Por Padre Alfredo, em setembro de 2004
 
O medo toma conta de toda a Europa, ronda e ameaça as fronteiras de cada país. Um medo genérico e específico a um só tempo, medo do estrangeiro, do extra-comunitário, do outro, do estranho, do diferente. Medo do africano, do asiático, do latino-americano e, especialmente, medo do árabe e/ou muçulmano.

O contexto internacional do terrorismo e os esforços histéricos para combatê-lo faz o medo atravessar portas e janelas, vencer os mais sofisticados sistemas de segurança, penetrar sorrateiro nos lares mais confortáveis, instalar-se no coração de cada casa ou família e no coração de cada pessoa.

Iraque, Chechênia, Afeganistão e Palestina estão ali, nas imediações do velho continente; Estados Unidos e Inglaterra, Rússia e Israel, nutrem com o terror institucionalizado, de Estado, o circulo vicioso da violência mundial. Dia a dia, a mídia bombardeia inquietantes notícias: de guerra, atentados, seqüestros, raptos e morte.

Nesse clima de tensão, os migrantes pressionam! Cruzam as fronteiras e espalham-se por todos os lados. As ruas ganham novos rostos, novas cores e novos costumes; predomina o pluralismo étnico e religioso; desemprego e subemprego ganham maior visibilidade, postos de trabalho são disputados como migalhas num universo onde luxo e escassez coexistem fome e miséria caminham de mãos dadas.

Atitudes de acolhida e de intolerância se misturam, tons de solidariedade e agressividade digladiam-se nas páginas dos jornais e nos espaços da televisão. Dúvidas, interrogações e temores levantam-se de um terreno cada vez mais marcado pelos problemas e contradições do neoliberalismo e da economia globalizada. Valores se apagam como estrelas num céu escuro, o chão foge debaixo dos pés inseguros.

O clima de medo engendra o preconceito e a discriminação, respira-se uma atmosfera carregada de xenofobia; os estranhos transformam-se em bodes expiatórios, simultaneamente tolerados e rechaçados: mão-de-obra para serviços sujos, pesados e mal pagos, mas impossibilitados de tornarem-se cidadãos plenos. Convertem-se em párias cuja miséria contrasta com os monumentos artísticos seculares.

Estigmatizados pelo passado e pelo presente, os migrantes são no fundo os protagonistas do amanhã: portadores, ao mesmo tempo, da exclusão social e do sonho de uma cidadania universal, de um mundo justo, solidário e sem fronteiras. Migração é sangue quente e juvenil nas veias de um continente frio e decrépito; vigor e entusiasmo primaveril numa sociedade que se apromixa do outono.
 

Alfredo J. Gonçalves. Piacenza, Itália, 19/09/04.