Marcos Dantas, durante o 15°Curso do NPC
[Por Marília Gonçalves] O professor Marcos Dantas, da UFRJ, foi palestrante do 15° Curso Anual do NPC. Em entrevista concedida antes da realização da Confecom, ele conversou com o Boletim NPC sobre TV paga, acesso às novas tecnologias e novo marco regulatório para a Comunicação no Brasil. Confira a entrevista.
NPC: Na sua palestra no curso anual do NPC, o senhor afirmou que, daqui a 10 anos, só haverá TV paga no Brasil. Há ainda alguma possibilidade disso não acontecer?
Marcos Dantas: Eu não afirmei exatamente isto. Afirmei que, em função do que se pode observar como um todo, no período de uma década a TV paga deverá ser dominante também no Brasil. Em alguns países do mundo, hoje praticamente toda a população (todas as casas com televisão) assiste a canais de TV paga. Num país como o Brasil é muito possível que este fenômeno se repita – não há nenhuma razão para acreditar que não.
A TV paga ainda não se expandiu desta forma devido ao controle que a Rede Globo conseguiu exercer sobre ela – para não deixar que ela concorresse com a Globo, aberta – mas a Globo não vai conseguir exercer esse controle durante muito tempo.
Por outro lado, por várias características da população brasileira, uma hipótese possível (e ruim) é que você tenha o convívio de dois sistemas: o aberto e o pago. Sendo que as classes média e alta vão assistir à TV paga, enquanto a TV aberta passará a ser exclusiva da população pobre, que não tem recursos para bancar o outro sistema de televisão.
Se isso acontecer será o pior dos mundos. Porque a TV aberta orientada para a população pobre tenderá a ser de um nível pior do que já é hoje. Tenderá a ser cada vez mais popularesca, vulgar, porque essa é a visão que a Indústria Cultural tem do que deve ser enderaçado às camadas menos endinheiradas – basta ver a programação da Bandeirantes, a programação da Record, do SBT…
NPC: Isso já não é o que acontece hoje? Se não fosse o “Gato NET” não seria assim?
M.D.: Sim, exatamente isso. Só que hoje as próprias camadas mais ricas da sociedade não têm acesso completo – a expansão da TV paga ainda é muito restrita – e ainda há, por esses setores, um gosto muito grande pelo menos por um ou dois canais de TV aberta. Todo mundo assiste a Globo, por exemplo, as novelas da Globo, os programas da Globo. Mas a tendência, sobretudo da população jovem, já é assistir cada vez menos a esses canais, e ir para outras coisas – internet, celular, etc.. A medida que a TV paga se expanda, a tendência é cada vez mais essa população jovem de alta renda ignorar a programação generalista da TV aberta.
Agora, nas camadas sociais mais pobres, naqueles grupos urbanizados, que estão inseridos na cidade, e que, por isso, a infraestrutura básica já está instalada, pode acontecer o fenômeno do “Gato NET”. Este fenômeno só é possível porque já existe uma estrutura básica instalada para atender aos bairros ricos, e aí o cara puxa dali o sinalzinho para a favela. Onde essa estrutura básica não existe, não tem como pegar o sinal – e na maior parte do país essa estrutura básica não existe.
NPC: Como explicar que as camadas mais baixas da sociedade consumam mais o popularesco, e, ao mesmo tempo, existe esse boom do “Gato NET”?
M.D.: O “Gato NET” não oferece os 200 canais que a NET oferece – ele oferece 30 ou 20. Obrigatoriamente ele oferece os canais de TV aberta. Acho que se deveria fazer um estudo mais detalhado, mais preciso, mas eu tenho a impressão que a primeira vantagem do “Gato NET” é a imagem. A maior parte do pessoal que assina “Gato NET”, quando não assina, coloca uma palha de aço na ponta da antena. A segunda vantagem devem ser os programas esportivos – o acesso a canais como SportTV e ESPM que falam de futebol. Parece que existem alguns canais, que normalmente são dublados em português, que as pessoas também gostam de assistir. Mas os canais falados em língua estrangeira, mesmo com legenda, não são canais de preferência popular. É claro que estou fazendo aqui afirmações que precisariam de uma pesquisa maior para conferir. Mas é certo que o “Gato NET” não oferece mais do que 20 ou 30 canais e a seleção é possivelmente feita a partir do gosto do assinante.
NPC: Também no curso anual do NPC, o senhor se referiu a jornal e rádio como “meios ultrapassados”. O que seria um meio do futuro? A internet é um meio do futuro? Se for, como garantir a acessibilidade à internet de todos os cidadãos?
M.D.: O jornal tal como a gente conhece hoje tem, no máximo, 100 anos. Então, o jornalismo e o jornalista que a gente conhece hoje fazem parte de um processo social que, como todo processo social, tem um nascimento e uma morte. É muito provável que este jornalismo realmente esteja se transformando. Não vamos afirmar que o jornal impresso ou que a revista impressa vão acabar, mas provavelmente vão ter que mudar muito para segurar um determinado público leitor. Eu não sei o que as novas gerações vão fazer. Os meus filhos, por exemplo, não leem jornal impresso, preferem inclusive ler O Globo na internet. Eu que sou mais velho, de outra cultura, não abro mão do meu papel – qualquer texto que tenha mais de três páginas tenho que imprimir. Mas as telas dos computadores estão cada vez melhores, mais amplas, então pode ser que as novas gerações já não venham a ler impressos. Agora acabou de aparecer aí um livro em formato digital.
