[Por Marcio Pochamnn – 3.10.17] A passividade das ruas e a apatia dos brasileiros têm sido identificadas por acomodação das lutas de classe. A prevalência de um presidente tão impopular, envolvido por diversos escândalos de corrupção e impositor de reformas que mesmo rejeitadas avançam pela troca de votos parlamentares por privilégios das verbas e cargos públicos, não valida, contudo, tal compreensão.
Acontece que a convencional luta de classe consolidada pela antiga sociedade urbana e industrial sofre importantes mudanças diante da ascensão da sociedade de serviços. Pela tradicional classe trabalhadora industrial, a organização taylorista e fordista da produção implicou hierarquia e polarização entre os que mandavam e os que eram mandados. O trabalho material resultava em produção de algo concreto e palpável, indicando as razões de pertencimento e identidade de classe a partir da presença no próprio local de trabalho.
Nos serviços, todavia, o trabalho imaterial não resulta, em geral, em algo concreto e palpável, podendo ser realizado, inclusive, fora do local de trabalho por meio das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). A organização da produção dos serviços transcorre com menor definição de hierarquias, o que embaralha a identificação de classe e de pertencimento dos trabalhadores.
Nesse sentido, o processo de controle e dominação de uma classe sobre outra se desloca da natureza objetiva e racional para a apropriação cada vez maior da subjetividade humana. Isso porque a difusão das tecnologias de informação e comunicação possibilita que a riqueza capitalista resulte do tempo de trabalho e, cada vez mais, do tempo do não trabalho.
Os controles impostos aos empregados externamente pelo controle de capazes, gerentes, supervisores, entre outros no interior do local de trabalho tornam-se cada vez mais obsoletos. A introjeção dos controles no interior dos indivíduos pela apropriação da subjetividade ofusca a luta de classes a partir do próprio local de trabalho.
Exemplo disso tem sido a adoção dos processos de gamificação na formação e gestão da classe trabalhadora de serviços com forma de obter maior envolvimento individual na realização das tarefas laborais. O engajamento e a elevação da eficiência do trabalhador decorrem da incorporação das técnicas dos jogos online (gamificação) no funcionamento de empresas e indústrias.
Por meio do progresso das tecnologias e dispositivos eletrônicos móveis, os projetos de gamificação se generalizam pelo alcance do indivíduo em qualquer lugar e horário. Também o entrelaçamento das informações de bancos de dados constituídos permitiu formar séries quantitativas de resultados, com a crescente comparação entre os próprios trabalhadores.
O sentido da concorrência no trabalho avançou, submetida, sobretudo à lógica dos jogos que captam a atenção e o envolvimento pela competição interna entre empregados motivados pelo alcance de metas e o aprendizado na escola para formação para o trabalho. Dessa forma, o jogo que representava uma atividade de distração no período do não trabalho, assume cada vez mais pela gamificação a forma de cooperação e envolvimento do indivíduo pelo seu tempo de trabalho e de não trabalho.
A luta de classes evolui da identidade constituída no interior do local de trabalho para o pertencimento fora do local de trabalho, cada vez mais contaminado pela apropriação da subjetividade humana. Talvez por isso, a insatisfação generalizada dos brasileiros com o governo Temer ainda não se traduziu na convergência explosiva das massas. Mas isso pode ocorrer tão logo se constitua uma força alternativa com credibilidade e confiança suficiente em suas proposições.