Imagem: Blog Tijolaço
O último texto dessa coluna abordou o acervo completo do jornal O Globo. Destacou, principalmente, o apoio do periódico ao golpe militar de 1964. Avaliou que a abertura ao público dos “11 milhões de documentos” do jornalão poderia ter como objetivo tornar menos visíveis episódios vergonhosos, como o apoio do diário carioca à ditadura que se seguiu ao golpe. Mas, logo depois, o “Globo” não só reconheceu a postura favorável à implantação da ditadura de 64, como pediu desculpas por isso. Em 31/08, publicou o editorial “Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro”. O texto afirma que “há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro”. E que a decisão de tornar pública esta avaliação aconteceu há alguns meses, quando o projeto “Memória” estava sendo estruturado. | Por Sérgio Domingues* | Continue lendo.
Desde a publicação do editorial, muita gente da imprensa alternativa escreveu bons textos sobre a decisão do jornalão. Entre eles, destaca-se o de Fernando Brito que, em seu blog Tijolaço, recusa o pedido de desculpas e diz que não se tratou de um erro, mas de um crime.
Marco Aurélio Weissheimer também publicou bom texto na Carta Maior, e apresentou uma coletânea de frases publicadas nas redes virtuais, ironizando o episódio. Como estes, há muitos outros que podem ser encontrados nos melhores blogs e sites alternativos. Portanto, este texto teria pouco a acrescentar. A destacar apenas alguns pontos.
Em primeiro lugar, o editorial de O Globo afirma que o jornal esperava uma rápida passagem dos militares pelo governo e a devolução deste aos civis, com a realização de eleições livres. Mas, diz o texto, “o desenrolar da ‘revolução’ é conhecido”: “Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa”.
O “desenrolar da revolução” também mostrou as Organizações Globo completamente à vontade com a situação ditatorial. Não basta afirmar que Roberto Marinho protegia os “comunistas” que trabalhavam para ele. Nem que acompanhava “seus jornalistas” nos depoimentos a que eram convocados pelos órgãos de repressão para que não desaparecessem.
Nada disso é suficiente quando o conjunto das Organizações Globo trabalhava pela legitimação deste mesmo regime que perseguia “comunistas” e desaparecia com jornalistas. É como agiria um senhor de escravos que não deixa matarem seus cativos para não sofrer prejuízo em seu patrimônio.
Também não é suficiente afirmar que Marinho sempre defendera a legalidade. Muitas das leis vigentes sob a ditadura eram injustas, abusivas, desumanas. Denunciá-las e desafiá-las. Esta era a obrigação de um jornal que zelasse pela liberdade e pela justiça. Colocar-se, inclusive, na ilegalidade, como muitos jornalistas verdadeiros fizeram. Mas as Organizações Globo estavam preocupadas em subverter outras leis. As da livre concorrência. Por isso, montaram um dos maiores monopólios de mídia do mundo, precisamente sob as leis ilegítimas da ditadura militar.
Por fim, a conclusão a que o último texto desta coluna chegou não estava totalmente errada. O Globo não escondeu sua postura vergonhosa em relação ao golpe de 64. Evidenciou-a e por ela pediu desculpas. Mas o próprio ato esconde mais do que mostra. Espera, com isso, colocar uma pedra sobre o assunto e aliviar a pressão que vem sofrendo nas manifestações populares.
Continuamos a ser desafiados e, agora ainda mais fortemente, a mostrar que se trata de mais uma manobra. Mais um truque de quem sempre esteve ao lado dos que travam uma guerra suja contra a liberdade.
*Sérgio Domingues é sociólogo e autor do blog Pílulas Diárias.