[Por Marina Schneider]
Começou nesta quarta-feira, 21.11, no Rio de Janeiro, o 18º Curso Anual do Núcleo Piratininga de Comunicação. Após as boas vindas da coordenadora do NPC, Claudia Santiago, a abertura teve um momento musical emocionante com a participação de Natalia Urbina, Cícero de Crato, Bonde da Cultura e Repper Fiell. Na conferência de abertura, o jornalista e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dênis de Moraes, falou sobre o panorama da comunicação na América Latina. Até domingo os quase 300 jornalistas, comunicadores, militantes e sindicalistas participantes discutirão diversos assuntos dentro do grande tema da Comunicação e os Trabalhadores na América Latina.
Música engajada emociona o início do curso
Na abertura deste primeiro dia, Natalia Urbina, professora de história e comunicadora popular chilena e o educador popular Cícero de Crato, companheiro de longa data do NPC, cantaram a música “Solo le pido a dios” (Só peço a Deus), de Mercedes Sosa, em espanhol e em português. O cearense morador de São Paulo e a chilena que vive há três anos no morro Santa Marta, na zona sul do Rio, fizeram uma bela homenagem ao povo latino-americano.
O Bonde da Cultura, grupo do morro Jorge Turco, na Zona Norte do Rio que vê a cultura como ferramenta de luta para transformar a sociedade também participou da abertura. O pequeno MC Papá, de oito anos de idade e que participa do Bonde desde os cinco anos cantou e emocionou a plateia.
Repper Fiell, comunicador popular do Santa Marta e membro do coletivo Visão da Favela Brasil, também cantou durante a abertura do 18º Curso Anual do NPC.
Conferência de abertura apresenta panorama da comunicação na América Latina
O jornalista e professor da UFF, Dênis de Moraes, iniciou sua fala agradecendo o convite ao NPC. “Minha vinda tem um significado pessoal de homenagear o NPC pelo relevante trabalho que realiza pela democratização da comunicação”, disse. Lembrando o Dia da Consciência Negra, na véspera, Dênis também homenageou o geógrafo Milton Santos, que morreu em 2001, mas permanece vivo em sua obra e no exemplo que deixou como pesquisador e intelectual engajado. Sobre o quadro da comunicação na América Latina, Dênis de Moraes lembrou que a concentração dos meios de comunicação no continente é um problema histórico que se mantém, mas salientou o surgimento de transformações iniciadas por alguns governos e pela sociedade civil que têm impulsionado a democratização do setor.
Segundo ele, continua muito grande a concentração dos meios de comunicação nas mãos de dinastias familiares na maior parte dos países latino-americanos. “Ainda há países com concentração monopólica dos meios acima de 80% nas mãoes de grupos privados cuja obsessão é o lucro”, ressaltou. O professor lembrou que os anos 60, 70 e 80 se caracterizam por uma concessão em série de canais de radiodifusão para os grupos privados que funcionavam como correias de transmissão ideológica das ditaduras, serviam para neutralizar o pensamento crítico e defender a repressão a movimentos sociais e sindicatos. “Todas as violações criminosas aos direitos humanos foram sufocadas e silenciadas pela mídia privada”, recordou, destacando que as ditaduras militares aprofundaram o processo de concentração midiática na América Latina. Ele acrescentou que durante este período houve aumento da presença de grandes grupos monopólicos transnacionais que encontraram na região um terreno propício para se estabelecer em associação com grupos monopólicos nacionais. “A falta de regulação democrática dos sistemas de comunicação do continente fazem com que a América Latina se torne um quintal para os grupos monopólicos”, criticou.
Esta situação foi constatada pela pesquisa que o professor realizou e publicou no livro Vozes Abertas da América Latina (Mauad/Faperj, 2011). Segundo ele, na maior parte dos países as dinastias midiáticas continuam se beneficiando pela falta de controle público e ausência de uma sistema democrático de regulação do setor de mídia e entretenimento. “Elas se colocam fora de qualquer espaço de discussão com setores sociais e de regulação das suas atividades”, disse.
