[Ramon Szermeta] Ele participou de protestos contra a ocupação americana no Vietnã. Subiu em palanques e discursou pela paz e contra a intolerância. Esteve presente em shows contra a perseguição política nos EUA, denunciou a prisão do poeta John Sinclair e da ativista negra do Partido Comunista Americano, Angela Davis. Logo foi parar nos arquivos da CIA, que abriu inquérito e procedimentos de vigilância contra ele, grampeando seu telefone e seguindo-o passo a passo. [10/06/2010]. 

Na sua ficha constava: atividades subversivas, elemento perigoso, ligado a movimentos radicais e de contracultura. Manteve estreitos laços com os Panteras Negras, defendendo o direito de autodefesa armada, e ligações com ativistas considerados radicais por autoridades estadunidenses. Os gringos, então, abrem um processo formal para sua deportação da chamada “terra da liberdade e das oportunidades”. E então, o que ele faz? De peito aberto, abre outro processo na Justiça americana contra o governo, por tentar deportá-lo sem justificativa plausível. E o pior: ele ganha.

Não, não estamos falando de nenhum militante da Juventude Comunista ou coisa que o valha. E se você ainda tem um olhar ingênuo e romântico para esse rapaz que nasceu nos subúrbios de Liverpool, ganhou os quatros cantos do mundo cantando com seus cabelos longos e guitarra na mão, é bom começar a mudar a perspectiva. O governo linha dura de Richard Nixon não o via assim. Estamos falando de Sir John Lennon.

Todos esses episódios, entre outros, estão muito bem narrados no documentário “Os EUA vs. John Lennon”, de responsabilidade da dupla David Leaf e John Scheinfeld. O filme é de 2006, mas só chegou há pouco tempo aos cinemas brasileiros. Conta com depoimentos de protagonistas da época como John Sinclair; Bobby Seale, dos Panteras Negras; Angela Davis; e claro, Yoko Ono. Os diretores conseguem reconstruir toda a atmosfera de protestos e debates políticos que cercou e tragou Lennon para o centro do furacão. Vale destacar ainda as participações do escritor Tariq Ali, do historiador Gore Vidal e do linguista e contundente crítico da política estadunidente, Noam Chomsky.

Um roqueiro ativista

É visível, ao longo da sequência, o processo de politização do roqueiro, o que torna difícil, ao longo de sua vida, distinguir o artista do ativista político. Antes de enquadrá-lo sob algum rótulo, o que podemos dizer é que Lennon não ficou indiferente aos acontecimentos que marcaram sua época. O documentário mostra a sua sede de participar e interferir nas transformações do mundo, de forma protagonista e ativa.

Canções como “Give peace a chance” (Dê uma chance à paz) se tornaram verdadeiros hinos da juventude que ocupava Washington em sucessivas manifestações contra a guerra do Vietnã. Cantada por coros de milhares e milhares de jovens em frente à Casa Branca, provavelmente, obrigou as autoridades americanas de plantão a substituí-la pelo barulho de bombas e cacetetes, que, com freqüência, compuseram o cenário. A irreverência e ousadia de John Lennon ajudaram a dar som e voz à indignação de milhões de pessoas ao redor do mundo, sintetizando o sentimento de boa parte da juventude de então, que via nas atitudes desse beatle desgarrado um gesto de referência, como bem destaca o emocionante depoimento de Tariq Ali.

Sem cair na tentação conspiratória a respeito de seu assassinato, em 1980, o documentário deixa evidente que o ambiente criado contra John nos EUA, por suas atitudes políticas, ajudou a suscitar ódio e intolerância dos setores mais conservadores da sociedade, colocando-o na condição de inimigo público e elemento indesejado.

Lennon ajudou a transformar sua época e foi transformado por ela. Em 1972, no auge da popularidade do governo Nixon, que, apesar da guerra, acabava de reeleger-se, e enquanto muitos não tinham mais esperança, ele, forasteiro em país estranho, ousou levantar sua voz contra a maré.

FICHA TÉCNICA

The U.S. vs. John Lennon

Diretores: David Leaf, John Scheinfeld

Roteiro: David Leaf, John Scheinfeld

Duração: 99 min.

Ano: 2006

País: EUA

 

* Ramon Szermeta é estudante de Sociologia e membro do diretório estadual do PT-SP.

