governo estadunidense, ndr.), devemos modificar as relações capital- trabalho que existem na FIAT e assim explorar devidamente toda a capacidade produtiva das linhas de montagem...”
A olhos fechados, o governo de direita apoiava em bloco as propostas de Marchionne, tanto que o primeiro ministro, Silvio Berlusconi, na primeira reunião del 2011 dos chefes de estado da União Européia em Berlim admitia que “.. era justo para um grupo empresarial como a FIAT fechar as fabricas de Mirafiori e de Lingotto e transferi-los no exterior onde possível obter mais lucro…”
Ruptura sindical
Na Itália, além dos pequenos sindicatos amarelos- que sempre se posicionam com os patrões -, existem três grandes confederações (CISL, UIL e CGIL) que, nos últimos 30 anos, estiveram sempre juntas nas grande batalhas sindicais. Porém, desta vez a CISL e a UIL (a primeira católica e a segunda trabalhista) quebraram o histórico processo de unidade sindical para apoiar o projeto do administrador delegado da FIAT, Sergio Marchionne. Infelizmente, as lideranças de Turim do partido reformista PD, o prefeito Chiamparino e seu sucessor Piero Fassino, bem como ta
ntos outros da direção nacional, Massimo D Alema por exemplo, confirmaram sua opção “social neoliberal” e logo apoiaram as exigências de Marchionne. Porém, diante do protesto de seus eleitores foram obrigados a recuar ficando em cima do muro.
Hoje, a FIOM (Federação Italiana dos Operários Metalúrgicos) depositaria da tradição sindical socialista e comunista e associada a central CGIL, juntamente com a nova central da esquerda militante, COBAS, são as únicas forças que logo denunciaram a chantagem econômica da FIAT. De fato, a mídia e sobretudo as televisões apoiaram a FIAT, como nunca, veiculando sofisticados programas informativos cujo objetivo era manipular a opinião pública dizendo que a fábrica de Mirafiori era praticamente fora de controle por causa dos “extremistas da FIOM e dos COBAS” e que se os 11.400 trabalhadores das fábricas de Lingotto e Mirafiori não aceitam o novo contrato individual, a FIAT não realizará nenhum investimento naquelas fábricas, iniciando um gradual transferimento das linhas de montagem para a FIAT-Polónia, enquanto a direção ficaria nos Estados Unidos, onde Marchionne, praticamente construiu a venda mascarada da FIAT à Chrysler.
As “perola” do novo contrato FIAT
Trabalho Extraordinário – Será obrigatório passando das atuais 40 horas anuais para 120, trabalhando 15 sábados.
Turnos – O novo regime terá 18 turnos de trabalho (três por dias em uma se mana de seis dias). Porém, os operários da manutenção e da pintura terão 21 turnos trabalhando com 7 diasde trabalho por semana. O horário será de 08:00 às 17:00, com uma hora de pausa “não retribuída”.
Greve – Proibido fazer greve e protestos ou assembleias dentro da fábrica
Atividade Sindical – Não é mais admitida a representação sindical unificada (RSU), quer dizer aquela que permitia aos dirigentes dos sindicatos de entrar na fábrica. Será admitida e reconhecida pela FIAT apénas a representação dos sindicalistas que trabalham na fábrica e que pertencem aos sindicatos que assinaram o novo contrato. Além disso caberá a FIAT autorizar a licença para reuniões de direção e outras atividades sindicais. Os outros sindicatos que não assinaram não terão voz na fábrica.
Cassa Integrazione (Subsidio desemprego) – A partir de 14 de fevereiro todos os operários da fábrica de Mirafiori serão dispensado com o subsidio desemprego durante 1 ano. Neste tempo será obrigatório participar a cursos de formação.
Pausas na linha de montagem para descanso – De 40 minutos são reduzidas para 30, divididos em trés pausas de 10 minutos cada.
Cantina – Meia hora para comer no horário do turno. Porém a partir de 2012, os operários poderão ir comer na cantina somente após o fim do turno.
Saudê no trabalho – São reconhecidas apenas as doenças graves. Todo tipo de mal estar ou doenças que acontecem na véspera de um feriado, ou de um sábado, que não ultrapassam 5 dias e que acontecem minimo duas vezes por ano será considerado absentismos. Em função disso o primeiro dia de doença não será pago. Entretanto se em 2012 o fenômeno da “doença absentista” não baixará do atual 8% para 4% não serão pagos os primeiros dois dias de “doença”.
Fabrica Itália: uma chantagem da FIAT que vai muito além da flexibilização
Nos últimos dez anos, o principal objetivo da politica industrial dos governos italianos (sejam eles de direita ou da centro-esquerda) foi dar suporte ao mercado, além de criar mecanismos financeiros e normas legislativas que flexibilizavam, cada vez mais, o trabalho assalariado. As consequências políticas disso tudo foram nefastas para o mundo do trabalho e, sobretudo para os partidos de esquerda que desapareceram do Parlamento. Foi neste contexto que em 2006 o governo italiano salvou a FIAT da falência com um empréstimo bilionário – que nunca foi cobrado até hoje – além de promover uma negociação com Gheddafy para permitir aos os Fundos de Investimento Libicos de ejetar petrodólares nas caixas da FIAT.
