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Por Daniele Silveira da Radioagência BdF.

Brancos representam 80% dos atores e atrizes das produções cinematográficas de maior bilheteria de 2002 a 2012. Somente 2% desses filmes foram dirigidos por pretos ou pardos, e roteiristas totalizam 4%.

Mesmo sendo a maioria da população brasileira, os negros não estão representados nos filmes nacionais. Entre as produções cinematográficas de maior bilheteria dos anos de 2002 a 2012, os brancos compõem a maioria dos atores e atrizes, correspondendo a 80%, enquanto os pretos e pardos totalizam apenas 20%.

A constatação foi feita por uma pesquisa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Intitulado “A Cara do Cinema Nacional”, o estudo demonstrou que a desigualdade é ainda maior quando se faz o recorte de gênero. As mulheres pretas e pardas ocuparam apenas 4% dos papeis de destaque.

Não é somente diante das câmeras que acontece a invisibilidade dos negros. No trabalho de direção e roteiro essa população também é vetada. No período avaliado, somente 2% dos filmes de maior bilheteria brasileiros foram dirigidos por pretos ou pardos, e roteiristas totalizam 4%.

Esses números dão um panorama de como o racismo opera. Em entrevista à Radioagência BdF, uma das pesquisadoras, Gabriela Moratelli, fala como o cinema reproduz hierarquias sociais e contribui para difundir estereótipos.

Ela defende leis mais rígidas para a democratização da produção audiovisual no país, pois enquanto o cinema for dominado pelo “ideário elitista e racista brasileiro, os negros vão continuar sendo sub-representados”.

Radioagência BdF: Gabriela, qual a “Cara do Cinema Nacional”?

Gabriela Moratelli: A gente percebeu, por exemplo, que a representação das mulheres no cinema ocupando papeis nas telas é bem pequena. A gente percebeu que foi quase nulo, o número de roteiristas negras e o número de diretoras negras. Isso, na verdade, reflete a situação que a gente tem hoje em dia hegemônica em que os negros são sub-representados.

E o percentual é tão dispare que a gente chegou a perceber que no caso dos roteiristas a questão do gênero, ainda que a gente deixe de lado essa questão da cor, mesmo entre os brancos que correspondem a maioria dos roteiristas 68% eram homens e 24% eram mulheres

Radioagência BdF: A que se deve a falta de representatividade dos negros nas produções do país?

GM: Mesmo as próprias leis são bastante abrangentes e não determinam um quantitativo especifico. Isso dá inclusive liberdade para os diretores colocarem nos filmes a quantidade de pessoas negras ou quantidade de mulheres que eles bem entenderem. A gente observou, por exemplo, nos filmes que eram comédias românticas quase uma ausência de protagonistas mulheres negras. As comédias românticas são as que seguem mais um padrão de “branquitude” mesmo. Normalmente é uma mulher branca e um homem branco que estão envolvidos nos papéis principais.

Radioagência BdF: E quando as mulheres negras aparecem, como elas são representadas?

GM: A gente está fazendo agora um levantamento mais refinado sobre a representação dessas mulheres, mas pelo que a gente pode observar nos trailers é que normalmente as mulheres negras quando aparecem são empregadas domésticas. Em alguns filmes estão ligadas a escolas de samba, mas dificilmente você vê nos filmes mulheres negras de classe média. Os ambientes que elas ocupam também, normalmente, mulheres negras aparecem nas favelas. Nos filmes que retratam o ambiente da favela é onde as mulheres negras e os homens negros mais aparecem.

Radioagência BdF: Tem uma relação da personagem com questões estereotipadas e muito ligada a pobreza e criminalidade.

GM: É exatamente isso, na maioria das vezes é estereotipado. Mas isso não acontece só com personagens negros. Na maioria das vezes quando os nordestinos aparecem também são sub-representados. Associados a ideia de atraso, do homem do sertão, o nordeste como ambiente da seca, da pobreza.

Radioagência BdF: Quais as consequências desse cenário em que os negros são a maioria da população, mas não estão representados nas telas nem trabalhando na parte mais técnica de produção dos nossos filmes?

GM: O que a gente percebe, que é a consequência disso, é a produção de uma imagem que não corresponde a realidade. Apesar de existir uma maioria da população negra, ocupar uma porcentagem gigantesca no Brasil, eles são sub-representados e isso é ruim para a própria imagem que os negros fazem de si mesmos. Porque a gente sabe que o cinema tem um papel importante em termos de mídia, em termos de entretenimento daquilo que as pessoas veem.

Radioagência BdF: Como é possível democratizar a produção audiovisual no país?

GM: Eu acho que através das leis isso seria uma forma. Leis já existem, mas que essas leis permeiem a produção privada também. O caso do Rio de Janeiro, por exemplo, se um produtor quiser ter um patrocínio do governo municipal ele precisa ter pelo menos 40% dos personagens dele negros. Mas que personagens são esses? Será que se ele colocar 40% dos figurantes negros ele ainda vai ter patrocínio?

Dentro do ideário elitista brasileiro e racista os negros vão continuar sendo sub-representados enquanto não houver nenhum tipo de lei que dê conta do controle mesmo que seja mínimo.