Por  Cecília Maria Bouças Coimbra*

 

A pretensão aqui não é, em absoluto, fazer uma análise dos dispositivos mediáticos presentes hoje em nosso mundo globalizado. Pensamos, simplesmente, apontar de forma bem geral algumas de suas produções, alguns de seus efeitos para que possamos entender um pouco como algumas percepções dominantes hoje estão sendo forjadas/disseminadas em nosso cotidiano e assimiladas de modo naturalizado por cada um de nós.

 

Partimos do pressuposto de que a mídia é atualmente um dos mais importantes equipamentos sociais no sentido de produzir esquemas dominantes de significação e interpretação do mundo e que os meios de comunicação, portanto, falam pelos e para os indivíduos. Esse equipamento não nos indica somente o que pensar, o que sentir, como agir, mas principalmente nos orienta sobre o que pensar, sobre o que sentir.

 

Além de produzir massivas subjetividades (modos de estar no mundo), de pertencer a poucos, a mídia funciona organizando diversos e diferentes fluxos de acontecimentos. Pela via do espetáculo, das formas dramáticas e sensacionalistas produz as “identidades”, as simpatias, os prós e os contras. À medida, portanto, que organiza os múltiplos fluxos de acontecimentos, a mídia hierarquiza os temas, selecionando os que deverão ser do conhecimento público e, dentre estes, os que deverão necessariamente ser discutidos, debatidos, pensados.

 

Assim, a lógica mediática é a da homogeneização, do espetáculo, obedecendo ao valor da excepcionalidade, do ser extraordinário, da dramaticidade, da encenação voltada também para a produção de emoções. A competência exigida por esta lógica é a teatral: a capacidade de forjar encenações, espetáculos, “mise en scènes”.

 

Esta homogeneização presente no funcionamento da lógica mediática faz com que a linguagem usada seja a “factográfica”, por meio da qual se trabalha com dicotomias, com binarismos, unicamente com dois valores: o bem e o mal. Quando isto predomina, impede-se o “discurso matizado e argumentativo”. Ou seja, empobrecem-se os acontecimentos: a multiplicidade, as diferenças estão ausentes, impondo-se/produzindo-se formas de pensar, sentir e perceber maniqueístas, dicotômicas.

 

Os fatos, apesar de apresentados de forma fragmentária, sem a menor unidade, paradoxalmente tentam produzir uma certa racionalidade, uma certa lógica, uma certa continuidade e linearidade.

 

Assim, pela produção e circulação de signos, imagens, subjetividades, pelo recalcamento e negação de certos acontecimentos, pela sugestão e, portanto, pela criação de um real, de realidades – que passam a ser as que existem objetivamente −, os meios de comunicação de massa simulam padrões consensuais de conduta, produzem poderosos e eficientes processos de subjetivação; forjam existências, vidas, bandidos e mocinhos, heróis e vilões.

 

Produzindo Real e Verdades

 

Partimos do pressuposto de que o mundo, os objetos que nele existem, os sujeitos que nele habitam e, portanto, a realidade são produções histórico-sociais, não tendo uma existência em si, uma essência ou natureza. Eles são, pois, forjados historicamente por práticas que os objetivam e que são muito bem datadas. A realidade – enquanto produção histórica, não existindo em si e por si – está sempre sendo construída pelas práticas sociais, como um trabalho jamais acabado.

 

Ou seja, as diferentes práticas vão engendrando no mundo objetos, sujeitos, saberes e verdades sempre diversos, sempre diferentes. Como as práticas são múltiplas, elas geram múltiplos objetos, múltiplos “rostos” e “fisionomias” ao longo da história: múltiplas objetivações. Nessa perspectiva, por conseguinte, não há evolução de um mesmo objeto que brotasse sempre de um mesmo lugar, que possuísse uma origem primeira e que pudesse ser conhecido totalmente em sua existência.

 

Assim, Michel Foucault e outros pensadores remetem-nos para a produção do real pela via da história, para as práticas sociais como determinantes dos sujeitos, objetos, saberes e verdades que não são, portanto, naturais e coisas já dadas.

Assim, como muitos outros equipamentos sociais, os meios de comunicação de massa também são responsáveis pela construção de objetos, sujeitos, saberes, verdades e do próprio real.

