[Por Sheila Jacob] O belo filme Terra Sonâmbula, em cartaz nos cinemas, é baseado em livro de mesmo nome do escritor moçambicano Mia Couto. O longa-metragem é dirigido por Teresa Prata, brasileira radicada em Moçambique. A história se passa em tempos de guerra civil, que se estendeu por 17 anos após a conquista da independência (1975 a 1992). Acompanhamos o velho Tuahir e o menino Muidinga em suas andanças pela sobrevivência e pela busca pela família do jovem, que não consegue se lembrar de seu passado. Caminhamos com eles por uma terra devastada, passando por carcaças de automóveis, ameaça de bandos armados e destruição. “Não aguento mais viver entre os mortos” é a frase do miúdo Muidinga, logo no início do filme, que nos apresenta a realidade da guerra.
Os dois protagonistas se alojam em um velho ônibus queimado encontrado no meio do caminho. A cada dia eles avançam um pouco mais pela estrada, na esperança de Muidinga reencontrar seus parentes. Em meio à fome e ao perigo constante das minas terrestre e grupos armados, ambos conseguem reacender o sonho. A alegria é redescoberta na leitura dos cadernos/diários de Kindzu, encontrados em uma maleta ao lado do cadáver desse jovem pescador que perdeu a família na guerra – inclusive o irmão, Junhito, que ganhou esse nome em homenagem ao 25 de junho (de 1975), dia da independência de Moçambique.
Nessa prática da leitura, ambos, Tuahir e Muidinga, retomam aspectos da tradição oral, ao se juntarem todas as noites em volta da fogueira, encenando a velha arte de se contar histórias. Outros aspectos da tradição cultural são abordados, como as grandes árvores que servem como morada dos ancestrais; a morte do corpo que não significa um fim, mas apenas uma transição, pois “os falecidos não gostam que lhes mostramos nojo”; e ainda a equivalência entre homens, seres e animais, já que “todos somos irmãos”, como nos ensina Tuahir. Mas não são apenas os protagonistas que se movem. A terra ao redor do ônibus abandonado apresenta alterações a cada dia, mostrando, assim, que não está morta: sonâmbula, espera seu momento de despertar.