[Por Claudia Santiago/ Sintifrj] O Brasil anda estranho. Difícil de entender até para os mais espertos analistas políticos. O debate ainda fica acalorado quando se trata das manifestações gigantes que tomaram conta do país no ano de 2013. É comum a avaliação de que elas começaram pela esquerda e foram incorporadas por gente que defende temas que nada têm de progressistas, como a redução de impostos.
Daí para, no ano seguinte, o país ser inundado por gente de camisa da seleção brasileira tirando fotos com policiais e berrando contra o Partido dos Trabalhadores (PT) foi um pulo. Desta vez, diferentemente de 2013, não havia mais esquerda nos atos; era a direita e os iludidos. Muitos estavam ali não porque fossem fascistas, antiesquerda, antipovo. Eles estavam convencidos de que o grande mal no país era a corrupção do PT.
Foi uma construção lenta, minuciosa, constante… Alimentada diariamente por telejornais, programas de televisão, notícias impressas, editoriais de jornais e muitos, muitos programas de rádio espalhados pelo Brasil inteiro que, além de baterem na tecla da corrupção, esgoelavam-se contra os direitos humanos, afirmando sem dó que bandido bom é bandido morto. Diariamente, jogavam o povo contra o programa de cotas nas universidades, o bolsa-família, o auxílio-reclusão às famílias dos presos.
Eles diziam que queriam uma escola sem partido. Como se isso fosse possível! Ou se toma o partido dos pobres ou o partido dos ricos. Se não existisse a riqueza, não existiria a pobreza. Haveria uma distribuição de renda justa.
A TV Globo, por exemplo, atuou como animadora de torcida, incentivando as manifestações, chamando o povo para as ruas, mostrando ângulos favoráveis. Quanto mais odiasse o PT e a esquerda, mais chances o cidadão tinha de ser entrevistado e aparecer na tela da TV. Criou-se um clima de manada guiada pelo vaqueiro. A Globo incitou os protestos pintados de verde e amarelo. No Brasil, a concentração de empresas jornalísticas nas mãos de poucas famílias e sua conexão com empresários, igrejas e classe política favoreceu o clima.
Toda essa gente dava como certa a derrota eleitoral da ex-presidenta Dilma Rousseff na campanha de 2014 à presidência da República. Mas isso não aconteceu. Eles não aceitaram. E aí veio o golpe em 2016.
A votação do impeachment da presidenta Dilma revelou até para os mais distraídos como era a composição da Câmara Federal, e quais os valores dos deputados. Não viu quem não quis. A mídia, por exemplo, já sabia quem eles eram e fingiram que não viram. Ninguém falou nas alegadas “pedaladas fiscais”, no dia da votação na Câmara.
Muitos jornalistas, apresentadores e comentaristas não se importaram quando, da tribuna, o então deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) homenageou o coronel reformado Carlos Brilhante Ustra reconhecido na primeira instância da Justiça como torturador no período da ditadura militar (1964-1985).
“Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ustra, o meu voto é sim”, proclamou Bolsonaro na ocasião. Os jornais impressos, falados, televisados e os jornalistas que os produzem tinham a obrigação de destrinchar essa história, essa fala. Explicar para o povo brasileiro o que ela significa. Não fizeram isso. Fecharam apoio em torno da candidatura do presidente Jair Bolsonaro, como pudemos acompanhar.
As Fake News bagunçaram tudo
Nas eleições de 2018, um novo personagem, até então bem desconhecido no Brasil, mostrou a cara e a força. São as Fake News, ou seja, mentiras, que pipocaram na Internet através dos grupos de conversa e das redes sociais. Essas mentiras reforçaram tudo o que os meios de comunicação tradicionais plantaram a vida inteira contra as ideias da esquerda. Mas com um adicional: um forte componente sexual retrógrado que caiu como mão na luva em uma sociedade adubada durante anos pelas ideias do conservadorismo, sem que a esquerda a elas tivesse feito contraposição na medida necessária.
Foi um tal de kit-gay, mamadeira esquisita, professores doutrinadores e muita, mas muita mentira espalhada e compartilhada em velocidade e quantidade que não estavam previstas. Nem a mídia comercial esperava por essa. Viu seu alcance, já ameaçado pela Internet, balançar mais uma vez.
Mas não nos deixemos enganar. A televisão, as rádios ainda têm força, muita força, entre as classes populares no Brasil. Os jornais, mais elitizados, ainda têm quem os leiam. E é com força de marca que eles legitimam ou deslegitimam um fato. Como o da greve geral, no dia 14 de junho de 2019. De manhã, no Rio de Janeiro, era comum encontrar pessoas dizendo: “Não vai ter greve, não saiu nada no jornal”.
Assim se passa com a reforma da Previdência e o corte de verbas para a educação. Os meios de comunicação defendem ambas as medidas. E usam seu poder para fazer com que as pessoas acreditem que o Brasil só vai mal porque ainda não se fez a reforma. O discurso da corrupção foi esquecido. O que importa agora é privatizar a Petrobrás, a Previdência e a Educação.
Os jovens de menos de 25 anos não têm memória sobre a história do Brasil. Eles pouco veem tevê. Jornal é coisa dos antigos. Jovens e velhos estão no Instagram, no Facebook, no Twitter, no Tinder. E, principalmente, no zap zap (Whatsapp). Cada um em sua bolha. Surdos aos apelos dos de fora. Uma boa parte desses, cegos às tramoias dos poderosos.
A batalha da comunicação nunca foi tão difícil. As organizações sociais estão lidando com grupos muito poderosos na Internet. A saída é a simplicidade. Um jornal de papel na mão, pés no chão nos locais de trabalho e nos chão esburacados, e olhos nos olhos. Para completar, muita conversa. Sem abrir mão de uma boa atuação na Internet, obviamente. É nesse chão que estão professores, alunos e sindicalistas.
Escrito por Claudia Santiago. Claudia é jornalista, historiadora, editora e coordenadora do Núcleo Piratininga de Comunicação