Por Raquel Junia
Mauricio Dias é diretor-adjunto da revista Carta Capital, uma publicação, como classifica o próprio jornalista que “pensa contra o establishment conservador”. Com experiência na grande mídia, Mauricio garante que não adianta o jornalista dessas empresas lutarem ideologicamente lá dentro, mas sim, zelar pela qualidade técnica da reportagem. “É muito complicado por si só uma pessoa de esquerda trabalhar na mídia conservadora”. O jornalista participou da mesa A resistência na grande mídia, junto com Maria Inês Nassif, jornalista do Valor Econômico, durante o 14º Curso Anual do NPC.
Você é o convidado da mesa A resistência na grande mídia, mas faz parte de uma revista, que é a Carta Capital, que tem uma diferenciação ao que a gente geralmente denomina como grande mídia. Como é a sua experiência na revista?
Eu não sei se fui chamado porque tenho uma trajetória na imprensa, ou porque estou na Carta Capital. O que significa a grande mídia? Na verdade, quando se fala em grande mídia você pode remeter imediatamente para tiragem, mas será que isso qualifica? A grande mídia na minha opinião é a mídia que tem uma visão conservadora do país, e ela está dentro desse sentimento que existe no Brasil de sentimento único. Normalmente é uma imprensa que remunera bem o profissional, tem bons recursos gráficos, enfim, tem toda a aparência da riqueza e é rica. A Carta Capital tem algumas coisas parecidas, é uma revista que disputa anúncios das grandes empresas, remunera bem os profissionais, mas tem um diferencial fundamental: ela pensa contra o establishment conservador. Essa é uma das características, num país acostumado a um pensamento único, ela é absolutamente dissonante. Ela não é a revista que só apresenta os fatos, ela interpreta os fatos claramente com a posição dela, ela não ilude o leitor com a idéia de que é isenta e imparcial.
Você trabalha na Carta Capital por esse motivo? Trabalharia num veículo dessa grande mídia conservadora?
Eu já trabalhei. Trabalhei na Veja, mas numa época… Acho que sempre fui muito feliz, eu trabalhei na Veja durante a ditadura militar, que o diretor era o Mino Carta, eu era um modesto repórter e ele nem me conhecia. E quando ele foi fundar a Isto é, me chamou, eu troquei a Veja pela Isto é, pelo mesmo salário. Trabalhamos na Isto é, saímos simultaneamente de lá no episódio Collor, o Eriberto, aquele motorista que a revista mostrou, aí tem uma situação interna que nos obrigou a sair, e eu fui para o Jornal do Brasil. O Jornal do Brasil também tinha uma forte tradição liberal, embora fosse um jornal também com todas as contradições dessa chamada grande mídia, que apoiou o golpe de 64, como toda a imprensa brasileira. Mas a partir de um certo tempo, um pouco da história dele tem bons grandes momentos, como aliás, todas as instituições variam de posições boas para ruins, e tive lá uma trajetória longa, fazia o Informe JB e nunca ninguém interferiu. Eu acho que de certa forma, o diabo sabe para quem aparece. Se fossem mexer na minha coluna… Não que eu seja uma pessoa diferenciada, apenas tenho cuidado com o meu modesto nome e o falecido Doutor Brito se chegasse lá para impor alguma coisa eu diria para ele que ali não, mas ele certamente diria: “mas o jornal é meu” e eu responderia: “mas o nome é meu”. Eu já tinha isso decorado.
Nunca precisou usar a frase?
Nunca usei. Pelo contrário, eu tenho um bilhete dele que é muito sintomático, ele manda um bilhete pedindo se eu poderia dar uma nota sobre um amigo dele. Ele manda a história e eu publiquei lá no Lance Livre, que era onde eu colocava as notinhas. Era um amigo dele que foi eleito para a Academia de Letras do Banco do Brasil, sem nenhum problema coloquei. Mas, então, não tive essa felicidade. Agora, na grande imprensa, o papel do jornalista é um confronto diário com o dono do jornal, porque é muito complicado por si só uma pessoa de esquerda trabalhar numa mídia conservadora. Há um antagonismo proposto pelo Hegel que é a relação do senhor com o escravo, o escravo depois de algum tempo assimila a consciência do patrão, do senhor de escravo, e infelizmente isso acontece muito na imprensa brasileira com jornalista.