Então, eu tenho a impressão que o jornalismo impresso deve mudar, tanto na sua forma quanto no seu conteúdo, para se adaptar a seu novo público. E de fato a maior parte da informação factual, da informação imediata, você começa a recorrer ao que está disponível na rede, no computador.
E aí entra questão que você coloca. Mais uma vez esse processo só pode evoluir democraticamente se a maior parte da população ou toda ela tiver acesso a esses meios. Se isso não acontecer você vai ter mais uma vez o fenômeno da apartação econômica, social, cultural – que já existe hoje. Então torna-se imperativo social, político e também econômico assegurar, num país como o Brasil, que a grande maioria da população possa ter acesso a essas novas formas interativas de se informar, através da infraestrutura apropriada, que é o que acreditamos ser a banda larga.
O programa Banda Larga para Todos precisa ser desenvolvido assim como foi desenvolvido o Luz para Todos. Mas, a gente hoje costuma dizer, por exemplo, que a televisão está presente em 90% dos lares brasileiros – a televisão é, efetivamente, o único meio de comunicação universalizado no Brasil. A televisão surge no Brasil nos anos 50 e começa a ser presença na maioria dos lares brasileiros no final dos anos 90, ou seja, foram aproximadamente 40 anos – praticamente meio século – para ela se tornar um veículo altamente universalizado. Ainda no início dos anos 80, a televisão estava presente em cerca de 70% dos lares brasileiros. A questão agora é saber se nós vamos esperar meio século para universalizar a banda larga, ou se vamos ter uma política pública que force esse processo a acontecer com mais velocidade.
NPC: Mas se considerarmos que o computador surgiu há cerca de 20 anos, o processo de acessibilidade está correndo bem mais rapidamente do que com a TV.
M.D.: A rede que hoje nós chamamos de internet tem, no mundo, menos de 20 anos de existência. Os computadores existem há muto mais tempo nas grandes empresas e grandes instituições acadêmicas, nos Estados Unidos. Essa rede massificada que chamamos de internet data do início dos anos 90, ela rapidamente se espalha, chega no Brasil ainda nos anos 90… e hoje, a rigor, o acesso à banda larga no Brasil não atinge a 10% da população. E o que interessa de fato é a banda larga, se não você não acesso de qualidade à internet. Em outros países do mundo, hoje em dia o acesso já está alcançando 40%, 50% da população. No Brasil são 7%. Precisamos de uma política pública pesada para acelerar esse processo.
NPC: O que seria então fundamental que os movimentos sociais levassem para a Confecom?
M.D.: Banda larga para todos.
NPC: Então essa é a proposta principal desta Conferência?
M.D.: Eu não diria que esta é a proposta principal. Para mim deveria ser. Mas eu acho que a Conferência ainda está muito presa à discussão da radiodifusão.
NPC: Há uma postura política conservadora da esquerda brasileira hoje que está mais preocupada em discutir um legado indiscutivelmente atrasado, de propostas que eram corretas há 30 anos atrás, foram postas na Constituição, mas que não foram efetivamente postas em prática na sociedade.
Então existe uma pós reivindicação com relação a isso. Acontece que ao longo desses anos todos o processo avança, infelizmente essas reivindicações política não tiveram como avançar. Eu diria que nós deveríamos avançar na agenda e não insistir numa agenda que já está superada.
Penso que na Conferência o debate vai ficar muito centrado na radiodifusão e vai ter um espaçosinho para discutir o que o pessoal chama de difusão digital.
Acredito que o que se deveria realmente discutir é um novo marco regulatório, considerado produto de um sistema de comunicação, como uma coisa só, mas, para isto, teria que se discutir um marco regulatório diferente. Não é apenas obrigar a televisão a cumprir o que está no artigo 221 da Constituição, mas obrigar também a internet, também o celular, também a TV por assinatura, também a futura TV Digital.
NPC: Parece que os setores empresariais estão mais interessados em levar essa discussão sobre os meios digitais para a Conferência do que os movimentos sociais. E os movimentos acreditam que isso é para excluir a discussão sobre a radiodifusão.
M.D.: Não. Veja bem, tem dois setores empresariais, que se digladiam entre eles. Então o setor que está sabendo que vai perder a longo prazo a guerra, fica criando porteiras para barrar a entrada do setor que vai ganhar a longo prazo a guerra. Então esse setor que sabe que vai ganhar a guerra quer impedir a construção de barreiras que só vão atrasar a sua evolução. Essa é a questão central. Não é que a radiodifusão esteja temerosa que se dispute o controle sobre ela – também está, mas ela está muito mais temerosa de ser engolida pelas novas forças representadas pela internet, celular, TV por assinatura. Isso é muito mais ameaçador do que os movimentos sociais. E por sua vez a turma das telecomunicações que é a estrutura da internet, do celular, que é a estrutura da TV a cabo e por satélite, é uma turma que quer chegar. A briga é essa. A briga não é sobre o que o movimento social possa estar querendo ou não. E podem até fazer umas pequenas concessões, secundaríssimas para o movimento social, como as rádios comunitárias, Tvs comunitárias… enquanto eles tentam fazer um acordo entre eles. Esse acordo sim que eles precisam.