Por Sheila Jacob – NPC
Mesmo com as novas tecnologias, ainda é imenso o poder da TV na formação de coração e mentes no Brasil hoje, reconheceram os palestrantes na mesa sobre a Televisão no Brasil. Como o jornalista Laurindo Leal lembrou, a TV é ainda o principal meio de informação no país, presente em nossa vida não apenas dentro de casa, mas também nos consultórios médicos, ônibus e metrôs. “O problema é que por essas telas, presentes em todos os lugares, transita o pensamento único. A TV se consolidou como meio comercial. O coronelismo eletrônico, ou seja, a concentração de canais nas mãos de poucas famílias é herdeira do coronelismo fundiário em nosso país. É ela que impõe as decisões políticas a toda a sociedade”, ressaltou.
O que agrava ainda mais essa situação é o fato de não haver, ao contrário do que acontece em outras áreas, nenhuma forma de regulação dos meios audiovisuais, logo o que transmite ideias e valores. “Essa é uma mercadoria peculiar, porque atinge a alma das pessoas. As televisões não são mediações, como se costuma pensar. Elas fazem a ordenação da sociedade. São elas que escolhem as pautas e orientam o público em torno de determinadas ideias”, disse. Nesse momento ele lembrou Marx ao afirmar que as ideias dominantes em uma sociedade são as ideias da classe dominante. Como é este grupo que domina os meios de comunicação, o que é do seu interesse é disseminado a toda a população. É o caso de valores naturalizados como o conservadorismo, o consumismo, o individualismo e as ideias de ódio. “Ficamos sabendo, com tristeza, que um menino foi assassinado pelo próprio pai por ter posição ideológica diferente. Há responsabilidade da mídia sobre isso, que diariamente nos diz que a solução dos problemas se faz por meio da violência. Basta lembrar os programas policialescos de todas as tardes”, pontuou.
Mentiras que viram verdades
Outra questão cruel é com relação às mentiras que viram consensos, como quando dizem que lideranças do MST são donas de fazenda. “A televisão fala as mentiras com alto falante. As respostas, que desmentem essas afirmações, nunca são transmitidas ao mesmo público da mesma forma”. Para ajudar a refletir sobre essas questões, o palestrante indicou um texto fundamental de Otavio Ianni, intitulado “Príncipe eletrônico”, que trata do deslocamento da arena política para a TV. Lalo lembrou a atuação do Instituto Millenium, que reúne dirigentes e jornalistas da mídia hegemônica que formulam ideias como se fossem de um partido político. Ele lembrou ainda a declaração, em 2010, da presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Maria Judith Brito. Na ocasião, ela chegou a declarar que os meios de comunicação faziam o papel de oposição política no país, já que, naquele momento, “a oposição esta[va] profundamente fragilizada”. Uma das linhas de atuação dessa mídia é a criminalização diária da política, o que conseguiu eleger candidatos que exploravam esse perfil em seus discursos – como é o caso de João Dória (PSDB), em São Paulo.
Para tentar alterar esse quadro, Laurindo Leal Filho apontou dois caminhos possíveis de resistência. Um é a regulação dos meios audiovisuais. “Basta que se regulamentem os capítulos da Constituição Federal que tratam da comunicação para que avancemos nessa questão”. Outra sugestão foi o fortalecimento da comunicação pública, para fazer frente a programas como a entrevista com Michel Temer feita pelo programa Roda Viva.
É preciso quebrar as TVs
A filósofa Márcia Tiburi começou sua fala fazendo uma instigante provocação: que tal iniciarmos a revolução quebrando as TVs ou desligando nossas televisões para sempre? A partir daí, ela contou sua experiência na televisão como apresentadora do programa “Saia Justa”, o que a incentivou a escrever um livro sobre filosofia e televisão, intitulado “Olho de vidro: a televisão e o estado de exceção da imagem” (Record, 2011). Suas reflexões foram orientadas por pensadores da televisão. Confrontada por sua mãe, que a questionou como ia escrever um livro sobre o assunto sem ver TV, chegou ao conceito de “telespectador selvagem”: mesmo que não tivesse TV em casa ou simplesmente não a ligasse, descobriu que ela estava presente em todos os lugares públicos: na rua, na lanchonete, no restaurante, no ônibus, no saguão do hotel etc. “E aí percebi como a TV nos ilude do real e do ao vivo: um funcionário do hotel em que eu estava hospedada perguntou aos meus amigos como era possível eu estar ali e na televisão ao mesmo tempo. Percebi o grau de simulação de ilusão”, contou.
Ao escrever o livro, lançou-se em uma pesquisa prática: em todos os lugares a que ia, sempre perguntava se podia desligar a televisão, e em nenhum lugar foi permitido. “Podemos dizer que há ditadura do televisivo, e essa ditadura é política e é estética”. Uma das questões que a moviam era o fato de não percebermos como a TV funciona como uma droga: “a gente não percebe como está bêbado de televisão. A TV injeta sentimentos, afetos. A TV nos leva a amar e odiar. O ódio é um desses elementos infiltrados, construídos. E ele era necessário, por exemplo, para o golpe acontecer”, afirmou.
Olho de vidro
Seu livro é dividido em três partes. Na primeira, “Olho”, parte da metáfora do olho de vidro e reflete como vemos aquilo que olhamos e como a TV nos faz ver. “É como se fosse um olho fora da gente. É uma prótese do conhecimento, o que dá sentido para a vida. A TV é muito importante e invade o seu lugar de intimidade, que é a sua casa”, disse. As outras duas seções são “Tela” e “Distância”, que tratam da figura do telespectador formado a partir de uma relação com o aparelho televisivo que não passa pelo diálogo: a TV é apenas discurso. “A imagem é de um sujeito que fica em frente à TV, controlado pelos discursos, repetindo as frases e ideias, acompanhando as novelas, sem a real possibilidade de interagir. Por isso sugiro uma greve geral midiática: para salvar os sujeitos que se tornam zumbis na frente das telas da televisão e de outras mais facilitadoras, como as telas dos computadores e dos celulares”, concluiu.
Quando questionada sobre se há ou não capacidade de resistência por parte dos espectadores, Márcia disse partir de uma investigação que constata que a TV tem o poder de impor ideias. “Evidências mostram que, no seu conjunto, os sujeitos não têm livre arbítrio. Você é colocado em frente à tela para achar que está pensando, querendo, desejando. Por isso digo que a TV passou a ser prótese de conhecimento, manipulando os desejos”. Laurindo Leal disse concordar com a avaliação de Márcia, mas disse acreditar em outras formas contra-hegemônicas de se fazer televisão.
Ao final de sua palestra, Márcia indicou algumas leituras aos comunicadores presentes:
“Dialética do esclarecimento”, onde Adorno e Horkheimer desenvolvem o tema da “Indústria cultural”.
“A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord.
“Sociedade excitada: filosofia da sensação”, de Christoph Türcke.
“Sociedade fissurada: Para pensar as drogas e a banalidade do vício”, de Márcia Tiburi e Andrea Costa Dias.
“Filosofia da Caixa Preta – Ensaios para uma futura filosofia da fotografia”, de Vilém Flusser.