Processo contra a família Marinho vai a julgamento nos próximos dias. Da Tribuna da Imprensa, 15 de fevereiro, 2005

A juíza Maria Helena Pinto Machado Martins, da 42ª Vara Cível, será responsável pelo julgamento do processo que os herdeiros da família Ortiz Monteiro movem contra o espólio de Roberto Marinho e a TV Globo Ltda, com objetivo de retomar o controle da antiga TV Paulista (hoje, TV Globo de São Paulo, responsável por mais de 50% do faturamento da rede.

Os autores da ação alegam que Roberto Marinho assumiu o controle da emissora utilizando documentos falsificados, segundo laudo pericial emitido pelo Instituto Del Picchia de Documentoscopia. Assim, se a juíza reconhecer a inexistência do ato jurídico (a suposta venda das ações majoritárias da TV Paulista a Roberto Marinho), a propriedade da emissora terá de ser devolvida à família Ortiz Monteiro.

O processo contra o espólio de Roberto Marinho é acompanhado com atenção especial em função não somente de seu ineditismo, mas também do poderio econômico das partes envolvidas. Também desperta atenção no meio forense o procedimento dos advogados da família Marinho e da TV Globo Ltda., que têm tentado inviabilizar a tramitação do processo. Para impedir o prosseguimento da ação, eles chegaram a fixar o valor da causa em aproximadamente R$ 100 milhões, buscando desestimular os autores da ação, diante dos riscos da chamada sucumbência (em caso de derrota, eles teriam de pagar cerca de R$ 10 milhões aos advogados da TV Globo Ltda. e do espólio de Marinho).

Na disputa sobre o valor da causa, os irmãos Marinho (Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto) foram derrotados em primeira e segunda instâncias, com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro reconhecendo que deveria ser tomado como padrão o valor do contrato da época da suposta negociação e não o valor atualizado da TV Globo de São Paulo. Derrotados nessa disputa, os advogados da família Marinho sequer tentaram recorrer ao Superior Tribunal de Justiça.

Perícia: Roberto Marinho usou documentos falsos

Segundo o laudo pericial do Instituto Del Picchia de Documentoscopia, todos os documentos usados por Roberto Marinho para assumir o controle da emissora, que foram anexados ao processo pelos próprios advogados do espólio e da TV Globo, são espúrios, com datas fictícias e conteúdo contraditório, tendo sido grosseiramente falsificados.

Diante dessa constatação do Instituto Del Picchia, os autores da ação denunciaram formalmente a falsidade dos documentos, e a técnica documentoscopista Denise Gonçalves Rivera foi então nomeada para atuar como perita judicial no processo.

Datilografia

Em seu laudo, a especialista Denise Rivera também reconheceu que os documentos (recibos, procurações e substabelecimentos) eram falsos, pois apesar de ostentarem datas de 1953 e 1964, todos foram produzidos em 1975, em uma mesma máquina de datilografia. A perita afiançou que outros recibos, datados de 5 de dezembro de 1964, também teriam sido datilografados depois de 1971, visto que a máquina usada só foi lançada no Brasil naquele ano.

Também o laudo do documentoscopista Celso Del Picchia mostra que houve uma farsa, montada com os documentos reprográficos (cópias xerox, sem originais), que foram anexados ao processo pela família Marinho para tentar justificar a ilegal transferência do controle acionário da emissora de São Paulo.

Advogados mudam a linha de defesa

Como jamais poderá ser aceita judicialmente a alegação de que Roberto Marinho comprara a Rádio Televisão Paulista S/A usando os documentos já declarados falsos, os advogados do espólio do jornalista e da TV Globo decidiram mudar a versão. Passaram a sustentar que, de fato, Roberto Marinho não fizera negócio com os irmãos Ortiz Monteiro, que eram os controladores da TV Paulista.

Nessa nova versão, os advogados dos irmãos Marinho começaram a afirmar em juízo que as ações da TV Paulista foram adquiridas do executivo Victor Costa Petraglia Geraldine Júnior, que as teria herdado de seu pai, Victor Costa, que, por sua vez, as teria adquirido em 1955 da família Ortiz Monteiro.

Contrato

Em recente petição, anexada ao processo, os advogados da família Marinho confirmaram taxativamente a nova versão: “Frise-se, ainda outra vez, que Roberto Marinho não comprou as ações em fulcro de Oswaldo Junqueira Ortiz Monteiro e seus constituintes supra nomeados, mas adquiriu os direitos sobre elas de Victor Costa Petraglia Geraldine Júnior, que, por sua vez, as herdou de seu pai”.

Ocorre, porém, que Victor Costa jamais foi dono da TV Paulista, pois firmara com os irmãos Ortiz Monteiro apenas um contrato condicionado, que teria de ser previamente aprovado pelo Ministério das Comunicações, o que jamais aconteceu. Portanto, em razão do descumprimento da cláusula condicionada, na verdade as ações da TV Paulista não foram legalmente transferidas a Victor Costa e continuaram sob domínio dos irmãos Ortiz Monteiro.

Advogados criam “usucapião acionário”

Em desespero diante da falta de procedência das duas contraditórias versões apresentadas para justificar a pretensa compra da TV Paulista, os advogados do espólio de Roberto Marinho e a TV Globo então decidiram apelar para que o Judiciário reconheça, de qualquer forma, a legitimidade do controle acionário que exercem sobre a emissora de São Paulo. Agora, passaram a utilizar como suporte o argumento de que teria ocorrido uma espécie de “usucapião acionário”.

Com tal objetivo, os advogados da TV Globo e do espólio de Roberto Marinho sustentam nos autos

, de forma simplória, que “ainda que se queira desconsiderar todos esses negócios e documentos, não há como fugir da constatação de que, de todo modo, Roberto Marinho teria se tornado delas (as ações vertentes) proprietário “ad usucapionem”. Ou seja, os defensores da família Marinho pretendem que a Justiça reconheça “por usucapião” o esbulho fraudulento de ações que pertenciam a mais de 600 pessoas, assim como a transferência de uma concessão de TV que a legislação exige ter aprovação prévia do Ministério das Comunicações.

Suspeição

Mereceu especial destaque nesse processo o fato de o juiz da 41ª Vara Cível, Leandro Ribeiro da Silva, após ter fracassado na busca de um acordo entre as partes, inesperadamente ter-se declarado suspeito para julgar a ação, em decorrência de uma alegada amizade com um dos advogados.

Por conta disso, o processo foi encaminhado ao juiz da 42ª Vara ou a quem lá estivesse atuando, mesmo que provisoriamente. Tal situação inesperada fez com que a importante ação não ficasse vinculada a nenhum magistrado especificamente, o que propiciou oportunidade para que nada menos que sete juízes, em apenas dois anos, pudessem despachar e decidir questões atinentes ao processo, sem por ele responder efetivamente.