Você acha que as pessoas entram mais combativas e no decorrer do processo…
Assimilam. Por que? Por questões de não perder o emprego e por falta de formação mais sólida. Por exemplo, durante a última campanha eleitoral eu recebi três telefonemas de amigos meus em organismos diversos da imprensa. Todos eles num dilema muito cruel,pegaram as matérias deles, mexeram, deixaram o nome e transformaram em matérias todas anti-lula e eles tinham feito matérias corretas profissionalmente. E eles disseram: “o que eu faço?” Evidentemente que eu não sugeriria a ninguém que se demitisse, mas entendia a dificuldade da situação. E o que eu sugeri foi que eles tentassem negociar internamente, se mexessem, tirassem o nome. É claro que às vezes o editor tem que mexer na matéria, mas a gente sabe quando o editor dá o corte por uma questão de espaço e dá o corte por uma questão política.
E eles ne
gociaram?
Tentaram, não sei se deu certo. Continuam lá.
Como você vê o papel da mídia alternativa hoje, incluindo mídias comunitárias, populares?
Eu acho que tem um papel muito importante. Eu tenho um exemplo que não é exatamente uma mídia alternativa, mas é uma mídia nova que estava provocando uma revolução que eu não sei onde vai levar que é a internet. Tem um episódio vivido pela Carta Capital, exatamente no primeiro para o segundo turno das eleições presidenciais. Nós demos uma matéria feita pelo Raimundo Pereira, eu até fiz aqui no Rio uma parte com o Ali Kamel [Globo], sobre o fato da Globo usar aquele negócio do dinheiro para impactar e desequilibrar a eleição, no mesmo dia do acidente com o avião. Não houve uma repercussão na chamada grande imprensa. Mas mesmo assim primeiro a Globo tentou negociar comigo um espaço, eu concedia um espaço e eles queriam muito mais, e eu ponderava: “olha, vamos resumir isso em uma página de resposta”. E eles não queriam, enfim, depois cederam, mas aí me mandaram um email, eu tenho isso registrado, dizendo que não, que eles precisavam de duas páginas, e eles tinham dito que se não déssemos esse espaço eles iriam comprar, e aí eles compraram duas páginas da Carta Capital, publicidade. Agora, por que? Se a chamada grande imprensa não repercutiu a matéria da Carta Capital, porque eles foram comprar espaço para responder? Exatamente porque a repercussão na internet foi uma coisa monumental. Foi a internet que os obrigou nesse episódio a recorrerem a compra publicitária de duas páginas de revista para responder a matéria que foi feita. Então, eu acho que o papel das mídias são muito importantes. Agora, evidentemente que se nós falarmos da mídia avassaladoramente mais importante que é a TV Globo, aí não há como você lidar, é um veículo caro, numa sociedade como a nossa tem uma influência maior, é uma sociedade que lê muito pouco. Se a TV Pública que acho que pode ter um papel importante, se ela não tiver recursos, não vai adiantar nada, porque se ficar sem audiência você acaba não influenciando no processo, em termos de televisão. Mas essa mídia alternativa, junta uma com a outra e mais outra, forma um caudal, um potencial muito grande. Mas lamentavelmente eu acho que precisávamos de mais visão dissidente na grande imprensa brasileira além de Carta Capital, não há um jornal pegando como exemplo a crise do governo Lula, de 2005, a eleição de 2006, a imprensa é unânime, a grande imprensa brasileira, salvo um colunista aqui, outro ali, muito pouco, você conta nos dedos de uma mão. Mas acho o papel da mídia alternativa importante, acho que ela faz um trabalho, internet principalmente. Vou fazer aqui a crônica pessoal. Minha filha fez vestibular na UFRJ e eles responderam um questionário lá. Ela me chamou a atenção: “olha que pode dar uma nota para você”, 20% das pessoas que responderam, foram cerca de 7 mil alunos, disseram que se informam pela internet. Acho um número muito expressivo, é um universo essencialmente de classe média.
Essa talvez seja uma limitação…
Uma limitação, mas também é importante, porque a classe média brasileira, em função da ditadura militar e dos pais alienados, é hoje muito despolitizada, os jovens e os mais velhos. Os pais, hoje com 40 anos, são em geral muito despolitizados, cresceram na ditadura militar.
