Muitas coisas não saíram como Israel esperava nessa guerra, e uma de suas experiências mais desconcertantes foi com a TV Al-Manar, do Hezbollah. O primeiro ataque aéreo israelense em Beirute teve como alvo a antena da emissora, no bairro de Haret Hreik, sul de Beirute, onde se concentrava a infra-estrutura política do Hezbollah (o centro operacional militar fica em Baalbek, 85 quilômetros a leste da capital). Graças a uma segunda antena, para a qual o sinal foi desviado, a transmissão continuou normalmente.

No quinto dia, os israelenses dispararam um míssil contra o prédio de sete andares, decepando os três de cima. Os telespectadores não notaram nada. Naquela mesma noite, despejaram uma bomba pesada que desintegrou a superfície do prédio e ainda abriu uma cratera. “Agora, vou lhe contar um segredo de guerra”, diz o gerente administrativo da Al-Manar, que está fazendo esse relato ao Estado, com a condição de não ter seu nome divulgado. “A bomba destruiu o edifício até o primeiro subsolo, mas a emissora estava operando no segundo subsolo – sempre ao vivo.”

A equipe gravou uma hora de programa, para dar tempo de chegar até novas instalações – cujo local não é revelado -, e retomar a transmissão ao vivo. O espectador, de novo, não notou nada. “Os israelenses ficaram loucos”, diverte-se o gerente. “Eles bombardearam a sede da TV por quase 24 horas. No dia seguinte, demoraram a entender o que se passava.” A emissora recebeu a informação de que alguns equipamentos tinham ficado intactos, e mandou três técnicos para o local. O movimento atraiu a atenção dos israelenses, que bombardearam o local. Os funcionários se salvaram por pouco.

O gerente conta que os executivos do Hezbollah pararam de usar celulares, porque os israelenses entravam na freqüência para dizer que sabiam onde eles estavam e insultá-los. Segundo ele, quando notavam que os aviões com câmera não-tripulados os estavam seguindo, os executivos paravam o carro numa garagem subterrânea, trocavam de carro e seguiam, enquanto os MKs, como são chamados aqui, continuavam parados no local.

Ao concluir que a Al-Manar se tinha mudado, os israelenses passaram a atacar outros prédios, e chegaram a anunciar que tinham destruído a nova sede da TV. Primeiro foi um prédio ao lado, depois, no décimo dia, uma academia de ginástica, e, no 21º, o Edifício Haimodi, a algumas quadras dali. Quatro minutos antes de entrar em vigor o cessar-fogo, dia 14, os israelenses atacaram uma antena da Al-Manar na montanha de Keifun, ao leste de Beirute. “Eles começaram e terminaram com a Al-Manar”, conclui o gerente.

Durante a manhã, a emissora transmite ao vivo entrevistas num estúdio improvisado debaixo de um toldo montado na rua, em Haret Hreik. À tarde, os trabalhos são transferidos para o prédio secreto. No local onde antes estava o seu prédio, foi colocada uma faixa: “A chama da Al-Manar (que significa à luz”) nunca se apagará.” Em redor, no bairro devastado, há várias faixas do Hezbollah colocadas sobre os escombros, ironizando o bombardeio: “The new Middle Beast” (um trocadilho com a expressão “novo Oriente Médio, usada pelo governo americano) ou “Made in USA – trade mark”, e ainda “Alvo extremamente acurado”.

Formado em engenharia eletrônica, o gerente conta que participou da montagem da emissora, em 1999, quando a equipe se resumia a cinco pessoas. Na TV estão investidos US$ 15 milhões, e o custo operacional mensal é de US$ 500 mil. A Al-Manar tem 400 funcionários, dos quais 92 mulheres. Sua programação é composta de noticiário, entrevistas e propaganda do Hezbollah.

A emissora tem correspondentes na França, Inglaterra, Bélgica, Itália, Turquia, Irã e todos os países árabes. Sua transmissão para os Estados Unidos e Austrália é bloqueada. Nos países da União Européia, foi proibida nos canais a cabo, mas quem tem antena parabólica pode captá-la. No resto do mundo, incluindo o Brasil, ela pode ser vista. No Líbano, ela é a terceira em audiência, mas se torna a primeira em tempos de guerra. Não há estimativas do número de telespectadores.