Por Sulamita Stelián, setembro de 2004
Mais do que a recusa a qualquer forma de balizamento de sua atividade, a grita da mídia em torno da criação do Conselho Federal de Jornalistas traduz um fato: a elite tupiniquim, tão bem representada pelos veículos de comunicação, não se conforma em ser governada por um pé rapado. Só que não tem peito para escancarar o preconceito – e o viés golpista -, como ocorreu na Venezuela. Então, vale-se de pequenos expedientes para tentar desacreditar Lula e seu governo. Joga com a desinformação e com o fantasma de um esquerdismo, que nem o próprio Lula e seu governo professam, para confundir a opinião pública.
É bom que fique bem claro: o projeto de lei que cria o conselho é da lavra da Fenaj – Federação Nacional dos Jornalistas, entidade que reúne todos os sindicatos e cerca de 30 mil jornalistas de todo país. É fruto de décadas de discussão e foi aprovado em dois congressos da categoria, e referendado por unanimidade no último congresso, no início de agosto deste ano, no Piauí. Há pelo menos 10 anos, Fenaj e sindicatos empenham-se junto ao governo federal para sua aceitação e encaminhamento ao Congresso Nacional. Por tratar-se de uma autarquia, é do Executivo Federal a prerrogativa de propor a criação de um órgão desta natureza. O governo Lula mostrou-se sensível à reivindicação da categoria: acatou e enviou o projeto de lei para o debate no Legislativo.
Ao contrário do que se apregoa, não estão em jogo a liberdade de imprensa e de expressão. O que se quer é o direito de regulamentar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional. A exemplo do que acontece com advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, psicólogos e assistentes sociais, entre outras profissões definidas em lei. O que se busca é uma instituição que zele pela qualidade da informação e pelo exercício ético do jornalismo. Um instrumento que, longe de cercear, objetiva combater a manipulação, a distorção dos fatos, o império dos interesses escusos. E isso é do interesse da sociedade.
Parece simples, mas não é. A linha que separa a liberdade do cerceamento é muito tênue, quase imperceptível. No entanto, cabe perguntar que tipo de liberdade de expressão se defende: o direito dos donos de veículos de comunicação e de seus arautos publicarem ou divulgarem o que bem entendem, da forma que bem quiserem? Ou o direito de seus leitores, ouvintes, espectadores serem informados? Ou seria a liberdade de imprensa o direito da fonte, da personagem da notícia, do cidadão ser respeitado e obter reciprocidade quando se sentir prejudicado? É saída fácil, subserviente e corporativa, repudiar qualquer legislação democrática que dê à sociedade instrumentos para enfrentar erros, prepotência, distorções e manipulação da notícia. A imprensa fiscaliza todo mundo, quem fiscaliza a imprensa? O debate está posto.
Defendo a criação do conselho. Se o projeto precisa ser aperfeiçoado, que o Legislativo Federal o faça, com o acompanhamento da opinião pública. Todavia, admito que é apenas um passo, o primeiro. Governo, jornalistas, publicitários, comunicadores, sociedade precisam encarar uma parada mais dura: a quebra da concentração, do monopólio da comunicação nas mãos de alguns poucos eleitos, sempre os mesmos. Alguém terá que botar o guizo no pescoço do gato.
Sulamita Esteliam é jornalista. Edita o Jornal dos Bancários e coordena a Assessoria de Comunicação do Sindicato dos Bancários de Pernambuco. Contato: sulamita@sindbancariospe.com.br