 

Ao mass media não apenas produzem o real, mas nos indicam com que prioridade ou urgência devemos considerar esse real: quais fatos devemos ignorar, a que outros devemos estar atentos, sobre o que é necessário ter opinião e discutir; quais, em suma, são os assuntos importantes para as nossas vidas.

 

Produzindo real constroem-se verdades que também têm a participação direta dos chamados especialistas. Estes, em qualquer setor do qual se ocupem, estão com suas práticas produzindo regimes de verdade considerados “científicos” e, portanto, neutros, universais e ahistóricos.

 

As verdades, portanto, são massivamente produzidas em nosso cotidiano por uma série de equipamentos sociais e hoje, ocupando lugar privilegiado, estão os mass media. Estes podem criar novas verdades, ignorar e mesmo negar algumas que já estão ai, adaptá-las, modifica-las e, mesmo, virá-las pelo avesso.

 

Produzindo Bandidos, Vilões

 

Da mesma forma que se construíram perigosos “inimigos da Pátria” nos anos 60 e 70, em nosso país durante o período da ditadura civil-militar – e em muitos momentos da história da humanidades, foram sendo concebidos por diferentes equipamentos sociais os perniciosos, os indesejáveis−, também hoje, principalmente via meios de comunicação de massa, estão sendo produzidos “novos inimigos internos do regime”: os segmentos mais pauperizados; todos aqueles que os “mantenedores da ordem” consideram suspeitos perigosos, e que devem, portanto, ser evitados e, mesmo, eliminados. Para esses “enfermos” – vistos como nocivos e ameaçadores – são produzidas “identidades” cujas formas de sentir, viver e agir se tornam homogêneas e desqualificadas. São crianças e adolescentes já na chamada marginalidade ou que poderão – porque pobres – ser atraídos para tal condição que devem ser exterminados. A modernidade exige cidades limpas, assépticas, onde a miséria – já que não pode mais ser escondida e/ou administrada – deve ser eliminada. Eliminação não pela sua superação, mas pelo extermínio daqueles que a expõem incomodando os “olhos, ouvidos e narizes” dos segmentos mais abastados.

 

As formas como a mídia produz real, verdades, fantasias, falas autorizadas, história e memória também atravessam os temas sobre a violência quando estão sendo marcados e identificados, por esses mesmos meios de comunicação, os “suspeitos”, os “enfermos”, os “discrimináveis”, os “perigosos”, os “infames”. Aqueles que são considerados suspeitos, quando não estão tomando conta dos nossos filhos, limpando nossas casas, entrando pelo elevador de serviço.

 

Produz-se um raciocínio linear, de causa e efeito, de onde se encontra a pobreza está a marginalidade, a criminalidade. Assim, os mass media têm exercido papel importante como produtores da imagem do crime, do criminosos e dos locais perigosos.

 

Clarice Lispector nos aponta como funcionam na contemporaneidade o que chamamos processos de subjetivação: recrutam-nos sem que nos demos conta disso. Marchamos como bons “soldados-cidadãos”. Diz ela:

 

“Os passos estão se tornando mais nítidos. Um pouco mais próximos. Agora soam quase perto. Ainda mais. Agora mais perto do que poderiam estar de mim. No entanto, continuam a se aproximar. Agora não estão mais perto estão em mim. Vão me ultrapassar e prosseguir? É a minha esperança. Não sei mais em que sentido percebo distâncias. É que os passos agora não estão apenas próximos e pesados. Já não estão apenas em mim. Eu marcho com eles”. (Lispector, O Recrutamento, 1999:84).

 

Tais processos tornam possíveis, necessários, naturais e palatáveis de forma incessante, microscópica e invibilizada certos modos de vida, certos modos de existência que, ao mesmo tempo, são aprisionantes e aprisionadores.

 

 

 

 

 

Vamos aqui pensar a mídia como um dispositivo de produção de subjetividades amendrontadas, aterrorizadas que, como forma de reagir a este estado de insegurança e terror apoia medidas punitivas que judicializam a vida. Dentre as mais diversas modalidades de existência, vamos destacar a que chamamos de subjetividade moralista-policialesca-punitiva-paranóica que embasa/fomenta/fortalece a gestão e a tutela sobre as vidas. Tal processo de subjetivação traz como um de seus efeitos, o modo de ser indivíduo, quando só nos sentimos seguros em nossas bolhas, em nossos guetos, em nossos lares e territórios conhecidos com nossa família e amigos.

