Durante toda a semana, a repetição era incessante: certamente 90% do noticiário sobre o tema era voltado a elementos da investigação, provocações do tráfico e assuntos do Exército. Menos de 10% diziam respeito ao inferno enfrentado pelas comunidades, sufocadas e criminalizadas pelo poder público. Além de não fazer nenhum dos 8 títulos e subtítulos da edição de 15/3/2006, o jornal O GLOBO publicou editorial intitulado “Missão Cumprida”, onde afirma que a “ação do Exército em favelas cariocas foi uma missão bem cumprida” e que “para o tamanho da operação, não houve qualquer grande incidente”. Reconhecem, pelo menos, o mal causado a um menino ferido por estilhaços no Morro da Previdência. Para O GLOBO, quanto maior for o “tamanho da operação”, mais se justificam o que chamam de “incidentes” – a saber, o terror causado pela ocupação iniciado no começo de março.
Já o popular EXTRA, também do grupo GLOBO, estampou em sua capa e na página 3 da edição de 14/3/2006 informações detalhadas sobre as armas e investigações, mas nada sobre as comunidades. A procura por esse tipo de informação nos meios de grande circulação era inútil: notas pequenas e poucas declarações de moradores, quando existam, era o que se podia ler. O JORNAL DO BRASIL seguiu a mesma linha editorial, mas com uma exceção. Uma repórter do diário ficou presa, logo na primeira semana, no que foi classificado como “front de guerra”, seguindo o modelo de criminalização da probreza “guerra-inimigo-favela”. No entanto, por alguns minutos, a repórter viveu o que os moradores das comunidades vivem diariamente.
Ela registrou: “O barulho ensurdecedor dos estampidos se misturava aos gritos dos comandantes ‘Atenção! Recuar! Lado esquerdo! Lado Direito!’. Juntei-me ao grupo que estava no interior de uma padaria. Abriguei-me atrás do balcão e, agachada, fui até a parte de trás do estabelecimento, no espaço reservado ao forno. (…) Ali estavam dois homens que voltavam do trabalho e três mães, desesperadas, sem notícia dos filhos, sumidos no meio da escuridão imposta pela tropa (desde o início da ocupação, o Exército impede que o gerador de luz da praça seja ligado). Nervosa, a dona da padaria rezava e tentava ligar para o filho que trabalhava na Central do Brasil. Quando conseguiu discar o número, o barulho de nova saraivada de balas impediu que ela conseguisse fazer o apelo: pedir que o rapaz pegasse R$ 20 emprestados com o patrão para dormir em algum hotel barato da região. ‘Não volte para casa. Pelo amor de Deus. Começou tudo de novo’, dizia, entre lágrimas.” (JB, 10/3/2006)
(Por Gustavo Barreto)