O Fórum Social Mundial não é um movimento, não é uma organização, não é uma Internacional Socialista do século XXI. Ele é um “espaço”. Quem faz questão de definir o fenômeno, que reúne movimentos os mais diferentes e de várias partes do mundo há cinco anos, como “espaço”, é um dos seus idealizadores, Francisco Whitaker Ferreira. Ou simplesmente Chico Whitaker.

Do primeiro, lançado em janeiro de 2001, em Porto Alegre (RS), ao quinto Fórum Social Mundial, realizado em janeiro deste ano, e de novo em Porto Alegre – em 2004, o FSM foi realizado em Mumbai, na Índia -, o que move a realização desse grande encontro de povos e de movimentos é ser “uma operação de contracomunicação ao Fórum Econômico Mundial de Davos (Suíça)”, como apresenta Whitaker, no seu livro recém-lançado O desafio do Fórum Social Mundial – um modo de ver (foto), da Editoria Fundação Perseu Abramo e Edições Loyola.

Whitaker esteve em Santos (SP), na Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos, UniSantos, no início deste mês, onde lançou o livro e conversou com o Boletim NPC. Leia a entrevista de Rosângela Gil, de Santos, abril de 2005.
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Chico durante o FSM 2004, na Índia

BNPC – O senhor está lançando o livro “Os desafios do Fórum Social Mundial”. Quais são esses desafios?

Chico Whitaker – O grande desafio do Fórum Social Mundial é muito simples. É continuar sendo o que ele é. O que é muito difícil em si. Porque como ele ganhou muita força há uma tentação muito grande de muita gente de transformá-lo em movimento. Deixar de ser um espaço para ser um movimento. Se ele se transformar em movimento ele morre.

BNPC – Por que?

Chico Whitaker – Porque se transforma em movimento entre outros, entre muitos que existem e aí ele começa a competir com os outros, e não muda nada. A grande característica do FSM é ser um espaço. Um espaço aberto para que todos, com as suas diferenças e diversidades, com seus ritmos diferentes, possam se encontrar, se reconhecer mutuamente, descobrir que podem ter pontos em comum de luta e articular ações comuns até ao nível planetário. Isso é a novidade do Fórum. Então, o desafio dele é ser o que ele é simplesmente. Não pretender “ele” mudar o mundo (não vai ser ele que vai mudar o mundo), mas pretender criar condições para que cada vez mais os movimentos, as organizações, os sindicatos, ONG s que lutam pela mudança do mundo, possam mudar o mundo.

BNPC – O Fórum Social Mundial nasce para responder aos problemas e injustiças criados pelo neoliberalismo?

Chico Whitaker – Absolutamente é essa a perspectiva. Porque o neoliberalismo é vencedor no mundo de hoje. Ele está impondo toda a sua lógica, de várias maneiras, inclusive pela guerra. E essa vitória do neoliberalismo é a derrota do mundo, da humanização do mundo. Quer dizer, o mundo vai se destruir se continuar nessa corrida suicidária pelo lucro incessante, se continuar submetido aos interesses das grandes multinacionais e do capital em geral. O Fórum surgiu para encontrar saídas para esse desastre que estamos vendo se aproximar.

BNPC – O lema proclamado pelo Fórum Social Mundial é “um outro mundo é possível”. Que mundo é esse?

Chico Whitaker – É muito simples esse “um outro mundo é possível”. Facílimo de entender o que é. É um mundo onde todo mundo se entenda, que não haja exploração; que não haja miséria; que não haja competição desenfreada entre as pessoas, mas sim cooperação; que haja respeito pela natureza, pelos velhos, pelas crianças, pela diferença entre todos nós. É um mundo onde a gente possa ser feliz, que não precise viver se resguardando, se protegendo sempre, se fechando, que não exista violência. É um mundo de paz. É muito fácil. É um mundo que nós queremos, que nós consideramos que é possível. E para ele ser construído depende de nós. Nós, seres humanos, é que podemos construir esse mundo. Ele não vai cair de cima para baixo nem vai ter liderança mundial que vai dizer “agora o mundo vai ser assim”. Ou construímos a partir de agora e desde já, ou não chegaremos lá.

BNPC – Dentro da lógica do capitalismo e do neoliberalismo esse mundo não é possível.