 

Nietzsche já dizia que é preciso resguardar-se da palavra lei, pois ela tem um ranço moral (Deleuze, 1997). Produzindo a necessidade das leis, a moral em nosso mundo expande-se sobre o disfarce da ética. Fala-se de ética, mas aplica-se a moral: julga-se, prescreve-se, tutela-se, pune-se. Festivais de CPIs abundam, mis-en-scènes midiáticas apontam para as ações espetaculares da Polícia Federal como atos competentes na luta contra a corrupção e a impunidade. Atores sedentos de justiça obedecem à “doutrina do julgamento”[1] onde o Mal deve ser extirpado para que, afinal, o Bem possa triunfar. Nesta “pretensão de julgar a vida em nome de valores superiores” (Deleuze, 1997:146) exige-se condenação e demanda-se punição e prisão. Tais subjetividades capitalísticas encharcadas de moral aderem à lógica de um pensamento que se crê absoluto, universal e homogêneo: uma lógica jurídico-penal-moral-individual. Produz-se a patologização e demonização de certas pessoas, caindo-se na redução medicalizante em sua vertente psicológico-existencial: o biopoder (o poder sobre a vida) e seus tentáculos medicalizantes e judicializantes. Tal modo de subjetivação opera com soluções extremadas fortalecendo o paradigma médico-cientificista-penal onde outras faces do higienismo do início do século XX se presentificam: a limpeza dos que se tornam indesejáveis.Também outras facetas da eugenia, aliadas à Teoria da Degenerescência de Morel, se atualizam: não mais como raça, mas como controle e, mesmo, como diferentes modos de exterminar os indesejáveis, aqueles que não são considerados úteis ao mercado ou ao sistema.

 

Para muitos “faltam ao país homens públicos que dêm exemplo de ética e de honestidade” (O Globo, 2007:9). Prolifera-se a crença de que a fórmula contra a corrupção é a moralização da política e dos políticos e sua exemplar punição.

 

“As palavras de ordem ‘lutar contra a impunidade’ e ‘criminalização já’ tornam-se cada vez mais fortes e recebem adesões de grande parte da sociedade e da maioria dos movimentos sociais. A sociedade em geral prega o endurecimento de penas, de leis mais severas, como a baixa da idade penal, a prisão perpétua e a pena de morte”.

(Monteiro, A. & Coimbra, C.;2008:69)

 

Os movimentos sociais acreditam e apregoam como missionários que a impunidade é a principal causa da violência ontem e hoje e pedem mais leis, aplaudindo a rigidez e a dureza da Lei Maria da Penha[2], por exemplo, e solicitando que uma lei federal defina “o funk como movimento cultural e musical de caráter popular”[3]. É como nos lembra Passetti (2008:7): “não há mais lugar para o intelectual-profeta e seus asseclas, que dizem como deve ser e fazer para comandar com rigor a fé do movimento”.

 

Em um artigo, Helena Singer (2008) vai nos apontar que:

 

“(…) a luta pela igualdade racial tem se centralizado em torno da penalização da discriminação; a luta pela igualdade sexual busca, além dessa mesma penalização, também a criminalização de um conjunto de práticas, agora denominadas ‘assédio sexual’; para acabar com a violência policial, a palavra de ordem é “fim da impunidade” (…). O novo Código de Trânsito trás, como um verdadeiro júbilo para os que lutam contra a impunidade dos mais ricos, a intensificação das penas dos que dirigem perigosamente; na mesma direção exulta-se com a prisão de corruptos, mesmo que eles não devolvam um real do patrimônio público lesado (…). Luta-se pela penalização dos que poluem o ar, a terra e o mar (…). O auge deste movimento acontece contra os pais que não colocam seus filhos na escola: podem ir para a cadeia (…) por ‘abandono intelectual’ de suas crianças, esta é a proposta penal de educação para a cidadania. [Ou seja, todas essas leis e suas ‘utilidades’], tornaram-se o centro do debate em torno dos direitos humanos”.

