Por Fernando Silva
Como já era de esperar, o governo federal está aumentando o arrocho nos gastos públicos e, de maneira geral, sinalizando mesmo que vamos a um endurecimento da política econômica.
Esta é a conclusão que se pode extrair do recente anúncio de que os cortes no Orçamento da União podem chegar a R$ 30 bilhões (e não mais os R$ 20 bilhões anunciados em janeiro).
As razões são também públicas: sinalizar para o capital financeiro que, nesses tempos de turbulência mundial, o Brasil não sairá da linha da ortodoxia neoliberal. Afinal, é necessário manter o patamar do superávit primário para pagar os juros da dívida pública. Dessa forma, o governo esperar conter a desconfiança de que, em ano eleitoral e com crise econômica externa, o Brasil poderia deixar de ser um porto seguro para o grande capital.
Enquanto isso, no mundo dos mortais, assiste-se à tragédia social mais recente: a gravíssima epidemia de Dengue e o suplício que isso significa para as camadas mais pobres da população: quase 70 mortes até o momento, apenas no Rio de Janeiro, cenas tristes de pessoas doentes, largadas em escadas e salas de postos de saúde, sem nenhuma condição de um atendimento digno.
Para onde vai o dinheiro
Aprofunda-se o colapso na saúde pública, em relação direta com o comprometimento do governo federal com a manutenção dos pilares da sua política econômica, que poderia ser resumida em um lema do tipo: nenhum centavo a menos para o capital financeiro, custe isso quantas vidas custar.
Lembremos que, no Orçamento de 2007, o governo pagou R$ 237 bilhões para juros e amortizações da dívida pública (!), enquanto para a saúde pública foram R$ 40 bilhões os recursos destinados pelo mesmo Orçamento. As conseqüências aí estão.
Como sabemos, o governo federal não está sozinho na responsabilidade por essa tragédia. Bastou uma semana de intensa divulgação da epidemia na grande imprensa para que as acusações mútuas entre a prefeitura do Rio de Janeiro (do DEM César Maia), o governo estadual (do PMDB de Sergio Cabral) e o governo federal caíssem no ridículo, na farsa, pois todos eles cortaram recursos destinados ao combate à Dengue.
Ou seja, setor ou partido nenhum dos dois grandes blocos dominantes da política brasileira se atrevem a contestar os parâmetros do “modelo” econômico, ainda que para muitos as conseqüências sociais possam custar mandatos nas urnas.
Contradições e gargalos se agravam
É por situações concretas, como essa epidemia que abala o país, que os números favoráveis ao governo em relação à economia e à sua própria popularidade não nos devem impressionar e nos impedir de atentar para as tremendas contradições sociais que vão se agravando.
Entre outras razões porque, neste ano, crescerão as incertezas provocadas pela crise financeira e bancária na principal economia capitalista do planeta, que pode colocar os EUA em recessão, o que teria forte impacto mundial.
Mas, ainda que a crise econômica não chegue a curto prazo no Brasil, a turbulência já se verifica nos surtos de saída de capitais da Bolsa de Valores de São Paulo, na instabilidade do preço das commodities (devido à hipótese de que também exista uma bolha de supervalorização desses preços), na possibilidade crescente de aumento da taxa de juros — o que pode ter conseqüências mais sérias em uma economia movida a crédito barato nos últimos anos — e nos recentes dados do desequilíbrio das contas externas, como a queda de 70% no saldo da balança comercial no período de um ano (março 2007 a março de 2008).
Mas enquanto as coisas continuam como estão, e por mais que o próprio presidente se encante com sua alta popularidade a ponto de emitir suas bravatas quase diárias, como a da “conversa” por telefone com Bush, a classe trabalhadora é que paga a conta de uma grave crise social, que número positivo nenhum da economia consegue esconder.
O problema é que, infelizmente, como sabemos, desde os anos 80, quando explodiu pela primeira vez a crise da dívida externa, para os seguidos governos da classe dominante, incluindo o atual, a dívida sempre foi mesmo mais importante do que a vida…
Romper com essa lógica, ou seja, com o pagamento desta sangria para o capital financeiro através da dívida pública, continua na ordem do dia para os movimentos sociais combativos e a esquerda socialista.
Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do conselho editorial da revista Debate Socialista.