[por Raquel Junia] No dia 10 de setembro, moradores do Morro do Estado, em Niterói, região metropolitana do Rio, denunciaram o que consideram abusos da Polícia Militar na favela.
Em reunião na Associação dos Moradores, cerca de 50 pessoas relataram os episódios ao Sargento Ronaldo, da Polícia Militar. O Sargento representava na ocasião o Capitão Felipe Gonçalves Romeu, responsável pelo Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GPAE), presente no Morro do Estado há mais de dois anos.
Segundo os moradores, os problemas vêm acontecendo há algum tempo. Eles relataram, por exemplo, abuso de plantões específicos de policiais que proíbem a realização de festas já tradicionais no Morro, como o forró oferecido por um estabelecimento comercial, além de um caso de invasão de domicílio com agressão à dona da casa.
Mas o fato que motivou a mobilização da comunidade para fazer as denúncias foi a invasão pela polícia de uma festa de aniversário de uma criança de um ano, no dia 6 de setembro, na Associação de Moradores, alugada para tal finalidade. E, no dia seguinte, a proibição do futebol de domingo no campo do Morro do Estado.
Os moradores relataram que a polícia acabou com na festa e jogou gás de pimenta. O que teria motivado a ação seria um bate-boca entre duas mulheres presentes no aniversário. Os moradores garantem, entretanto, que as duas pessoas que brigavam já tinham sido retiradas do recinto e tudo já tinha voltado à tranqüilidade, o que acabaria com qualquer suposto motivo dos policiais para acabar com a festa. Eles afirmam também que os policiais que agiram assim estavam bêbados.
O pai da criança que fazia aniversário teria questionado a atitude dos policiais, o que fez com que ele fosse levado à sede do GPAE no Morro, o DPO [destacamento de policia ostensiva]que fica em frente ao local onde estava sendo realizada a festa. Os outros moradores, revoltados, teriam se dirigido ao DPO para protestarem contra o ocorrido. A ação dos moradores resultou em mais gás de pimenta e agressão.
Sargento afirma que policias não tem perfil para a função
O Sargento Ronaldo escutou as denúncias e disse que o uso do gás de pimenta ou lacrimogêneo está dentro da legalidade. “Foi uma ação preventiva, porque a população invadiu ao DPO”. A mãe da criança que fazia aniversário reagiu. “O meu filho tem um ano e já é a segunda vez que ele leva gás de pimenta”. Para o representante da polícia, os fatos têm que ser apurados e os moradores deveriam ter ido à delegacia prestar queixa do trabalho dos policiais.
“Mas quem garante que quando voltarmos para o morro vamos sobreviver?”, questiona uma das senhoras presentes.
O Sargento disse ainda que os policiais trabalham em más condições, o que não justifica, mas explica certo tipo de posicionamento. “Nós viemos para cá sem estrutura nenhuma, o DPO está cheio de defeitos”, comenta. Ele disse ainda que há “policiais problemáticos” no Morro do Estado, que não condizem com o perfil do policial que o GPAE propõe e que há dificuldades para que novos policiais sejam incorporados ao grupamento.
“Recebemos 30 policiais na 4ª de manhã, no mesmo dia à tarde, um dos policias foi preso”, exemplificou.
O representante do mandato do deputado estadual Marcelo Freixo, Flávio Serafini, presente na reunião, reforçou a necessidade de um treinamento diferenciado e a valorização dos policiais.
“Não adianta ter viatura nova, com um salário de pobreza”, comentou. Como Marcelo Freixo é vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio, o representante do mandato explicou aos moradores que a comissão existe para receber esse tipo de denúncias e que a população pode e deve procurá-la.
Criminalização da pobreza
Para o ex-secretário geral da Associação de Moradores do Morro do Estado, Sebastião José de Souza, também presente na reunião, a atuação dos policiais criminaliza os habitantes do Morro do Estado e é parte da política de segurança colocada em prática pelo governo do Rio de Janeiro.
Com outras palavras, uma das moradoras presentes reafirmou o posicionamento de Sebastião. “Eu queria ver se a festinha fosse em Icaraí [bairro nobre de Niterói], a polícia acabaria com a festa”.
Preocupados também com o futebol, os moradores questionaram várias vezes os motivos da proibição do uso do campo e disseram que se no próximo domingo, não pudessem novamente usar o espaço, considerado um dos poucos locais de lazer do Morro, a população ia “descer”.
O Sargento garantiu que o futebol poderia voltar a acontecer. Ele desmentiu os policiais do GPAE, que teriam afirmado aos moradores que o futebol estava suspenso por ordens do Capitão Romeu.
“A verdade é que depois do GPAE a gente não pode mais nada, só trabalhar e dormir”, expressou outra moradora.
A reunião durou quase três horas, a Associação ficou responsável por elaborar um relatório sobre a atuação do GPAE e protocolá-lo junto às autoridades policiais e à Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa.