Por Camila Araújo
Os 20 anos da comunicação sindical foi tema de intensa discussão durante a tarde de quinta-feira (06/11), no segundo dia do Curso Anual do NPC. A coordenadora do Núcleo, Claudia Santiago, foi mediadora da mesa e levantou a necessidade de se pensar no dia a dia da comunicação sindical, a imprescindível preparação dos profissionais sindicais e a obrigação da esquerda em construir uma imprensa a serviço dos trabalhadores.
Os convidados para o debate foram a jornalista do Sindicato dos Químicos Unificados, Ciça Gomes, a assessora de comunicação da Conlutas, Claudia Costa, o jornalista do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Jair Rosa, o professor da UEL Rozinaldo Miani e o professor da UFPE Luís Momesso.
Rozinaldo Miani, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), deu início à palestra expondo a disparidade da universidade com o sindicalismo. Para ele, existem poucos cursos de graduação em jornalismo que tenham formação específica em comunicação sindical; ela é objeto de pesquisa acadêmica, e não uma disciplina. “A defasagem de conhecimentos é muito grande. Quando entrei na imprensa sindical decidi fazer um curso de história para me aperfeiçoar”, explicou.
Ele destacou a importância de se buscar o espaço das universidades para ampliar a comunicação sindical levando em conta a pluralidade dos trabalhadores. “Hoje, como professor vejo como a criação do curso de comunicação comunitária e popular foi primordial para a integração da universidade com a comunidade local”, anunciou Rozinaldo. Para que essa prática se multiplique, segundo ele, é preciso que se determinem diretrizes que apontem para a criação de cursos técnicos específicos para jornalistas sindicais.
Novos desafios da comunicação sindical
A jornalista Claudia Costa analisou as mudanças sociais ocorridas nos últimos 20 anos e as consequências para os trabalhadores e para o movimento sindical. A reestruturação produtiva, trazida pelo neoliberalismo, transformou o modo de produção nas empresas e indústrias. Esse novo modelo previa a diminuição dos gastos do Estado com políticas sociais e ficou marcado pela desregulamentação das condições e dos direitos trabalhistas. A partir desse momento, as empresas desenvolveram duas estratégias: passaram a ter uma comunicação integrada envolvendo assessoria de imprensa, relação com os clientes e comunicação interna, e começaram a investir massivamente em meios sofisticados para se comunicar com os trabalhadores e ganhá-los ideologicamente (através de jornais internos, cartilhas, eventos de confraternização com a família dos trabalhadores, entre outros). Junto com esse processo estava embutido o desejo de derrotar o movimento sindical.
“Foi um desafio. Nós tivemos que nos acostumar com novos os termos e jargões utilizados pelas empresas. Ouso do termo “colaborador” tinha o objetivo de afastar a ideia de submissão e exploração do funcionário, com a falsa ideia de parceria. Era preciso entender aquele processo e passar para os trabalhadores descontruindo o discurso empresarial, sem causar conflito”, relatou Claudia. “Nós, como sindicato de esquerda, tentamos nos abrir, flexibilizando oportunidades de nos integrar e isso foi dando certo. O sindicato se tornou uma referência não só como um espaço do trabalhador, ele também se tornou referência nos assuntos da cidade”, disse Claudia.
Ela também ressaltou o alcance das redes sociais, tendo em vista sua capacidade de mobilização (como por exemplo, as manifestações de junho de 2013). “Além da agilidade na comunicação, elas nos permitem criar uma agenda própria, diferente das que são pautadas pela grande mídia”, avaliou. No entanto, segundo a jornalista, as redes sociais não são suficientes. “As redes sociais podem servir de informação, a gente pode acompanhar o que acontece por ali, mas elas não substituem o jornal impresso porque não chegam aos trabalhadores da mesma forma”, concluiu.
Jair Rosa, jornalista do sindicato dos Bancários de São Paulo seguiu refletindo sobre as novas mídias e como elas podem ser ferramentas eficazes para o trabalho sindical. “Acredito que estejamos vivendo uma revolução na comunicação. Há pouco tempo, o grande evento era o blog, depois foi o Orkut e hoje é o Facebook. A gente precisa se apropriar dessas ferramentas. O nosso desafio diário é conquistar esse trabalhadores para que eles possam participar do sindicato e da luta sindical”, enfatizou.
O jornalista compartilhou a experiência da criação do jornal “Folha Bancária”, uma publicação em braile do sindicato dos Bancários de São Paulo. Ele é distribuído duas vezes por semana e tem tiragem de 100 mil exemplares. A iniciativa já está em sua 36ª edição e é um exemplo para uma comunicação inclusiva. Para ele, a ideia representa um avanço na comunicação sindical. “Tudo começou a partir de uma trabalhadora do Banco do Brasil que era cega e sentiu a necessidade de ser incluída. Ela fazia piquete nas greves, no centro da cidade. Corremos atrás e conseguimos carta branca do sindicato para fazer a Folha. Foi um grande passo. A questão da inclusão hoje tem que ser feita em todos os sindicatos. Assim você consegue se aproximar dos trabalhadores”, contou Jair.
