“Macunaíma, Subdesenvolvimento e Cultura”, de Samuel Pinheiro, inicia um debate que marcará 2005: as políticas culturais e a identidade de uma nação
O ano de 2005 promete ser fértil no debate sobre as formas nacionais e internacionais de promover a cultura e normatizar intercâmbios, comerciais ou não. Antes que a Organização Mundial do Comércio conclua negociações da Rodada de Doha, entre elas acordos sobre mercados para a indústria cultural, a Unesco pretende conseguir, até outubro do ano que vem, um bom número de governos adeptos a uma abordagem não mercadológica para a cultura.
Enquanto os acordos do livre comércio tendem a favorecer, por exemplo, a manutenção da hegemonia do audiovisual norte-americano sobre os mercados de seu interesse, a Unesco tentará lançar, na 33a sessão de sua Conferencia Geral, a “Convenção sobre a Proteção da Diversidade dos Conteúdos Culturais e das Expressões Artísticas”.
Ao contrário do que propõe a OMC, a convenção da Unesco consiste na garantia e estímulo às políticas nacionais de produção cultural, como forma de proteger sua diversidade no planeta e a valorização de identidades locais e nacionais. Em poucas palavras, são caminhos excludentes, entre os quais países com o Brasil terão de optar.
O debate sobre políticas reguladoras das atividades e produções audio-visuais, consideradas estratégicas para a soberania e identidade nacionais, está particularmente aquecido no Brasil, com o projeto do governo federal de criação da Ancinav – Agência Nacional do Cinema e do Audivisual. Proteger ou não mercados e investimentos para o áudio-visual brasileiro é a decisão que o governo terá de tomar tanto nos esforços regulatórios internos ou nos acordos internacionais aos quais aderir.
Uma das primeiras contribuições a esse debate foi produzida, por ocasião do lançamento do projeto da Ancinav pelo Ministério da Cultura, pelo embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, com a publicação do texto “Macunaíma, Subdesenvolvimento de Cultura”.
Nele, o secretário-geral do Itamaraty procura analisar os resultados desastrosos da “incompreensão, miopia e omissão dos governos em relação à política cultural, de comunicação e de educação”, que sujeitaram a elaboração, produção e difusão cultural brasileira à uma hegemonia cultural estrangeira, exercida especialmente pelo audio visual norte-americano.
A dimensão desses erros tornou-se imensurável ao somar-se com a “vulnerabilidade ideológica” observada pelo embaixador na história cultural brasileira, onde as elites mantiveram sempre seu comportamento dócil ao pensamento estrangeiro e colonizador, buscando fora as soluções e respostas para os desafios nacionais.
Para Samuel Pinheiro, as interpretações da realidade mundial elaboradas pelas manifestações culturais hegemônicas norte-americanas passaram a predominar, refletindo os preconceitos e os estereótipos daquela cultura e os interesses daquela sociedade. “A esmagadora maioria dos fatos e das interpretações que conhecemos sobre o passado do próprio Brasil e do mundo depende da elaboração intelectual e cultural de historiadores e artistas, em especial os criadores de obras audiovisuais e literárias, por mais que sejam elas consideradas apenas como obras de ficção”, ele explica.
“Muito daquilo que um brasileiro imagina a respeito de situações e valores individuais e sociais é uma construção cultural/literária/audiovisual/noticiosa, muitas vezes repleta de preconceitos e estereótipos. Tudo o que sabemos sobre a história da sociedade brasileira não foi vivido por nós, mas sim elaborado por terceiros”.
Em “Macunaíma…”, Samuel Pinheiro Guimarães defende claramente a formulação pelo Estado de políticas que estimulem a produção e regulem mercados para o audiovisual e as produções culturais brasileiras, e sua articulação com as políticas de educação e comunicação. Leia aqui a íntegra do texto
Publicado em www.planetaportoalegre.net: 29/09/2004