Como você vê o trabalho dos futuros jornalistas, que caminhos têm hoje?
Olha, não sou especialista em imprensa, não saberia te dizer qual é o caminho, mas ainda sem solução eu vejo a internet como um caminho ganhando cada vez mais espaço. Na minha cabeça o complicado é que a internet ainda não consegue se pagar, então é muito improvisado, muita falta de qualidade, mas eu acho um caminho. Agora, para quem está na chamada grande imprensa que está perdendo visivelmente espaço e há números sobre isso eu acho que a questão é lutar dentro. Mas lutar não é com discurso ideológico, não adianta porque ela é imprensa conservadora. Lutar é se posicionar firmemente numa questão profissional, defender a qualidade profissional de sua reportagem, não o discurso ideológico porque não adianta, vai chocar, há um filtro. Duas coisinhas para encerrar: aquela proposta de criar uma federação nacional, feita pela Fenaj, para criar um organismo nacional dos jornalistas, nós temos ainda um equívoco, que o jornalista precisa tirar da cabeça, que ele exerce uma atividade de cunho social.
E não é?
Não é, como é que você vai fazer uma atividade de cunho social na grande imprensa, cujo o objetivo é lucro? Tem que acabar com isso, o artigo primeiro do parágrafo primeiro daquela proposta que eu citei é exatamente essa: “o jornalismo é uma atividade social”. Não é. A outra coisa que é muito curiosa é que eles também usam a expressão lá “cargo de confiança”. Em tese cargo de confiança é editor, diretor de redação, editor chefe, seja lá a nomenclatura que tenha. Esse cargo no Brasil é entendido como cargo de confiança do dono do jornal, não como cargo de confiança profissional. As pessoas só acendem se passam a ter a confiança do dono do jornal, essa é uma brutal deformação que tem no país. A sua competência profissional pode ser discutível, mas se você for confiável ao dono do jornal, você então passa a ter chances de galgar a uma posição de cargo de confiança.
E isso implica ideologicamente afinado…
Exatamente.
Você tem posição sobre a obrigatoriedade do diploma?
Sou contra, não é que eu seja contra, mas não acho necessário. Acho que um cargo técnico sim. O The Economist deu uma matéria recente dizendo que a Universidade Oxford instalou um grupo de trabalho para estudar a criação de um instituto de jornalismo cujo objetivo é trabalhar para a melhoria do padrão do jornalismo inglês. As ra
zões que eles citam: a futilidade da imprensa sobre sessões de fofocas, celebridades e por aí afora, a invasão da privacidade e o descompromisso com a verdade, mentiras teriam passado a fazer parte do cotidiano do jornalismo. Então, veja bem, se Oxford, na Inglaterra está preocupada com isso, nós aqui no Brasil que temos maior dificuldade pelo nosso atraso cultural, educacional, como é que estamos sentindo isso? A imprensa brasileira de uma maneira geral é muito ruim naquilo que concerne a informação. Ela é muito bem preparada tecnicamente, a qualidade da impressão, bons maquinários, boas fotos, mas a qualidade da informação é ruim.
Você acha que isso é fruto de uma má formação?
Sim, qual a origem da idéia do diploma? Achavam que haveria uma concorrência tal que haveria um impacto no salário. A oferta provocaria uma queda salarial, fecharam com o diploma, resguardaram o exercício da profissão para o diplomado, no entanto, a média salarial caiu assustadoramente. E a impressão que eu tive naquele momento, porque eu sou do tempo que isso foi planejado, imposto, foi aprovado, era de que todo mundo correria para ser jornalista. E na verdade você sabe que é uma luta, ralar como repórter, subir morro, no calor, no meio da rua, sujeitar ao mal humor dos entrevistados, não é fácil. E no início por um salário pequeno, depois alguns acendem e outros não. Então, não me parece uma coisa fundamental, não me parece que as razões são sustentáveis, essas razões que foram apresentadas lá atrás. Acho que poderia ter um curso técnico para qualificar as pessoas, em alguns pontos, do ponto de vista da formação sobre história do Brasil, sobre política, sobre economia, isso sim. Mas não que um curso de quatro anos seja necessário.