Eixo da esperança
Apesar deste cenário geral negativo para a democratização da comunicação na América Latina, a chegada ao poder de presidentes que têm procurado reverter a dilapidação dos patrimônios públicos causada por governos neoliberais representa uma esperança. Para ele, Venezuela, Equador, Bolívia e Argentina representam este ‘eixo da esperança’ por criarem legislações que regulam democraticamente os meios de comunicação e por fomentarem a comunicação comunitária e alternativa e a cultura popular. Dênis já tinha adiantado este panorama durante o 17º Curso Anual do NPC, em 2011. “Hoje vejo que este ‘eixo da esperança’ se confirmou”, disse. Ele ressaltou a importância da ação do Estado na normatização e promoção da comunicação e da cultura. “A comunicação social não pode ficar atada às ambições lucrativas dos interesses monopólicos”, ressaltou.
Segundo ele, a Venezuela tem feito esforços para combater os monopólios e fomentar a comunicação comunitária. Um exemplo interessante é a Lei de Cinematografia Nacional, uma das mais avançadas no mundo nesse momento de acordo com o professor. Através de uma taxação às grandes empresas estrangeiras que exploram a área cinematográfica foi criado um fundo para financiar o cinema venezuelano.
Na Bolívia a nova legislação também cria limitações para os monopólios. Além disso, através de uma parceria com a Aliança Bolivariana das Américas (ALBA) e com um financiamento do Banco Nacional da Venezuela, o presidente Evo Morales criou uma rede de rádios dos povos originários com cerca de 30 emissoras espalhadas pelo país. “O Equador também aprovou uma legislação que é um duro golpe nos grupos privados de mídia”, relatou. Ele contou também que o Equador possui hoje um programa de Redes Culturais Comunitárias que utiliza espaços como escolas e igrejas durante os finais de semana para promover a cultura popular. As redes são itinerantes e financiadas pelo Ministério da Cultura.
De acordo com o professor, a Argentina é o país da América Latina que nesse momento enfrenta a maior desestabilização política justamente porque no dia 7 de dezembro entra em vigor a Ley de Medios (Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual), que vai democratizar o acesso a canais de radiodifusão. Com o objetivo de diversificar os canais de informação e cultura, a lei estabelece a divisão das concessões em três partes: uma para empresas privadas, uma para o setor estatal e outra para organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. “Os motins que têm acontecido na Argentina são organizados pelo Clarín e por grupos de direita que tentam criar um clima de convulsão social. O governo tem sim suas contradições internas, mas tem coragem de enfrentar os grupos monopólicos de mídia, diferente do Brasil”, ressaltou. Dênis explicou que a Ley de Medios foi proposta e aprovada pelo Congresso após ampla consulta à sociedade civil, inclusive com a presidente Cristina Kirchner recebendo todos os grupos interessados em seu gabinete. De acordo com ele, a Ley de Medios foi considerada pela Unesco a mais avançada em termos de democratização da comunicação no mundo.
Um outro jornalismo possível
A partir das informações obtidas em um estudo sobre as agências de notícias alternativas da América Latina, Dênis afirmou que está crescendo a quantidade de agências, coletivos e outras iniciativas contra-hegemônicas na área de comunicação. “Há forte mobilização em vários países de uma nova geração que quer exercer o jornalismo com ética e seguindo um caminho plural, participando de experiências independentes e coletivizadas”, disse. Segundo ele, apesar de enfrentarem dificuldades de manter as iniciativas, estes jornalistas e ativistas da comunicação se apropriam das novas tecnologias utilizando-as a serviço da crítica ao capitalismo. “Existe muita coisa nesse sentido acontecendo na base da sociedade”, relatou. Dênis afirmou que o cenário da concentração monopólica da comunicação ainda é hegemônico na América Latina, mas cada vez mais uma outra comunicação possível começa a deixar de ser um lema e passa a ser traduzida, mesmo que de maneira muito inicial. No final da conferência, Dênis de Moraes ressaltou que a democratização da comunicação não é um assunto só para jornalistas e profissionais de comunicação, mas deve ser uma preocupação de toda a sociedade. “O papel dos sindicatos nessa mobilização é fundamental. Essa deve ser uma discussão sistêmica dentro dos sindicatos”, frisou.