 

Inimigo da América   Versão para Impressão  Enviar por e-mail 
10/06/2010. Ele participou de protestos contra a ocupação americana no Vietnã. Subiu em palanques e discursou pela paz e contra a intolerância. Esteve presente em shows contra a perseguição política nos EUA, denunciou a prisão do poeta John Sinclair e da ativista negra do Partido Comunista Americano, Angela Davis. Logo foi parar nos arquivos da CIA, que abriu inquérito e procedimentos de vigilância contra ele, grampeando seu telefone e seguindo-o passo a passo.

Ramon Szermeta *

Na sua ficha constava: atividades subversivas, elemento perigoso, ligado a movimentos radicais e de contracultura. Manteve estreitos laços com os Panteras Negras, defendendo o direito de autodefesa armada, e ligações com ativistas considerados radicais por autoridades estadunidenses. Os gringos, então, abrem um processo formal para sua deportação da chamada “terra da liberdade e das oportunidades”. E então, o que ele faz? De peito aberto, abre outro processo na Justiça americana contra o governo, por tentar deportá-lo sem justificativa plausível. E o pior: ele ganha.

Não, não estamos falando de nenhum militante da Juventude Comunista ou coisa que o valha. E se você ainda tem um olhar ingênuo e romântico para esse rapaz que nasceu nos subúrbios de Liverpool, ganhou os quatros cantos do mundo cantando com seus cabelos longos e guitarra na mão, é bom começar a mudar a perspectiva. O governo linha dura de Richard Nixon não o via assim. Estamos falando de Sir John Lennon.

Todos esses episódios, entre outros, estão muito bem narrados no documentário “Os EUA vs. John Lennon”, de responsabilidade da dupla David Leaf e John Scheinfeld. O filme é de 2006, mas só chegou há pouco tempo aos cinemas brasileiros. Conta com depoimentos de protagonistas da época como John Sinclair; Bobby Seale, dos Panteras Negras; Angela Davis; e claro, Yoko Ono. Os diretores conseguem reconstruir toda a atmosfera de protestos e debates políticos que cercou e tragou Lennon para o centro do furacão. Vale destacar ainda as participações do escritor Tariq Ali, do historiador Gore Vidal e do linguista e contundente crítico da política estadunidente, Noam Chomsky.

Um roqueiro ativista

É visível, ao longo da sequência, o processo de politização do roqueiro, o que torna difícil, ao longo de sua vida, distinguir o artista do ativista político. Antes de enquadrá-lo sob algum rótulo, o que podemos dizer é que Lennon não ficou indiferente aos acontecimentos que marcaram sua época. O documentário mostra a sua sede de participar e interferir nas transformações do mundo, de forma protagonista e ativa.

Canções como “Give peace a chance” (Dê uma chance à paz) se tornaram verdadeiros hinos da juventude que ocupava Washington em sucessivas manifestações contra a guerra do Vietnã. Cantada por coros de milhares e milhares de jovens em frente à Casa Branca, provavelmente, obrigou as autoridades americanas de plantão a substituí-la pelo barulho de bombas e cacetetes, que, com freqüência, compuseram o cenário. A irreverência e ousadia de John Lennon ajudaram a dar som e voz à indignação de milhões de pessoas ao redor do mundo, sintetizando o sentimento de boa parte da juventude de então, que via nas atitudes desse beatle desgarrado um gesto de referência, como bem destaca o emocionante depoimento de Tariq Ali.

Sem cair na tentação conspiratória a respeito de seu assassinato, em 1980, o documentário deixa evidente que o ambiente criado contra John nos EUA, por suas atitudes políticas, ajudou a suscitar ódio e intolerância dos setores mais conservadores da sociedade, colocando-o na condição de inimigo público e elemento indesejado.

Lennon ajudou a transformar sua época e foi transformado por ela. Em 1972, no auge da popularidade do governo Nixon, que, apesar da guerra, acabava de reeleger-se, e enquanto muitos não tinham mais esperança, ele, forasteiro em país estranho, ousou levantar sua voz contra a maré.

FICHA TÉCNICA
The U.S. vs. John Lennon
Diretores: David Leaf, John Scheinfeld
Roteiro: David Leaf, John Scheinfeld
Duração: 99 min.
Ano: 2006
País: EUA

* Ramon Szermeta é estudante de Sociologia e membro do diretório estadual do PT-SP.