Em entrevista coletiva realizada na última terça, 13 de agosto, no Rio de Janeiro, advogados do Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (IDDH) ressaltaram que as prisões de manifestantes atendidos pela organização nos meses de junho e julho tiveram caráter político. Eles atenderam várias pessoas que foram presas e tiveram seus direitos violados durante os protestos. Entre estes manifestantes estavam Anderson de Oliveira Fernandes, Bruno Ferreira Teles, Caio Brasil Rocha, Jorge Luis Chaves de Jesus, Vagner Ferreira da Silva e Sandro Chrispino, que foram parar em presídios. Eles falaram sobre a experiência de perderem a liberdade de forma arbitrária. Também participou da coletiva Armando Herz de Faria, o único do grupo que não foi levado para uma prisão, mas permaneceu detido por algumas horas na 5ª Delegacia de Polícia. A estimativa é de que 400 pessoas tenham sido detidas durante as manifestações no Rio de Janeiro.
Os seis manifestantes que passaram dias na cadeia eram pardos ou negros. Armando, o único que foi liberado após passar horas na 5ª Delegacia de Polícia, no Centro do Rio, é branco, estudante universitário e morador da Barra da Tijuca. Coincidência? Para Carlos Eduardo Martins, advogado do IDDH, a seletividade penal é uma marca histórica do Direito Penal brasileiro e a polícia procura perfis determinados de manifestantes. “É um resquício da nossa cultura política, do processo posterior à escravidão que incidiu sobre o negro e o pardo, com quem esse país tem uma dívida histórica muito larga. Esse acabou sendo o norte condutor das agências policiais”, opina. Ele explicou que o IDDH atua em todos os casos em que considera que os manifestantes vão às ruas usufruindo do direito constitucional de expressar seu direito de opinião e associação.
Os advogados reclamam da burocracia que faz com que haja espera de dias entre a emissão do alvará de soltura e a efetivação da liberdade dos presos. Eles também criticaram a mídia tradicional, que tem sistematicamente reproduzido o discurso do Estado. A atuação da polícia civil, geralmente acatando sem qualquer investigação o que a polícia militar aponta também foi alvo de críticas. “A polícia civil está subscrevendo o que a polícia militar define sem questionar”, apontou o advogado André Mendes.
A experiência na prisão
Segundo os advogados, os argumentos da polícia para que fossem realizadas prisões preventivas dos manifestantes não se sustentavam e essas prisões funcionaram como uma intimidação promovida pelo sistema penal. “As prisões preventivas foram feitas como tentativa de calar os movimentos sociais e as classes populares”, afirmou.
“Quando a presunção de inocência começa a ser desrespeitada é sintoma de um mau chamado autoritarismo, que funda as razões de um Estado que não é mais um Estado democrático de direito e sim um Estado policial”, aponta Carlos Eduardo Martins. “Temos que ler e interpretar essa situação como um Estado policial que entra subterraneamente no Estado democrático de direito e se embrenha dentro das normas e faz uma subversão do regramento constitucional”, ressalta.
O estudante Caio Brasil Rocha, foi preso junto com Juliana Viana na manifestação do dia 17 de junho, no Centro do Rio. Eles foram acusados de ter roubado duas malas e uma bolsa de mão de uma loja que foi saqueada. Caio foi levado para o Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu. Logo que chegou recebeu a notícia de que não teria o cabelo cortado, pois não estava certa sua permanência na prisão. Horas depois, ele, que tinha cabelo longo, teve a cabeça raspada para tirar a foto de identificação, o que considerou uma violência simbólica. “Me senti condenado pela mídia e pelos governantes antes mesmo de ter sido julgado”, disse, ressaltando que sua prisão foi política.
Vagner Ferreira da Silva, servente de pedreiro, foi preso no mesmo dia e acusado de roubar bombons e sandálias. Ele dividiu cela com Bruno e lamenta que o programa da TV Globo, RJ TV, tenha noticiado que ele já estava solto quando na verdade ainda estava no presídio em Bangu, onde ficaria por mais três dias até que o alvará de soltura fosse cumprido.
Anderson de Oliveira Fernandes foi preso em uma manifestação no Leblon, na Zona Sul do Rio, em 17 de julho, acusado de depredar lixeiras, colocar fogo em placas e atirar rojões. De acordo com os advogados do IDDH, esta foi outra prisão preventiva que não se sustentava. Ele afirmou que os presos sofrem humilhações de todos os tipos, principalmente pressão psicológica, mas muitos também apanham caso não façam o que os funcionários do presídio determinam. “Vi presos apanhando. O tratamento é desumano. Você só pode falar ‘sim, senhor’ e ‘não, senhor’”, disse. Ele ficou quatro dias incomunicável e sem banho de sol. Bruno Ferreira Teles, preso após ser acusado de jogar o coquetel molotov na direção da polícia na manifestação que aconteceu em 22 de julho, em Laranjeiras, aproveitou para agradecer a todos que postaram vídeos na internet que ajudaram a inocentá-lo.
Sandro Chrispino foi brutalmente agredido por policiais na Cinelândia no dia 31 de julho após a retirada de manifestantes que ocupavam a Câmara Municipal. Ele estava com duas bombinhas de São João (também conhecidas como ‘cabeção de nego’). Ficou preso no Complexo Penitenciário de Bangu até 7 de agosto mesmo tendo a liberdade provisória concedida no dia 1º de agosto.
Soltos, mas ainda sem liberdade
Alguns manifestantes que foram soltos continuam sofrendo efeitos da prisão. Armando Herz Faria está impedido pela Justiça de participar de outras manifestações. Já Caio Brasil Rocha, que também é estudante, não pode permanecer na rua após as 21 horas.
Manifestante permanece na cadeia há mais de 50 dias
O ex-guarda municipal Marcus Ribeiro, foi preso em uma manifestação no dia 20 de junho, em Búzios, na Região dos Lagos. Ele é acusado de ter atirado uma pedra na janela de um ônibus da Viação Salineira e é o único manifestante atendido pelo IDDH que continua preso. Os advogados pretendem levar o caso ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. “Esse rapaz está sofrendo uma grande injustiça”, afirmou Carlos Eduardo Martins.