Por Breno Altman
Caríssimos
Escrevo aos amigos e companheiros por conta de uma notícia triste. Faleceu Paulo Patarra, aos 74 anos, depois de longa batalha contra um câncer na garganta. Seus olhos se fecharam pela derradeira vez na tarde do último dia 21. Morreu como viveu: rindo e lutando. Em sua última entrevista, respondida por escrito ao jornalista Gil Campos (ABI Online), pois havia sido submetido a uma cirurgia para retirada d e laringe e cordas vocais, assacou uma de suas impagáveis joças : “Não é um câncer que vai me derrubar. Só pode me matar “. Era desses homens raros, que se quebra, mas não se dobra.
Comunista, ateu, genial, irônico, perspicaz como poucos. Certamente um dos maiores jornalistas da história desse país. Era o comandante da revista mais fascinante já produzida por aqui, a lendária “Realidade “: sob sua batuta trabalharam, nos anos 60, nomes esplendorosos como Raimundo Pereira, Sérgio de Souza, M ylton Severiano, Hamilton Ribeiro, entre outros. Nas páginas dessa publicação vibravam pautas e reportagens que faziam tremer de medo e raiva a ordem conservadora gerenciada pela ditadura dos militares. O jornalismo de Paulo Patarra era cheio de vida e verdade, coragem e generosidade, audácia e rigor, beleza e determinação. Não estava do lado das boas causas por que era um pregador de doutrinas, mas porque se esmerava em retratar os fatos e os processos com seus detalhes mais ocultos e seus dramas mais intrigantes. Também de suas mãos nasceram “ Repórter Três“ e “Bondinho“ , entre outros muitos projetos.
Muitos dos jornalistas daquela fornada, desiludidos com os compromissos e interesses de seus patrões, dedicaram-se a construir uma imprensa altern ativa. Eram bravos que renunciaram a altos salário s e posições de destaque para ajudar a resistência e as forças progressistas na fundaç ão de meios de comunicação que pudessem romper o ciclo do silêncio. Patarra fez uma outra aposta, enquanto pode: um dos profissionais mais qualificados de sua época, por muitos anos simplesmente insubstituível, forçou todos os limites para obrigar o baronato da mídia a fazer jornalismo de verdade. Rebelava redações, impunha pautas, brigava contra a interferência patronal. Quando não funcionava mais, pegava o boné e ia para casa, porque era o cara: um indomável. A “Realidade “ podia ser uma publicação da editora Abril (dos mesmos Civitas que editam um panfleto s órdido e velhaco como “Veja “), mas estampou as mais incríveis matérias e entrevistas. Nas suas páginas coloridas os leitores conheceram os líderes estudantis de 68, as opiniões de Luiz Carlos Prestes na mais dura clandestinidade, o que se passava na guerra do Vietnã, a revolução sexual pós-pílula, a música nova que ganhava o mundo.
Eu comecei a ter contato com ele nos anos seten ta. Fui muito amigo de seus filhos Sérgio (falecido aos 18 anos) e Dani. Também conhecia o Ivo, um pouco mais velho que nós. Paulinho, como os amigos o chamavam, era diferente de outros pais: ele nos levava tão a sério, com seu jeito irônico e atencioso, que a gente se emocionava. Que sujeito querido. Contava e ouvia histórias, animava nossos sonhos e ousadias, partilhava nossas descobertas de adolescentes, vibrava com nossos desejos de mudar o mundo aqui e agora.
Durante muitos anos, mesmo esporadicamente, eu o procurava para conversarmos e aprender com sua língua ferina. Era meu consultor preferido para os projetos de imprensa nos quais me envolvi. Havia me apaixonado pelo jornalismo muito cedo, mas não queria ser um empregado dos oligarcas da comunicaç ão. Meu sonho era inventar jornais e revistas que servissem às lutas do povo. Quando garoto, mergulhava noite adentro nas letras de John Reed, Emile Zola, Upton Sinclair, Jack London e tantos outros que fizeram da profissão uma tribuna dos rebeldes. Mas, patrioticamente, eu queria mesmo era ser como o brasileiro Paulo Patarra , o mais livre e libertador de todos os jornalistas .