Nas últimas três décadas ele tem sido o mais implacável crítico da mídia no Rio Grande do Sul. Obviamente seus livros não viram notícia, mas circulam muito bem num meio influente. Isolado inicialmente, hoje ele tem a seu redor um grupo de professores e alunos que respondem pela maior produção de pesquisa em ciências sociais na PUC-RS. Formado em Teologia, Filosofia, Sociologia e Letras, pós-graduado em Psicologia da Comunicação, dá aula no pós-graduação da PUC-RS, coordena pesquisas, sem deixar de lado a atividade pastoral na periferia de Porto Alegre. Leia entrevista com Pedrinho Guareschi. De Elmar Bonés, no JornalJÁ (www.jornalja.com.br), de março de 2005
Qual é o foco do livro?
Guareschi. A gente está trabalhando muito a questão da educação. A tese central do livro é: sem uma educação para a mídia, nada feito…
O que é uma educação para a mídia?
Guareschi. As escolas devem incluir essa questão nos currículos, para ensinar a ler a mídia, a criticar e a entender a importância da mídia. A própria mídia que, pela constituição, tem um papel educativo, deve dar espaço para isso…
Hoje ela faz o contrário…
Guareschi. Sim, faz o oposto. Ela nunca diz, por exemplo, que os canais de rádio e televisão são concessões de um serviço público, não esclarece a diferença entre mídia impressa e mídia eletrônica, que são regidas por regulamentos completamente diferentes. A mídia impressa, jornais e revistas, é empresa privada, mas o rádio e a televisão são uma concessão de serviço público, que não pode ter dono. A mídia nunca diz também que há um direito do cidadão à comunicação, o artigo 19 dos Direitos Humanos assegura isso. Enfim, a mídia escamoteia uma série de informações e a escola também não esclarece. Resultado: o público ignora coisas essenciais sobre a mídia, que tanto influencia sua vida…
O público não conhece a mídia?
Guareschi. É isso. Na primeira parte apresentamos uma pesquisa, onde se revela uma ignorância generalizada sobre a mídia. A quase totalidade não sabe a diferença entre mídia eletrônica e impressa (98%, segundo a pesquisa), não sabe que os meios eletrônicos são concessões e não podem ter dono, não sabem que é um serviço público, etc.
O que vem a ser uma concessão?
Guareschi. As concessões são contratos celebrados pela União, que autorizam a utilização de uma faixa do espectro eletromagnético por onde são transmitidas ondas de rádio e televisão. Esses espectros são públicos e não pertencem àqueles que possuem as concessões. A eles cabe apenas o direito de utilizá-las e, sendo públicas, possuem obrigações éticas e morais com a população…
Você diz que a mídia é hoje o primeiro poder…
Guareschi. De fato, ela manipula os outros poderes, todos. Por quê? Porque não há controle da mídia. EmRoma, o poeta Juvenal já perguntava: Quem fiscaliza os fiscalizadores?.. Enquanto a sociedade civil não estiver organizada e não houver uma instância, como a BBC de Londres, que possa monitorar essa mídia…
Quem faria esse papel?
Guareschi. O Conselho de Comunicação Social, criado pela constituição de 1988, de certa forma começou a fazer. Ele é formado por representantes de 13 instituições, com maioria da sociedade civil.O Conselho estava fazendo audiências muitos boas.Foi ele que criou a Comissão de Acompanhamento da Programação de rádio e televisão (CAP), da qual eu sou membro titular. É quem está fazendo essa campanha .Quem financia a baixaria é contra a cidadania..
Algum resultado prático dessa campanha?
Guareschi. Essa comissão já conseguiu muita coisa. A gente recebe as reclamações, sistematiza, faz parecer e devolve para agências, para os produtores e, principalmente, para patrocinadores. Já se conseguiu mudanças impressionantes. Inclusive patrocinadores se recusaram a patrocinar. A Casas Bahia, por exemplo, caiu fora de um daqueles programas do fim da tarde, de violência. Por causa desse trabalho, esses três programas do fim do dia vão passar lá para o fim da noite… Estamos conseguindo muita coisa e a gente espera que esse despertar da sociedade civil vá conseguir muita coisa, embora agora, na última eleição, os empresários tenham ficado em maioria…
E o Conselho Federal de Jornalismo?
Guareschi. Era uma instância ótima, onde os próprios jornalistas fariam a crítica deles mesmo e se ajudariam no sentido de ver a importância, o papel decisivo deles. Numa entrevista, o Heródoto Barbeiro perguntou ao Mino Carta se não ia implicar em censura e tal…O Mino falou certo: não é essa questão. A questão é que a mídia tem dono, o dono dela faz o que quer. O jornalista é obrigado a dizer o que o dono quer, deixa de dizer o que o dono não quer. Esse é o poder difuso, tremendo, que decide na seleção, na combinação das mensagens.
