Jennifer Lowenstein

Eu já disse várias vezes. Eu preciso de um descanso deste negócio horrível. Eu não consigo mais ouvir noticias sobre o Iraque ou sobre a Palestina. Esta guerra sangrenta me apavora.

Livrem-me dos eufemismos e das mentiras, do modo blasé em que nossos lideres e suas boquinhas na imprensa falando de assassinato e morte, a intelectualização a respeito de custos de guerra e causas feita por pessoas que nunca viram ou ouviram um F-16 despejar uma bomba sobre um prédio civil. Com pessoas – com famílias, vidas, histórias, esperanças e sonhos para o futuro – naquele prédio.

Tire-me daqui. Eu quero esquecer. Por favor, desliguem a guerra. Um e-mail de um grande amigo de Madison dizia: “Eu preciso de distância das noti[ícias ultimamente, eu acho, porque elas me levam à loucura” Quantos de nós tiveram este mesmo sentimento?

Mas então, eu estava ao telefone com um amigo em Rafah, no Estreito de Gaza, discursando sobre a política externa americana no Oriente Médio e de que como eu não poderia agüentar mais. Ele me escutou silenciosamente, simpaticamente – e respondeu com uma voz cheia de fadiga: “Eu gostaria de poder desligar também”.

Se você mora no Iraque ou na Palestina, se você mora em qualquer lugar do Oriente Médio hoje, você não pode desligar. Você não pode fugir. Nossas [dos Estados Unidos] ações belicistas e gananciosas transformaram uma região caótica e sofredora num inferno ainda maior. Ações normais, do dia a dia, envolvem a antecipação de bombardeios e mortes em massas, em indagações sobre a segurança de seus filhos, em saber se você vai conseguir chegar ao trabalho passando pelos postos de checagem, em saber quais serão os alvos que os americanos irão atacar no Iraque (Algumas pessoas pensam que a guerra não começou), de quantos civis irão morrer ou quantas casas os israelenses irão destruir e quantas vidas eles irão virar pelo avesso dessa vez.

Existem muitas ligações entre o que está ocorrendo no Iraque e o que está ocorrendo na Palestina – apesar do que a nossa mídia e nossos políticos insistem em dizer. Nós podemos obscurecer, ignorar ou rescrever realidades por aqui se quisermos, mas iraquianos e palestinos estão cercados pelo reino de terror americano-israelense na região. Não há fuga. Não há mudança de canal. Você não pode resistir. Se você o fizer, está morto. Você é o inimigo.

As noticias sobre o Iraque e a Palestina dificilmente chegam aos Estados Unidos. Quantas pessoas poderiam nos contar, por exemplo, que desde do inicio do ano de 2003, houve 20 bombardeios sobre o Iraque e de que houve um bom número de civis mortos e feridos nesses ataques?

Quantos saberiam que os aviões americanos e britânicos bombardearam mais de 80 alvos no sul do Iraque durante os últimos cinco meses “conduzindo uma guerra aérea mesmo quando inspetores da ONU trabalham e diplomatas buscam maneiras de se evitar uma guerra total”? (Irish Times, 16/01/03)

Quantas pessoas sabem que em certos desses ataques, que ao passar dos anos destruíram muita da infra-estrutura civil do Iraque (Um crime de guerra, segundo a lei internacional), pilotos americanos despejaram milhões de panfletos na “Zona de Exclusão Aérea” (também ilegal dentro da lei internacional) alertando iraquianos para não repararem instalações danificadas? (Matt Kelley, Associated Press; 11/02/03,entre outros)?

Quantos estão cientes de que cânceres na infância, em especial leucemia, estouraram no Iraque como resultado das balas de urânio empobrecido utilizadas sobre o sul do Iraque em 1991?

Quantos podem entender o que é se viver num ambiente poluído e envenenado além do que se pode reparar? Quantos sabem que de cada dez crianças mortas no Iraque, sete morrem de diarréia, infecções relacionadas com poluição das águas e desnutrição?

Quantas pessoas podem entender o que significa viver sobre a constante ameaça de guerra, não sabendo se você estará vivo amanhã, se sua família está segura, se seus amigos ainda estão vivos? Quantos sabem que os iraquianos estão enfrentando um desastre humanitário?

Que mais da metade da população iraquiana depende de ajuda alimentar do exterior? Que o Iraque passou pelo maior aumento na mortalidade infantil do mundo, como resultado das sanções patrocinadas pelos EUA, pela destruição de usinas de força e de tratamento de água e pela desnutrição resultante (Oxfam Briefing Note; www.oxfam.org.uk/policy/papers/iraq)? Não seria esta uma forma de guerra química e biológica?

Quantos sabem que quando a

guerra “oficial” começar, estimativas são de que mais de 250 mil morram sobre os planejados bombardeios de Bagdá porque, quanto mais pessoas nós matamos, menores a chances de haverem baixas do lado americano e britânico? Quantos se importam de que o Iraque não tem nada a ver com os ataques de 11 de setembro contra os EUA? De que o iraquiano médio não tenha nada a ver com a ascensão de Saddam Hussein, cuja ascensão ao poder foi apoiada, ou mesmo financiada, pelos Estados Unidos? Quantos de nós ao menos começamos a entender o real significado de terror?

Quantas pessoas sabem que as forças de ocupação de Israel estão destruindo casas de famílias inteiras, fazendas e negócios todo dia no Estreito de Gaza e na Cisjordânia para poderem construir um muro enorme não só separando palestinos e israelenses, mas forçando os palestinos a viver em guetos ainda maiores e superpovoados? Por quê não há reportagens sobre a destruição de poços de água potável, hospitais, escolas e creches? Por quê não podemos ver os rostos dos quase dois mil homens, mulheres e crianças palestinas mortas desde da deflagração da última Intifada?

Por quê as pessoas parecem duvidosas ou indignadas quando elas ouvem que a limpeza étnica e o apartheid são a principal característica da política de Israel e de que o povo americano é o seu principal financiador e subsidiador militar? De que a guerra contra o Iraque pode muito bem facilitar a política de “transferência” ou expulsão em massa de palestinos do que restou de sua terra?

Iraquianos e palestinos não podem desligar a televisão ou ignorar as notícias para faze-lo ir embora. Nós [estadunidenses] fizemos guerra, destruição e ameaças militares na realidade brutal e inescapável de suas vidas, aterrorizando-os dia e noite. Nós unimos iraquianos e palestinos dentro do mesmo terrorismo patrocinado pelos EUA.

Desligar a guerra aqui significa trair as pessoas em cujo o beneficio nós devemos lutar agora. Cabe a nós frear o nosso regime racista, sádico e sanguinolento antes que ele dê um passo a mais. Cabe a nós colocar a esperança no lugar do terror. Não desligue a guerra agora. A luta mal começou.

Jennifer Lowenstein passou boa parte dos ultimos três anos em campos para refugiados no Estreito de Gaza, Cisjordânia e Líbano. Ela é membro da Aliança Palestina/Israel para Paz & Justiça (PIPAJA) e fundadora do Projeto Rafah-Madison Cidades Irmãs. Para se envolver mais ou receber mais informação, ligue (608) 215-9157 ou associe-se a lista de discussão da PIPAJA através de PIPAJA-subscribe@yahoogroups.com.