Por Eula D. Taveira Cabral
Editora do Informativo Eletrônico SETE PONTOS

Os grupos de mídia brasileiros estão nas mãos de famílias, políticos e religiosos. São redes de televisão, rádio, editoras, jornais, revistas, gravadoras, Internet. Empresas que formam conglomerados que, desde 2002, no caso da radiodifusão, podem ser registrados no nome de pessoas jurídicas. Um negócio que, se dirigido como tal, rende milhões e, até mesmo, bilhões por ano. Mas, por que as religiões ocupam os meios de comunicação? A questão é o lucro ou os valores (da pessoa humana, da família) que vêm se perdendo na sociedade do consumo?

Igreja e mídia

Com o passar dos anos, a invasão das novas tecnologias e a busca incessante pelo consumo fizeram com que as pessoas se distanciassem das religiões. O foco passou a ser o material. O espiritual e o emocional ficaram de lado.

Para mudar a realidade criada, as religiões se posicionaram, usando a comunicação como um recurso fundamental. No caso da Igreja Católica, no século XV o papa Inocêncio VIII escreveu o primeiro documento sobre a mídia, o Inter Multiplices, exigindo censura para as publicações, pois afirmava que muitas idéias contrárias à fé e aos bons costumes estavam sendo difundidas na sociedade.

Nos anos 70, do século passado, a Igreja verificou que os veículos de comunicação eram fundamentais para a difusão das crenças. Ocuparam-se pequenos horários da programação (principalmente de rádio) e, então, chegou-se à conclusão que ter um espaço determinado não era suficiente. Devia-se ir além. Era preciso ter veículos de comunicação que divulgassem somente os “valores cristãos”.

Comunicação gerando dinheiro

A entrada da Igreja na mídia como “proprietária” de veículos de comunicação causou polêmicas no cenário midiático. Porém, o que mais ganhou destaque foi a aquisição da Rede Record pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 1989, criando, para muitos, um quadro distorcido. Ninguém esperava que outras religiões, além da católica, pudessem ter um grupo de comunicação.

Com a Rede Record, esperavam-se programas de qualidade, responsabilidade, respeito e seriedade com a difusão da fé. Mas, observou-se, em primeiro lugar, disputa entre católicos e neo-pentecostais. A questão envolvia: o aparecimento de uma grande rede de comunicação não católica e religiosa e que vinha conquistando audiência e convertendo católicos em neo-pentecostais.

Também percebeu-se aumento da audiência e investimentos publicitários sendo feitos na Rede Record. E isso para a Rede Globo, que não era tão afetada pelos outros concorrentes já existentes no mercado, exigiu reação direta. O objetivo era provocar a queda de audiência e credibilidade da nova rede de comunicação, que inclusive hoje passa a assumir a assinatura “Rede Record: a caminho da liderança”.

Em agosto de 1995, a Rede Globo, com o seriado “Decadência”, de Dias Gomes, mostrou o personagem de um pastor sem escrúpulos – a tentativa era “condenar” e “insinuar” que os evangélicos eram assim. A Record não aceitou o insulto e reagiu (em outubro) com um ato radical: no dia 12 de outubro, o pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, Sérgio Von Helde, condenou a adoração às imagens e aos ídolos através de ofensas à “padroeira” do Brasil diante das câmeras.

A atitude do pastor passou a ser bastante explorada pela Rede Globo em sua programação, provocando reações “de ódio” entre católicos e evangélicos e mostrando que a Rede Record não merecia credibilidade, investimentos nem audiência do povo brasileiro. Mobilização “global” que resultou no processo e prisão do pastor.

Com a briga travada e crescimentos e quedas de audiência e investimentos nas duas redes de comunicação (Globo e Record), principalmente, percebeu-se que a Igreja Católica também se beneficiara como instituição religiosa e grupo midiático e que uma rede de comunicação “cristã” poderia disputar diretamente com outras redes comerciais. E isso fez com que a lógica mercadológica pesasse no planejamento e objetivos dos religiosos.

Em nome de Deus

A estratégia da Igreja Universal do Reino de Deus, como detentora de um conglomerado de comunicação, passou a identificar e trabalhar as necessidades espirituais e emocionais das pessoas e a evidenciá-las que era preciso ser (cada uma) um membro da instituição religiosa, freqüentando seus templos e contribuindo financeiramente para que “a mensagem de Deus fosse anunciada nos quatros cantos do mundo”. Exigia-se envolvimento completo do novo “fiel” que devia contribuir “com fé”, dando “todo” o seu dinheiro em prol da “obra religiosa”.

A Igreja Universal do Reino de Deus se tornou um império. Hoje se faz presente em mais de 80 países da América, Europa, Ásia e África. No Brasil tem redes de TV e rádio, jornal, revista, editora, produtora, gravadora, Internet. Atinge a população e vende a idéia que se deve dar dinheiro para a Igreja e investir em seus veículos de comunicação. Faz-se da comunicação religiosa um negócio rentável.

Outras igrejas também buscaram traçar o mesmo caminho, porém, muitas passaram a questionar seu papel diante do mundo. Até mesmo a Igreja Católica, mesmo investindo nos meios de comunicação há mais tempo, somente nos anos 80 a mídia passou a ser um instrumento de vital importância em suas atividades, sendo parceira das dioceses, ordens e congregações religiosas.

Assim, como detentora de um conglomerado midiático religioso, a Igreja Católica, além de preparar seus fiéis para se tornarem bons profissionais da área midiática, passou a fazer eventos para analisar o cenário comunicacional e seu objetivo. Pois, observou-se que estava perdendo suas metas, como instituição religiosa diante da sociedade brasileira. A questão era manter um império com veículos de comunicação, em todas as áreas midiáticas, e de sucesso, como têm hoje, seguindo os mesmos padrões dos empresários da mídia ou pregar e levar os valores à população?
 
Objetivo revisto (?)

As instituições religiosas entram na mídia com o público-alvo certo. A comunicação ma

ssiva é apenas uma forma de pregar os valores. Sendo assim, precisa rever seu posicionamento no mercado midiático. Como gestora de empresas midiáticas deve entender a comunicação como um direito de todos, a necessidade de uma legislação justa no setor e que seus investimentos e programação devem ter como meta o ser humano. Deve-se rever seus princípios e não vender a fé. Afinal, a questão da mídia religiosa é o lucro ou o resgate dos valores (da pessoa humana, da família)?