 

Por exemplo, no caso Daniel Dantas e Nagi Nahas, em agosto de 2008, vários movimentos sociais foram às ruas chamados por sindicalistas da CUT de Brasília que, em manifestações em frente ao Superior Tribunal Federal, pediam em seus cartazes: “Algemas para os bandidos ricos”(jornal Inverta, 2008:2). Singer (2008) neste seu texto, em certo momento, pergunta: “Ora, se a prisão é tão nociva, por que se empenhar tanto em colocar racistas, sexistas, torturadores, linchadores, corruptos, poluidores, motoristas e pais negligentes na prisão? Não seria mais coerente centrar os esforços para construir outras formas de os ‘agressores’ restituírem as suas ‘vítimas’ e a sociedade os danos que causaram?”. Este é o grande desafio colocado hoje para muitos movimentos sociais que “lutam contra a impunidade”.

 

Ou seja, nesta subjetividade moralista-policialesca-punitiva-paranóica, além da moralização que se apresenta através do julgamento, das prescrições, do clamor por mais leis, temos também a produção do policial em nós. As instituições e seus dispositivos de controle social funcionam tão bem que todos tornamo-nos vigias e polícias de todos e de tudo. Junto a essa fúria policialesco-punitiva, há uma competente produção de medo: todos desconfiam de todos, todos temem todos, todos querem se proteger de algo, todos querem segurança.

 

Zeca Baleiro em uma de suas músicas nos diz que: “O medo é a moda desta triste temporada. A cor dessa estação é cinza como o céu de estanho”. Desta forma, tornamo-nos cada vez mais defensivos e desconfiados; cada vez mais isolados. A proteção, a segurança é o gueto, a bolha, o sagrado lar onde nos sentimos bem. A questão das ruas, que vem desde o início do século XX, é hoje mais do que nunca uma realidade. Nela estão os perigos, a barbárie, a doença, o crime. Nela estão as manifestações, os provocadores, os vândalos…

 

Tais funcionamentos microscópicos e, muitas vezes, invisibilizados nos fazem ficar presos não só por muros, celas ou grades, mas fundamentalmente, presos por um único olhar, por um único pensamento; presos pela verdade cientificamente comprovada; presos pela fome, pela desqualificação, pelos preconceitos; presos pela ilusão de perfeição, presos pelas funções modelares de pais e mães, presos por um único modo de viver cujos valores são indicados pelo “modo Busch” e o “modo Barbie” de ser. Presos pelas metas a serem alcançadas, presos pela promessa de sucesso e salvação, presos pela vontade de poder e de prestígio, presos pelas regras que asseguram o sucesso final. Encarcerados, portanto, por esses sutis, sedutores e velozes processos de subjetivação que nos individualizam e moralizam cada vez mais.

 

 

 

Apesar de tudo, ainda as lutas…

 

“Não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições (…) [Portanto] não cabe temer ou esperar, mas buscar novas armas”.

(Deleuze, 1992:213).

 

Este buscar novas armas é resistir. Resistência aqui entendida não como uma pura reação aos poderes vigentes, às normas impostas, mas, justamente, como uma outra forma de existir. Resistência enquanto afirmação de processos inéditos de vida. O próprio Foucault (1982:6) a isso se referia ao dizer em uma entrevista que: “se não há resistência, não há relações de poder (…). A resistência vem em primeiro lugar, e ela permanece superior a todas as forças do processo, seu efeito obriga a mudarem as relações de poder”.

 

Assim, diferentemente do que nos tem sido ensinado – que a resistência seria efeito do poder – entendemos, como esses autores da Filosofia da Diferença, que o poder funciona, justamente, para responder aos movimentos de resistência. O poder cria normas, medidas, identidades que tentam fragilizar, manietar e, mesmo, capturar o que pode se tornar perigoso: a afirmação de “novas formas de relações, novas formas de amor e novas formas de criação” (Foucault, 1982:1).

 

Dentro das subjetividades capitalísticas, as normas, as medidas, as identidades passam a ser condição de pertencimento à esta sociedade. A sua aceitação, a submissão a elas é a garantia de se ter “um lugar ao sol”, é o preço que se paga para que se possa ser considerado e reconhecido como um cidadão integrado, um cidadão produtivo.

