[Por Jéssica Santos] O programa Quintas Resistentes recebeu Pedro Gabriel Delgado para abordar o tema Luta Antimanicomial no dia 14 de abril.  Ele é professor do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro e uma das lideranças do movimento pela Reforma Psiquiátrica na década de 1970.

Para compreender as lutas antimanicomiais é necessário refletir sobre os estigmas e estereótipos que acometem as pessoas que estão em sofrimento mental. O professor Pedro Gabriel afirma que esse sofrimento tem diversas maneiras de se apresentar como fenômeno e vai acometer as pessoas porque é inerente à condição humana. Para ele, na base do estigma e do preconceito está a ideia de que a doença mental afeta pessoas marcadas por um destino trágico ou que são radicalmente diferentes. Desta forma, se pensa que essa diferença desqualifica e a pessoa é vista com menos valor, como menos capaz e às vezes, até mesmo, como perigosa. “De onde nasce o estigma? Nasce dessa ideia de que há algo essencialmente diferente na experiência humana da loucura do que é a experiência humana das outras pessoas. E eu digo que não há nada mais humano do que a loucura”, afirma.

No que se refere a Reforma Psiquiátrica, o professor lembra que o modelo manicomial não é fruto direto da ditadura, uma vez que que já foi adotado em diferentes países e contextos sociais. Entretanto, mostrou-se ser funcional para o regime autoritário brasileiro iniciado em 1964. Entre 1966 e 1981, houve um aumento gigantesco de leitos psiquiátricos em cidades grandes e médias, muitas financiadas pelo próprio governo. “Esse modelo era financiado pelo Estado, então tinha uma relação direta e estrutural de financiamento e manutenção. Segunda relação que se constata em nossa história, tragicamente, são as internações involuntárias de pessoas que, sofrendo ou não, eram dissidentes políticos do regime. Elas ficaram internadas indefinidamente por serem militantes”, explica o professor, destacando o quanto isso significava uma brutalização dos direitos políticos, civis e da própria vida das pessoas. Ao explicar por que houve tanto investimento em manicômios privados no período de 1966 e 1988, o professor lembra o processo de privatização da saúde, não só no que tange os hospitais psiquiátricos. “A saúde se tornou mercadoria”, observa.

A Reforma Psiquiátrica iniciada no final da década de 1970 denunciava as atrocidades que aconteciam nos manicômios, utilizados como operadores da exclusão. Com a luta dos profissionais da saúde, a pauta foi avançando a Constituição Cidadã de 1988 possibilitou avanços nesta luta. “Do mesmo jeito que o SUS nasceu da luta contra as injustiças, a Reforma Psiquiátrica também, caminhando junto no âmbito da luta pela Reforma Sanitária”, explica o professor.

Se nos anos 1990 observou-se avanços na área com a criação e expansão de diversos serviços, tais como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e as Residências Terapêuticas. Desde 2016, no entanto, há uma interrupção desse crescimento. De acordo com o professor Pedro Gabriel, desde o governo de Michel Temer, há um regime de destruição das políticas de inclusão social no Brasil. “O processo de criação dessa rede estava intenso, crescente e regular. Era uma política de Estado. De 2016 para cá, há um esforço de destruição. Agora é uma destruição que não está sendo bem-sucedida por causa da resistência. A população já sabe que os serviços têm forças e fragilidades. São serviços abertos, permanentes, disponíveis. Tem problemas e precarização do trabalho, mas eu acredito que a população conhece esse modelo de tratamento”, afirma.

Nise da Silveira

De acordo com o professor Pedro Gabriel, Nise da Silveira é extremamente importante para a história da Psiquiatria do Brasil e para a luta antimanicomial. A Dra. Nise, como era carinhosamente chamada por seus colegas de profissão, trabalhou em um hospital psiquiátrico localizado no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Durante a Ditadura Vargas, ela foi presa política. Após a prisão, voltou ao seu trabalho no com o que na época já chamava de terapia ocupacional. “Eu conheci a Dra. Nise, não trabalhei com ela, mas a conheci pessoalmente. Ela fazia reuniões e visitas a um serviço que ela mesma criou que se chama Casa das Palmeiras, criada em 1956. É um dos primeiros serviços com esse modelo do que hoje chamamos de CAPS. Ela não só trabalhou lá no hospital no Engenho de Dentro, como criou a Casa das Palmeiras”, lembra.

O professor atuou como psiquiatra Hospital no Engenho de Dentro e lembra como a Dra. Nise trabalhava com o modelo teórico Jung, do inconsciente se expressar esteticamente através de obras de arte. “Ela trabalhava com os pacientes estimulando muito a criatividade. E esse era um modelo de tratamento totalmente diferente do modelo absolutamente restritivo da época, baseado na privação da liberdade, imobilização, quarto forte”, explica.