Por Leonardo Fuhrmann, outubro de 2005, no Consultor Jurídico
 

O massacre do Carandiru completa 13 anos neste domingo, 2 de outubro. O prédio onde 111 presos foram executados pela polícia paulista foi implodido para dar lugar a um parque. O episódio rendeu filmes, livros e músicas. Dos  cerca de 120 supostos autores do crime, apenas um foi julgado. Nenhum está preso. As autoridades paulistas da época continuaram suas vidas públicas. Mais: as  mortes viraram tema de campanha eleitoral. A exemplo do prédio onde ele aconteceu, é quase como se o massacre não existisse.

O então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho (PTB), é deputado federal, foi candidato à presidência da Câmara dos Deputados e é um dos integrantes da Frente Parlamentar pelo Direito da Legítima Defesa. Seu secretário de Segurança Pública, Pedro Franco de Campos, voltou a ser procurador de Justiça. Ele foi um dos integrantes do Órgão Especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público do Estado de São Paulo que votou pelo vitaliciamento do promotor Thales Ferri Schoedl, que matou um jovem e feriu outro durante uma discussão em Bertioga, no litoral paulista.

No entanto, quem melhor soube tirar proveito de suas atitudes naquela tarde foi o coronel Ubiratan Guimarães, o único condenado pelas mortes do Pavilhão 9 do presídio. O número 111 foi usado em sua primeira campanha eleitoral e o então comandante do Policiamento Metropolitano se tornou deputado estadual, explorando o discurso da segurança pública. Dos 632 anos a que foi condenado pelo 2º Tribunal do Júri, não ficou um dia sequer preso, pois recebeu o benefício de recorrer da sentença em liberdade, por ser réu primário.

Com o mandato parlamentar, o antigo militar conseguiu que o processo contra ele fosse para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os 25 desembargadores mais antigos do estado devem decidir nos próximos meses o futuro do deputado. O relator do caso já fez a sua análise e o processo está desde o dia 1º de setembro nas mãos do revisor. A esperança do Ministério Público é que, com a Emenda Constitucional 45 – que tirou os integrantes dos órgãos especiais dos julgamentos nas câmaras -, o processo seja julgado ainda neste ano.

Caso não mantenham a condenação ao deputado, os desembargadores terão de fazer um novo julgamento, desta vez com o foro especial garantido às autoridades estaduais. O julgamento não precisa ser no mesmo dia em que o Órgão Especial decide sobre o recurso do coronel contra a sua condenação.

Mas o caso do comandante do Massacre do Carandiru não termina aí. Da decisão do TJ-SP ainda serão possíveis recursos ao STJ e ao STF. Ainda assim, o processo contra Guimarães é o que está mais próximo de sua decisão final.

A acusação contra os policiais militares que participaram da invasão do presídio ainda está na fase de pronúncia. A primeira pronúncia contra os PMs foi derrubada por um recurso no TJ-SP, em que os policiais apontavam falhas quanto às acusações de lesões corporais nos detentos sobreviventes. A nova pronúncia foi feita e também foi contestada no tribunal. Os desembargadores ainda não votaram este recurso.

Tanto tempo depois, fica até difícil para os promotores saberem quantos são os réus do caso. “No começo, eram 120 policiais, mas alguns deles já morreram e, em outros casos já houve a prescrição”, afirma o promotor Norberto Jóia. Ele evita apontar culpados para a demora no julgamento, e diz que o excesso de réus no mesmo processo e o começo do caso na Justiça Militar atrapalharam o andamento do processo.

O Massacre do Carandiru teve repercussão internacional. Os policiais militares invadiram o presídio para por fim a uma rebelião, que começou após uma briga entre detentos. De acordo com a denúncia oferecida pelo Ministério  Público, apesar do grande tumulto e de sinais de fogo, não havia perigo de fuga. Com a chegada da Polícia Militar, os presos colocaram faixas brancas nas janela como sinal de rendição e muitos deles jogaram seus estiletes no pátio.

Segundo as investigações, os PMs dispararam contra os presos com metralhadoras, fuzis e pistolas automáticas. Os tiros atingiram principalmente as partes vitais, como a cabeça e o tórax. Na operação também foram usados cachorros para atacar os detentos feridos. Ao final do confronto foram encontrados 111 detentos mortos: 103 vítimas de disparos (515 tiros ao todo)  e 8 mortos devido a ferimentos promovidos por objetos cortantes. Não houve policiais mortos. Houve ainda 153 feridos, sendo 130 detentos e 23 policiais militares.

O pavilhão 9 reunia presos jovens, a maioria condenada por crimes contra o patrimônio. Segundo levantamentos das entidades de defesa dos Direitos Humanos, 80% ainda esperavam por uma sentença definitiva da Justiça, ou seja ainda não haviam sido condenados. Só 9 presos tinham recebido penas acima de 20 anos. Dos mortos, 51 tinham menos de 25 anos.
 
 

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Publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico, 2 de outubro de 2005.