 

Portanto, resistir não é simplesmente se opor. É algo muito mais difícil e complexo: é criar, é produzir rupturas, é afirmar outras lógicas, outras realidades. Diferentemente, os modos de subjetivação hegemônicos, buscam a organização, a ordenação, a hierarquização, a homogeneização das diferenças e das multiplicidades. Entretanto, não podemos esquecer – como nos têm demonstrado alguns desses pensadores – que as mais diferentes e diversas forças – tanto ativas quanto reativas – nos atravessam e nos constituem. Apesar dessas forças de afirmação e negação nos atravessarem continuamente, é importante que possamos combater as que simplesmente reagem, as que nos separam daquilo que podemos, as que reduzem nossas vidas a processos puramente reativos, vingativos e ressentidos.

 

Na contemporaneidade, neste mundo neo-liberal de controle globalizado, temos a hegemonia de valores que nos são apontados como verdadeiros e universais, de subjetividades produzidas dentro das medidas e normas constituídas que cerceiam a criação, a abertura a novos horizontes. Aceita-se – e isto hoje, em especial no Brasil, é repetido à exaustão – aquilo que nos é colocado como sendo o possível, aquilo que podemos fazer dentro das ‘possibilidades” e “oportunidades” que nos são oferecidas pelos poderes.

 

Resistir, diferentemente, não é permanecer nas possibilidades dadas, não é render-se a um estado de coisas já estabelecido. É criar possibilidades inéditas, ações fora das medidas; é inventar valores novos, diferentes dos constituídos; é ir além desses valores dados. É, portanto, a afirmação vigorosa do novo, da imanência da criação. Não a aposta em um outro mundo futuro, em uma possível transcendência, mas sua afirmação no aqui e agora, na criação/experimentação de caminhos que se fazem no próprio ato de caminhar. As manifestações de ruas, desde maio de 2013, nos têm apontado isto.

 

Essas afirmações, também conhecidas como processos de singularização, essas pequenas e, muitas vezes, invisíveis revoluções moleculares (Guattari, 1986) são extremamente perigosas para os poderes constituídos, para as subjetividades hegemônicas onde a transcendência, o essencialismo, o moralismo e o modo-de-ser indivíduo são reificados e naturalizados.

 

Entretanto, essas resistências, esses movimentos – nestes tempos de controle e biopoder, em especial do poder sobre a vida, no sentido de intensificá-la e otimizá-la – facilmente vão sendo capturados. Passetti (1999) vai afirmar que nesta sociedade cujos bens maiores são “a igualdade política e a liberdade individual”, onde se impõe a “era dos plenos direitos” e da “participação”, facilmente as resistências têm sido cooptadas e, mesmo, capturadas.

 

Há desafios urgentes que se nos colocam. Há que inventar, criar e, a todo momento, tentar fortalecer as derivas, as fugas, pois nesta sociedade punitiva onde o “fazer viver e deixar morrer” se impõe, resistir é andar em um fio de navalha. As manifestações e a greve dos trabalhadores da educação no Rio de Janeiro, em setembro/outubro de 2013, nos têm mostrado isto. Assim como nos lembra Pelbart (2003) se ao poder sobre a vida corresponde a potência da vida, ficam algumas questões:

 

“O que significa vida hoje? O que significa poder sobre a vida? Como entender potência da vida, nesse contexto? O que significa que a vida tornou-se um capital? O que uma tal situação acarreta, do ponto de vista político? De que dispositivos concretos, minúsculos e maiúsculos, dispomos hoje para transformar o poder sobre a vida em potência da vida, sobretudo num contexto militarizado?

(…) Como tais perguntas redesenham a idéia de resistência hoje, nos vários domínios? (p.14. grifos do autor).

 

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* Psicóloga; Professora Adjunta da UFF; Doutora em Psicologia e Pós-Doutora em Ciência Política pela USP; Fundadora e atual Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

[1] Segundo Deleuze trata-se de um tema constante em Nietzsche, quando afirma: “a doutrina do juízo derrubou e substituiu o sistema de afetos”. (Deleuze, 1997:146).

[2] Sobre o tema ver Batista, N. “Só Carolina não Viu” (2008:12). No o texto de Nilcéia Freire “Lei Maria da Penha já”, publicado na Folha de São Paulo (2008, p.A3), afirma a ex-Ministra Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e ex-reitora da UERJ que: “A enorme acolhida que a Lei Maria da Penha amealhou em tão pouco tempo agora é traduzida em números: 83% de aprovação”.

[3] Manifesto do “Movimento Funk é Cultura”.