Chico Whitaker – O capitalismo é o neoliberalismo. O neoliberalismo é a “roupagem” atual do capitalismo. A mesma lógica, o mesmo princípio, a mesma filosofia, a mesma dinâmica social. Tudo centrado simplesmente na acumulação de capital. Então, essa lógica tem de ser superada. Precisa ser superada por uma lógica de serviço ao ser humano, de centrar as coisas nas necessidades dos seres humanos.

BNPC – Qual o balanço que o senhor faz do primeiro ao último Fórum? O que avançou, o que não está bom.

Chico Whitaker – Dentro do Fórum nós fomos descobrindo pouco a pouco o que estávamos fazendo. Quando lançamos o processo não tínhamos idéia do sucesso que ele iria ter e não víamos com tanta clareza, como vemos agora, qual é a proposta. Isto é, abrir espaços pelo mundo afora onde as pessoas possam viver, conviver e se reeducar numa prática política diferente. Não competitiva, mas cooperativa, horizontal e em rede. De lá para cá, nós avançamos muito. Inclusive, do primeiro Fórum ao último, por exemplo, o último foi totalmente auto-organizado. Todas as atividades deste Fórum foram programadas pelos seus participantes, e não pelos organizadores. No fundo é a autonomia das pessoas e o respeito às diversidades delas.

Agora, em relação ao mundo, ainda é muito cedo para chegar alguma conclusão. Obviamente que a problemática social está muito mais presente agora. Há poucos anos, o triunfo do tal neoliberalismo era tal que tudo isso passava batido. Agora não. A própria reunião de Davos teve que se consagrar este ano praticamente toda ela para a questão da pobreza.

Mas nós dependemos muito não
só da nossa ação, mas também de governos comprometidos com a justi
ça e com a paz. E nós temos de avançar muito para que o máximo possível de governos, o máximo possível de países, sejam e tenham governos comprometidos com a justiça e com a paz.

BNPC – Como o senhor tem visto a participação dos sindicatos de trabalhadores no Fórum?

Chico Whitaker – No início, com uma certa apreensão. Inclusive com relação a falta de entendimento do que era o Fórum. Os sindicatos em geral estão muito acostumados a tocar suas lutas, problema salarial, problema de condições de trabalho, etc. E o resto da sociedade está tocando as suas lutas. Isso acontece com os sindicatos, com os movimento sociais, com o movimento de mulheres, com o movimento ecológico, com os estudantes. O Fórum juntou esses movimentos e mostrou que é possível lutar junto. Os sindicatos passaram por um processo muito nítido nesse sentido. Eles começaram timidamente e agora as grandes confederações sindicais mundiais de todos os níveis estão começando a entrar e a conseguir a fazer essas articulações com outras entidades de outros tipos e de outras naturezas.

BNPC – O Fórum pode ser uma Internacional Socialista do século XXI?

Chico Whitaker – De jeito nenhum. Essas internacionais, esse tipo de organização – aliás foi uma tentativa, no início do Fórum, transformá-lo em mais uma Internacional – são movimentos, são organizações que têm uma chefia, que têm uma direção, que têm uma programação de trabalho, têm militantes, têm filiados. O fórum não é assim. O Fórum é um espaço. Como espaço não pode ter nada disso, não pode ter nem dirigente, nem porta-voz, nem documentos finais. O Fórum é uma praça aberta para aqueles que querem mudar o mundo, mas é uma praça. Não dá para confundir. Tem de existir a Internacional, mas o Fórum tem de continuar o seu caminho, continuar o seu trabalho modestamente, oferecendo espaço para que essas internacionais surjam e outros movimentos surjam também.

BNPC – Como será o próximo Fórum?

Chico Whitaker – Vai ser descentralizado. É uma decisão tomada em Porto Alegre, no último FSM. Nós vamos ter em 2006 não somente um, mas vários fóruns simultâneos ao fórum de Davos. Um que já está garantido é em Caracas (Venezuela); outro pode ser em Mali ou Marrocos; outro em Pasquitão ou Índia; e outro possível em países nórdicos e um outro ainda na Austrália. Tudo isso está para ser estabelecido em junho. Além desses, existirão fóruns regionais que irão se agregar. Isso é o fórum que chamamos de policêntrico. Em 2007, vai ter apenas um único Fórum que será na África, possivelmente no Quênia.

Rosângela Gil, de Santos, abril de 2005