Educadora e economistas criticam aparelhamento do estado e dizem que a proposta é chocante, esdrúxula e não deve prosperar porque seria uma volta a escravidão
Professora de Educação da USP e economistas da Unicamp e do Dieese criticam e se dizem absolutamente chocados com a proposta esdrúxula, que precariza ainda mais os direitos do trabalho, do ministro da Economia, o banqueiro, Paulo Guedes, de contratar, via Forças Armadas, jovens por R$ 200,00 ao mês para abrir estradas e aprender Organização Social e Política do Brasil (OSPB). Essa disciplina que foi banida das escolas após a ditadura militar, pois era utilizada como forma de doutrinamento dos ensinamentos da direita.
Para eles, são evidentes os sinais de autoritarismo, tanto no campo educacional quanto no político e no econômico, sem falar da cooptação ideológica. A professora de Educação da USP, Carmen Moraes, vai além e diz que a contratação de mão de obra barata para construir estrada, lembra o período da escravidão e da época em que os presidiários eram obrigados a trabalhar em condições degradantes.
“Bolsonaro quer armar a população, e agora Guedes quer trazer uma disciplina que era utilizada para defender a doutrina da ditadura. Dizer que esse governo defende a escola sem partido é uma mentira. Isto é partidarizar o ensino”, critica.
A proposta de Guedes foi anunciada durante a fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril, que se tornou pública por decisão do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), por fazer parte do inquérito que apura as denúncias do ex-ministro da Justiça Sérgio Moro contra Jair Bolsonaro (ex-PSL). Segundo Moro, Bolsonaro queria aparelhar a Polícia Federal (PF) por interesses próprios.
No vídeo Guedes, diz que tem conversado sobre o assunto com o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e questiona: “Quantos jovens aprendizes nós podemos absorver nos quartéis brasileiros? Um milhão? Um milhão, a R$ 200, que é o Bolsa Família, R$ 300, para o cara de manhã fazer calistenia [exercícios físicos], aprende organização social e como é que é, OSPB, né? Organização Social e Política”. E prossegue: “Sabe quanto custa isso? R$ 200 por mês. Um milhão (de jovens) de cá, R$ 200 milhões. Joga dez meses aí, R$ 2 bilhões. Isso é nada. Na reconstrução, nós vamos pegar R$ 1 bilhão, R$ 2 bilhões, e contrata um milhão de jovens aqui. A Alemanha fez isso na reconstrução”, se referindo ao pós 2ª guerra mundial.
Para a professora da USP, fica claro que o que parece ser uma legítima preocupação com a educação do jovem brasileiro nada mais é do que uma estratégia para cooptá-los ideologicamente, principalmente os mais pobres.
“Ao incorporar segmentos populacionais pobres, ele engrossa o baixo clero das Forças Armadas, com apoio ideológico”, afirma.
Já o professor de economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit), Dari Krein, ressalta que a proposta do ministro é totalmente sem sentido, já que as condições de realidade do pós-guerra, na Alemanha, e no New Deal (pós-grande depressão de 1929), nos Estados Unidos, são totalmente diferentes da realidade brasileira.
Para o diretor-técnico do Dieese, Fausto Augusto Júnior, a proposta do ministro da Economia esconde uma maldade: o fim do abono emergencial de R$ 600,00 pago a trabalhadores informais para que enfrentem a pandemia do coronavírus (Covid-19) .
Além de não ajudar a recuperar a economia, nem matar a fome de quem mais precisa, a proposta de Guedes pode bater de frente com a vontade dos próprios jovens que não vão querer fazer parte deste projeto, acredita o pesquisador do Cesit.
Para Krein, a proposta não tem chance de prosperar porque é esdrúxula. É uma precarização dos direitos do trabalho. Segundo ele, as pessoas precisam ter direitos garantidos, de trabalho que melhore as condições da sociedade e, só tem sentido investir em obras para pagar os direitos devidos, e oferecer emprego com dignidade.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse em fevereiro deste ano, que o dólar alto era bom, pois, segundo ele, “todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada”.
A condução da economia também é criticada pelo diretor-técnico do Dieese. Para Fausto, o ministro não entende de economia, nem das atribuições do governo federal. Ele explica que diante de uma pandemia, criar frentes de trabalho é razoável, mas cabe à União definir as fontes de financiamento, os estados organizam e intermediam a mão de obra, e os municípios definem quais os serviços que precisam como pintar guias, escolas, limpar sarjetas, ajudar na saúde, na educação, entre outros.
“Esse sistema foi desenvolvido nas discussões da Constituição de 1988. Não foi o Lula, a Dilma, nenhum governo petista que definiu as obrigações e deveres de cada ente na lógica do sistema de emprego e renda do Brasil”, diz.
Além da utilização de mão de obra barata dos jovens, já que a renda deles, na grande maioria dos casos, não é a que mantém uma família, o diretor do Dieese critica a atividade escolhida por Guedes: a construção de estradas, que além de ser um trabalho penoso não atende toda a camada da população.
“É possível construir políticas dentro de estados e municípios que contribuam para a manutenção da renda das famílias e que atendam as necessidades da população. A fala de Guedes demonstra que ele conhece muito pouco do mundo do trabalho”, diz.
De acordo com Fausto, já existem programas governamentais como o Sistema Nacional de Emprego (Sine), que vem sendo sucateado, desde que Bolsonaro extinguiu o ministério do Trabalho.
“O governo federal está desmontando o Sine, um importante instrumento de emprego e renda no país que atua com recursos do FAT [Fundo de Amparo ao Trabalhador], cujo conselho define o financiamento da política de emprego que o governo federal desenha, mas desde que Bolsonaro extinguiu o ministério do Trabalho, o FAT também vem sendo descontruído”, denuncia Fausto Augusto.