[Por Marina Schneider] “Eleições podem impor retrocesso às reformas”. Um artigo de opinião com esse título publicado em um jornal tido com um dos mais importantes do país já seria de chocar qualquer pessoa que valorize, minimamente, a democracia. Deixaria mais pasmo ainda aquele leitor que, de alguma forma, julgue que a mídia tem um papel a prestar na sustentação desse tipo de regime. Pois bem. Isso não é um artigo em que algum reacionário ultraconservador consegue espaço para expor sua opinião e defender as “reformas” do desgoverno Temer. É a coluna da repórter especial do Valor Econômico, Angela Bittencourt, da editoria de economia, publicada no dia 24 de julho. Ela começa dizendo que a eleição de 2018 “poderá minar o esforço empreendido até agora para aprovar reformas estruturais com o objetivo de promover uma recuperação econômica, capaz de minimizar os efeitos inquestionáveis da Operação Lava-Jato sobre a atividade”. Além de adotar como seu o discurso do governo e afirmar que tais reformas têm o intuito de recuperar a economia – o que sabemos ser bastante duvidoso já que a única certeza possível com as reformas trabalhista e da previdência é o fim de direitos conquistados com muita luta – a autora dá a entender, com a maior naturalidade, que eleições podem ser um problema para o bom andamento da economia. Depois, chegando a entrar em contradição com o próprio título, ela afirma que os “grandes investidores” acreditam ser de 90% a probabilidade de continuidade das reformas num próximo governo. Em seguida, a jornalista traz a opinião de uma fonte identificada apenas como “nosso interlocutor” sobre candidatos com chances de despertar confiança de investidores. Entre os “confiáveis” estão os tucanos João Dória e Geraldo Alckmin. Ou “qualquer candidato do partido”, já que, segundo a fonte oculta, o PSDB “é um atestado de qualidade política e econômica”. Sabemos que essa é a opinião de parte dos empresários, entre estes muitos donos da mídia. Mas será que nem passou pela cabeça da jornalista que, desde o título, o texto poderia, no mínimo, “pegar mal”? Provavelmente não. O momento é tão grave que parte da mídia nem tenta disfarçar sua falta de apreço pela democracia, por mais paradoxal que isso possa parecer.