Por Rodrigo Otávio, do Rio, março de 2004

Sábado, dia 13 de março, foi o aniversário de 40 anos de um dos momentos mais importantes da história do Brasil no Séc. XX, o comício do então presidente João Goulart pelas reformas de base (que, entre outras, eram a favor da reforma agrária e dos direitos trabalhistas), na estação ferroviária Central do Brasil, no Rio. O comício foi a grande desculpa encontrada pelos setores conservadores da sociedade para apoiar o crescente plano de derrubada do governo oficial, o que acabou acontecendo em 1º de abril de 1964, mergulhando o país na escuridão dos vinte anos de ditadura militar. Em 2004, um dos poucos resgates do acontecido foi feito pela jornalista Denise Assis em parceria com o Jornal do Brasil, em uma série de oito reportagens que se transformarão em uma revista. Abaixo, a jornalista fala um pouco sobre o porquê dessa amnésia histórica em março de 2004.

Boletim NPC. Por que os 40 anos desse marco da história do país estão, de modo geral, passando em branco no noticiário?
Denise Assis. Atualmente, as pessoas costumam ter as seguintes posturas, quanto a esse assunto: uma, a de que isso já foi há muito tempo, e não tem nada a ver com a nossa vida, hoje, tão repleta de “fatos mais importantes”. Outra, a de que esse é um assunto atraente, porém, ainda “perigoso”, e que deve ser esquecido, para não causar alguma confusão, que elas não identificam bem qual seja. Erram nas duas situações. Tem a ver, sim, com nossa vida hoje, pois o que acontece no país é resultado da prepotência dos que, durante anos, governaram o país instalando um esquema de corrupção e impunidade tal, que ficou arraigado em nossa cultura. E, por considerarem “perigoso”, o que já deveria estar sendo lido como História, e ser melhor estudado e aprofundado. Salvam-nos os jovens, que têm a maior curiosidade sobre o tema. Sem contar, que o discurso de Jango no Comício da Central do Brasil, independente do que poderia acarretar de conseqüência política (uma guinada à esquerda, ou à direita, como acabou acontecendo), é uma peça belíssima e atual. Os historiadores deveriam deixar o preconceito de lado, e reformular os nossos livros didáticos, detalhando melhor essa história.  Essa seria uma boa data para se fazer isso.

Boletim NPC. Você acha que por ser uma marca redonda, e o Brasil ter pela primeira vez um governo que em tese ainda tem os princípios daquele mesmo comício, a data merecia especial atenção? Até em termos oficiais?
Denise. Nem precisaríamos do argumento de uma data redonda para rever esse episódio, mas já que serve como justificativa, quero lembrar que no Chile, onde a queda de Salvador Allende foi também bastante traumática, os 30 anos da data serviram, não apenas como revisão histórica, mas também como um momento de diálogo entre os dois lados. As cerimônias foram patrocinadas pelo governo e pediu-se desculpas públicas à família de Allende. Hortência Bussi, a viúva, foi simbolicamente reentroduzida no palácio pela porta lateral do Palácio La Moneda, por onde passou o corpo do marido morto, deposto. Aqui, a senhora Maria Thereza Goulart virou uma verdadeira Geni. Talvez fosse o momento, sim, desse governo,  progressista, vir a público rever esse fato que mudou a feição do país em todos os sentidos.

Boletim NPC. Aonde anda a senhora Maria Thereza Goulart?
Denise. Ela é viva, tem 75 anos e mora no Rio. Adotou uma vida discreta, voltada para os filhos e os netos depois de tanta calúnia divulgada a respeito dela. O que acho que faz muito bem, já que sendo uma ex-primeira dama merecia muito mais respeito e atenção.

Boletim NPC. É possível se fazer alguma comparação sobre a atuação da imprensa no 13 de março de 64 e no de 2004?
Denise. A imprensa, na época, estava praticamente toda apoiando o golpe, torcendo pela queda de Jango. Os grandes jornais, quando não contribuíam com dinheiro, cediam espaço para a campanha do Ipês contra Jango. O único jornal que estava do seu lado era o jornal Última Hora, que foi invadido e depredado. Hoje, a imprensa é pretensamente “livre”, mas para fingir “independência” perde o foco, pesa a mão. A democracia é uma criança, que tem que ser cuidada e alimentada todos os dias. E um dos seus pilares é a imprensa. Não podemos perder essa perspectiva.

Nota: Ipês era o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, uma ONG criada pelo Golbery para conspirar contra o governo.