Achille Lollo (Roma) – O administrador delegado da FIAT, Sergio Marchionne e John Elkann, presidente da Exor(a financeira da FIAT), conseguiram, finalmente no dia 12 de fevereiro, que o governo Berlusconi e parte da oposição o de centro-esquerda, legitimassem o projeto Fabrica Itália, com o qual a FIAT conseguiu introduzir um novo tipo de contrato que, na prática, torna o trabalho na linha de montagem mais duro e, proporcionalmente, menos renumerado. Por exemplo antes os operários tinham a opção de poder realizar até 40 horas de trabalho extraordinário por ano, hoje, com o novo contrato eles são obrigados a trabalhar 15 sábados para totalizar 120 horas de trabalho extraordinário em um ano, pagos com a mesma alíquota de anteriormente, isto quando o trabalho extraordinário não ultrapassava as 40 horas.
É necessário dizer que Sergio Marchionne conseguiu impor, primeiro aos 11.000 trabalhadores da FIAT de Pomigliano (Nápoles) e depois aos 8.000 da FIAT Mirafiori (Turim), um contrato chantagista, em função das particulares condições políticas existentes na Itália e, assim, tentar impor um novo tipo de contrato que elimina em 90% a representação sindical na fábrica e o direito de greve.
Um projeto que vai muito além dos processos de flexibilização implementados, na Alemanha, pelas Wolkswagen e, na França, pela Renault, do momento que se trata de uma verdadeira chantagem que ameaça os operários com o desemprego caso eles continuem solidários com os sindicatos e as centrais que se negaram de assinar os protocolos do projeto Fábrica Itália.
Analogias com 1975
Foi na Suécia do social-democrata Olaf Palme que a diretoria da Volvo tentou propor um novo contrato com o objetivo de acabar com o absentismo e aumentar a produtividade das fabricas, propondo o contrato individual, no lugar do coletivo, onde cada trabalhador estabelecia o tempo de trabalho ( 4 ou 7 horas), aceitando os novos ritmos de trabalho para aumentar a produtividade da linha de montagem.
Uma proposta que, na realidade, paralisou a central LO (social-democrata) e que foi derrotada quando o pequeno sindicato SAC (anarco comunista) promoveu um protesto social que mobilizou – de Goterborg (sul) até Kiruna, no extremo norte do país a pacata classe operária sueca.
A experiencia da Volvo, ensinou que para impor mudanças radicais nas relações capital-trabalho necessário, antes de tudo, um contexto político onde as forças de esquerda estejam, de fato, desqualificadas e sem poder de mobilização. De fato, não foi casual que Sergio Marchionne apresentou o projeto “Fábrica Itália” somente agora e não em 2009.
Por outro lado, é necessário lembrar que Fábrica Itália não é um projeto de flexibilização semelhante ao da Wolkswagen que para aumentar a produtividade negociou com os sindicatos a redução de alguns direitos trabalhistas adqueridos, garantindo, porém a estabilidade do emprego, uma maior valorização dos prêmios de produção e um proporcional aumento da mão de obra empregada.
A principal diferença entre o novo contrato da Wolkswagen e o que Marchionne conseguiu impor aos operários da FIAT é o da representação do sindicato, visto que para a Wolkswagen o sindicato continua sendo a contraparte que representa os trabalhadores e com o qual se negocia tudo, dos aumentos de ritmos à greve.
Contrariamente, com o novo contrato FIAT o sindicato perde sua função histórica de representar os trabalhadores para se transformar em uma entidade que se limita a estimular os operários no cumprimento do contrato de trabalho, silenciando, assim, todas as anomalias e os problemas que este contrato provoca na linha de montagem.
Chrysler-FIAT a nova “New-Co”< /p>
Em clima de carnaval os italianos descobriram que, graças a Sergio Marchionne, o grupo FIAT estava sendo transformado em uma filial da Chrysler visto que a fusão entre as duas multinacionais determinava a consequente a transferência, em 2014, para Detroit do centro de projetação tecnológico e do núcleo de engenharia. De fato, este projeto de transferências tecnológicas foi o principal argumento para convencer os governos estadunidense e canadense a emprestar 6,9 biliões de dólares para financiar esta fusão, onde os principais beneficiários são a Chrysler e os investidores estadunidenses e canadenses.
A principal consequência disso tudo é o rebaixamento qualitativo da linha de produção da FIAT que, em quase dois anos não lançou nenhum carro novo, tanto que em 2010 suas vendas baixaram de quase 24% na Itália enquanto na Europa a venda dos carros FIAT não representam mais que o 8.5%.
Na prática, Marchionne, no lugar de modernizar as fabricas da FIAT está sucateando suas fabricas para podê-las adaptar mais facilmente a montagem de carros de luxo (o 4×4 SUV), cujo motor é fabricado pela Chrysler e 68% das outras componentes são importados de fabricas ligadas a Chrysler.
Por isso dia 2 de março foi confirmada a “Cassa Integrazione (suspensão do trabalho com salario de 75%) para todos os técnicos do Centro de Pesquisa de Balocco e a partir de 14 de fevereiro os 5.400 operários da fabrica “Carrozzerie Mirafiori” foram dispensado até 01 de março de 2012. Além disso a fábrica que a FIAT tinha em de Termini Imerese vai definitivamente fechar as portas.
Se, depois, consideramos que os carros populares (Fiat 500, 600, Punto e Bravo) são fabricados no exterior (Polónia, Brasil e Sérvia) e que no próximo ano, o administrador delegado da FIAT, Sergio Marchionne, pretende transferir nestes estabelecimentos a linha de montagem dos modelos “monobloco” da Lancia, resulta evidente a necessidade de transferir, em 2014, até a direção da FIAT para Detroit, pois é ali que estão os verdadeiros donos!
Achille Lollo jornalista italiano, editor do programa TV “Quadrante Informativo”.