Relação sindicato X universidade
professor da Universidade Federal de Pernambuco, Luís Momesso retomou as reflexões de Rozinaldo Miani sobre a importância de se buscar espaços da universidade. “Não há prática revolucionária sem teoria revolucionária”, essa foi a primeira frase do professor. Para atuar de maneira contra hegemônica, a luta pela comunicação pública é fundamental, bem como a regulamentação das rádios e TVs comunitárias em busca dos próprios espaços.
Ele ponderou que uma das mudanças necessárias na universidade é que se estude sob orientação do trabalhador. Segundo Momesso, a história que estudamos é a do capital, contada pela burguesia. Os trabalhadores precisam registrar suas memórias para, no futuro, se tornarem autores da própria história.
O professor ressaltou também que os encontros de comunicação voltados para os trabalhadores – como esse realizado pelo NPC – são importantes para os sindicatos criarem parcerias com alunos, professores, pesquisadores e outros atuantes do universo acadêmico – tratado historicamente como um espaço da elite. Dessa forma, para ele, é possível organizar as bases sindicais nas universidades, aproximando o povo dessa realidade.
Ele está relançando o livro “Comunicação Sindical: limites, contradições e perspectivas”, à venda na Livraria Antonio Gramsci. A primeira edição é de meados da década de 1990, escrito com base na própria experiência como jornalista sindical.
Ciça Gomes, jornalista do Sindicato dos Químicos Unificados realizou uma dinâmica com dois participantes do curso. A sugestão foi que um participante ficasse de cabeça baixa, olhando para o próprio umbigo e o outro, que tentasse abraçar o mundo. A intenção da brincadeira foi ilustrar como é difícil a atuação de um sindicato unificado, mostrando que apesar de não ser possível abraçar o mundo inteiro – ou todas as categorias – é possível observar os problemas dos outros, sem olhar apenas para o próprio umbigo – no caso, a própria categoria.
Ela compartilhou experiência do Jornal dos Unificados e como as editorias são diversificadas. “Todos os assuntos têm um viés recortado, mas também aberto. A gente busca a pluralidade de fontes, pra que seja atraente não só para o trabalhador da fábrica, mas também para a criança que está na escola, pra outros profissionais”, contou a jornalista. Ela também defendeu a multiplicidade de mídias e conteúdos nos sindicatos para ampliar seu campo de atuação, atingindo também outras categorias, não só a própria. “Na rede social é mais fácil compartilhar conteúdos com viés de esquerda, por ser mais pulverizada e efêmera. Dessa forma, a comunicação contra hegemônica chega de maneira mais rápida nas pessoas e assim, viraliza as ideias dos trabalhadores. A visão institucional fica mais visível no site do sindicato”, considerou.
Após 20 anos, o que mudou?
Claudia Santiago faz uma análise final, provocando uma séria reflexão a respeito da comunicação sindical no contexto atual. Ela lembrou que, durante a ditadura, a imprensa alternativa era um sucesso nas bancas de jornal, como O Pasquim, O Movimento, Em Tempo e outros exemplos da época. Mas não resistiram. O que sobrou foi a comunicação sindical: fortemente influenciada pelos comunistas, como indicou Luiz Momesso, e feita por trabalhadores formados em jornalismo ou não, segundo ensinou Rozinaldo Miani.
O jornalista do sindicato era uma pessoa orgânica, um intelectual da classe trabalhadora, completamente ligado à luta dos trabalhadores. Não havia diferença entre jornalista sindical e dirigente sindical. A profissionalização que interessava tinha a finalidade de atender às demandas de infraestrutura dos sindicatos para equipar os departamentos e garantir direitos aos diagramadores, ilustradores. No entanto, ela causou uma mudança nas relações interpessoais entre dirigente sindical, trabalhadores que fazem comunicação para o sindicato e a base da população. Isso deve ser analisado seriamente, para além do curso.
“O NPC acredita em um tripé: a comunicação sindical é feita pela diretoria, pela base e pelos profissionais da comunicação. Essa é a única maneira de se ter uma comunicação participativa que interesse aos trabalhadores”, disse Claudia. “E apesar das novas mídias, dos avanços tecnológicos – e não podemos nos iludir com isso – ainda existem sindicatos que não conseguiram sequer produzir um jornal, um informativo periódico sequer”, alertou a jornalista, enfatizando a importância de se avaliar o histórico dos últimos 20 anos.
NPC: 20 anos a serviço da comunicação dos trabalhadores
A mesa foi encerrada com a exibição de uma sequência de imagens dos últimos 20 cursos anuais realizados pelo Núcleo Piratininga de Comunicação, ao som da música “Um comunista”, de Caetano Veloso. Houve os que sorriram e também os que choraram. Ao fim, os aplausos puxaram um aclamado “parabéns pra você”, em comemoração aos 20 anos do Núcleo.