Por Sheila Jacob

 

20130629_145455

“Da Copa eu abro mão; eu quero moradia, saúde e educação” cantavam os cerca de 500 manifestantes que estiveram no bairro do Jardim Botânico no último sábado (29/6) para protestar contra a ameaça de despejo de mais de 500 famílias da comunidade do Horto. Acusados de “invasores”, muitos moradores foram às ruas para lembrar que são filhos, netos e bisnetos de trabalhadores que ajudaram a construir o parque e, portanto, têm o direito a continuar no local. “Nesse momento em que a população está indo às ruas para fazer as suas reivindicações, estamos aqui para defender nosso direito à moradia e à cidade”, explicou Emília Maria de Souza, presidente da Associação de Moradores e Amigos do Horto (Amahor). Segundo ela, este é o primeiro de vários atos que irão ocorrer no Rio, pois as favelas ameaçadas de remoção precisam chamar atenção dos governos sobre o direito de o trabalhador residir em áreas nobres que estão sendo entregues à especulação imobiliária.

A história da comunidade vem desde o século 19, quando a área começou a ser ocupada pelos trabalhadores que construíram o Jardim Botânico e eram incentivados pela administração do parque a permanecer no local. Mais de cem anos depois que suas famílias residem ali, o Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, anunciou no início de maio que muitas delas terão que sair. “Não foi apresentada sequer uma alternativa para esses moradores, um projeto habitacional, ou seja, não houve diálogo algum”, denuncia Emília. Para ela e para muitos moradores, a remoção não beneficiará a pesquisa nem o meio ambiente. “Muito pelo contrário: quem está por trás desse planejamento é gente muito rica e poderosa. A decisão do governo só atende a vontade da classe média alta de fazer uma limpeza social na Zona Sul do Rio”, afirma a presidente da Amahor.

Para o procurador aposentado Miguel Baldez, fundador do Núcleo de Terras da Defensoria Pública e reconhecido militante pelos direitos humanos no Rio, o anúncio da retirada das famílias é um grande equívoco, pois as famílias possuem a posse histórica do terreno. “Este é um processo de luta de classes que alcança inclusive a magistratura. Nossos juízes são formados na estrutura burguesa, e muitos tomam decisões para favorecer a classe dominante”, comenta o professor. Ele lembra que as famílias ameaçadas estão nessa área desde que começou a ser povoada, e os moradores dos bairros do entorno é que foram se apossando depois. “Quem mora no Jardim Botânico, Ipanema, Gávea e Leblon não pode suportar a presença tão próxima de uma classe menos favorecida economicamente”, observa.

 

A cidade atende os interesses de empresários

20130629_162532

Esta também é a opinião do procurador de justiça e professor Leonardo Chaves. Segundo ele, o perímetro do Jardim Botânico foi alargado sem qualquer critério técnico ou jurídico; “foi uma medida apenas para favorecer os mais ricos que têm interesses imobiliários no local”, afirma. Um estudo feito pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), em parceria com a faculdade de arquitetura da UFRJ, reconhecia o direito dos moradores de continuarem no local e previa a regularização fundiária, mas o Ministério do Meio Ambiente ignorou esse levantamento. “A cidade é pensada a partir do capital especulativo. Ou seja: a prioridade é atender os interesses de empresários e da indústria da construção civil, e não dos moradores”, observa Chaves, que foi Subprocurador-Geral de Justiça dos Direitos Humanos.

Ele considera justa a luta dos moradores do Horto, pois a defesa da moradia digna é também uma luta em defesa dos direitos humanos. “A violência praticada contra o povo pobre foi se acumulando ao longo do tempo e agora transborda nessas manifestações que estão ocorrendo. Aqui no Rio, por exemplo, houve a construção de estádios para poucos frequentarem, obras públicas sem controle algum, remoções sem critério que descumprem a Constituição. São muitos motivos para se rebelar”, analisa. Segundo ele, nas últimas semanas os brasileiros têm ido às ruas para defender saúde, educação e mobilidade urbana, o que foi sendo deixado de lado pelo poder público para se investir na repressão dos trabalhadores. “Isso ficou evidente nesses últimos dias, quando vimos policiais fortemente armados agredindo os manifestantes. A prioridade tem sido essa, e não garantir os direitos mínimos da população”, opina.

Polícia para defender o povo, e não para atacar

20130629_162931

Além de se manifestarem contra a remoção, os participantes do ato também exigiam a desmilitarização da polícia. Ou seja: eles entendem que os agentes de segurança pública devem servir o próprio povo, e não ser treinados em uma lógica de guerra de combate ao inimigo. “A polícia, desde sua origem, foi feita para defender os interesses da classe dominante. Sempre agiu com violência contra os interesses dos trabalhadores. E essa violência praticada pelo Estado é contra um grupo específico: em sua maioria são jovens negros e favelados”, observa Francilene Cardoso, moradora do morro Chapéu Mangueira e integrante do grupo Favela Não se Cala. Ela lembrou a chacina recente ocorrida na Maré, quando uma ação policial teve como resultado o saldo de dez pessoas mortas. “Além da punição dos policiais assassinos, temos que responsabilizar o [governador] Sérgio Cabral, o [prefeito] Eduardo Paes e o [secretário de segurança pública] Beltrame, porque por trás da ação da polícia têm aqueles que mandam matar”.

Os manifestantes também se concentraram em frente à sede da Rede Globo para defender o fim do monopólio dos meios de comunicação. “A mídia tradicional não ouve as vozes da favela. Dependemos de jornais alternativos para contar nossa versão dos fatos. Assassinatos em certas áreas normalmente são justificados, e essa é uma ideia que precisamos mudar”, conclui.