A voz é dos donos…
Guareschi. Na verdade eles decidem… criam a realidade. Eu fico dolorido quando vejo a RBS fazendo campanhas enormes sobre suas próprias iniciativas beneficentes, sobre as crianças e tal, como se eles fossem os melhores do Brasil. Aí vem a pesquisa de imagem: qual a que mais aparece? Aí vem as marcas que mais aparecem… quer que apareça outra? Aí eles publicam de novo… é uma coisa recorrente, fechada.Na realidade, a RBS não pode fazer isso, porque é umserviço público. Estou falando de rádio e televisão, não estou falando de jornal. Jornal faça o que quiser, a turma tem que pagar para comprar o jornal… Agora rádio e televisão não são pagos, é tudo enfiado goela abaixo, porque o espectro é publico, tem que prestar conta, então não pode fazer isso!
Não pode fazer autopromoção?
E ainda tem os negócios imobiliários…
Guareschi. Ah, sim, hoje não sei como está isso, mas houve uma época que ficavam com 10% dos imóveis, em troca de espaço. Há uns dez anos quando começou a ocupação da Praia de Belas, também o Jurerê Internacional em Santa Catarina era feito assim…Enfim, as possibilidades são imensas quando se têm a propriedade cruzada dos meios . a horizontal, que alcança todo o território, a propriedade vertical, que envolve todos os meios, até internet.
Qual é o real tamanho dessa propriedade?
Guareschi. Olha, foi difícil o levantamento das concessões no Rio Grande do Sul.Até novembro de 2003 isso era segredo. Depois de muita pressão apareceu na internet a lista das concessões, ficou um tempo e saiu, fizemos cópia e pegamos a do RS. Havia 471 concessões de rádio e televisão no Estado, apenas 91 eram concessões não comerciais (6 TVs educativas e 85 rádios comunitárias). A RBS tem 64% das TVs comerciais do Estado. São 19 concessões comerciais no estado, 12 pertencem ao grupo familiar. Somos um Estado monopolizado.
Como eles reagem a essa sua crítica?
Guareschi. Houve, tempo atrás, uma manifestação do Nelson Sirotsky, quando saiu a terceira edição desse livro Os Construtores da Comunicação… Afilha dele que era aluna aqui na PUC me disse que ele gostaria de falar comigo, aí fui lá. Aí conversamos bem claro, percebi que nele o interesse é econômico.
Como assim?
Guareschi. O que move o homem é o cifrão, não é a ideologia, não são valores, não é a cidadania, é o cifrão. Falei do Rogério Mendelsky, que na época ainda estava na Gaúcha: como que ele sustentava um sujeito que falava aquelas barbaridades dos movimentos sociais, sem dar direito ao contraditório? Ele: .O Mendelsky traz um bom dinheiro, consegue os patrocinadores e faz ao vivo a propaganda testemunhal .. Ele trazia 300 mil por mês, fora os 20% que ficavam para ele.
Como vais divulgar o livro?
Guareschi. Pensei em colocar uns painéis de quatro metros ali na área do Fórum, mas me dissuadiram. Vamos distribuir folhetos. Estivemos em quatro mesas no Fórum Social Mundial, fazendo uma leitura critica da mídia, sendo dois seminários promovidos pela Frente de Comunicação… Nisso o livro vai indo. Há muito interesse nisso, é talvez a questão crucial para a democracia brasileira.
Seria realista esperar que no Brasil se proíba a propriedade cruzada, como nos Estados Unidos?
Nos Estados Unidos tentaram derrubar a proibição. Estavam suprimindo as leis de aglutina ção e cruzamento, mas quando chegou ao Senado não foi aceita e voltou atrás:quem tem televisão não pode ter rádio, jornal. Aqui tem uma propriedade cruzada escandalosa. Nossa legislação é de 1967 sobre esse tema, nunca se legislou porque não há interesse, o assunto não é levantado. Quem vai levantar?. Nós fizemos uma pesquisa: 85%do que o povo conversa, no fim do dia, o que falei hoje, quem colocou o assunto foi a mídia, do que se fala na família, no trabalho, quem coloca a agenda é a mídia. Então é de uma importância tremenda, mas nesse terreno estamos no tempo das capitanias hereditárias. Temos os latifundiários da mídia e 97% da população acha que rádio e televisão tem dono. Recebem a concessão de graça, aí vendem por um preço fantástico. Tentou comprar uma rádio? A PUC tentou, pediram milhões.
E os jornalitas, como você vê?
Guareschi. Os jornalistas são empregados. Lula tinha toda a razão quando chamou de covardes, mais do que isso, traidores. Se existe Conselho de Psicologia, o Conselho dos Bispos, a Ordem dos Advogados, o Conselho de Medicina, por que não um Conselho de Jornalismo? Porque os donos da mídia não querem. São covardes… Na sociedade plural cada grupo tem que ter a sua consciência, não tem explicação.
E o Fórum o que é?
Guareschi. O Fórum é o social como alternativa ao econômico, é alternativa ao político tradicional, é outra democracia, a participativa, em vez da representativa.
Você é militante de algum partido?
Nunca me filiei a partido, participei da fundação do PT com Frei Betto, mas não milito. Por aí sou tido como petista, mas mantenho minha independência. Apóio, assessoro o MSTna parte de comunicação, encontro com eles em cada semestre.
Teve algum problema na PUC por causa das suas críticas?
Guareschi. Não. Procuro manter minha liberdade. Sempre procuro justificar o que digo. Se eu faço uma afirmação… vamos discutir, discordamos, mas se digo… não vou afirmando adoidadamente.